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Cabeças iluminadas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 30 set 1998, 22h00

Ulisses Capozoli

Eles marcham à frente das civilizações, alargando a fronteira do conhecimento. Vêem o novo onde todos só enxergam o velho. Formam uma categoria especial de seres humanos. São os mestres geniais.

A modéstia nunca foi o ponto forte do dramaturgo irlandês Oscar Wilde. Ao desembarcar em Nova York, em 1882, para uma série de palestras, ele deu a seguinte resposta ao funcionário da Alfândega que o submetia ao interrogatório de praxe: “Não tenho nada a declarar, exceto a minha genialidade”. A idéia de que todos os homens são iguais faz parte do patrimônio de valores da nossa época. Mas todo mundo sabe, ao mesmo tempo, que existem indivíduos mais capazes e criativos do que os seus semelhantes. Esses talentos privilegiados são identificados de várias maneiras. O mais famoso meio de reconhecimento formal é o Prêmio Nobel, dado todos os anos pela Academia de Ciências da Suécia. Mas há um círculo ainda mais restrito de homens e mulheres admiráveis. São os gênios.

Para entrar nesse seletíssimo grupo, não basta ser muito inteligente ou produzir uma obra brilhante. O gênio pertence a uma categoria quase sobrenatural – a daqueles que, marchando à frente das civilizações, iluminam o caminho para o conhecimento que vem depois. Na definição do filósofo da Ciência norte-americano Thomas Kuhn, eles são “os anunciadores do novo, quando o antigo, como um espelho desgastado, já não reflete mais uma imagem clara do mundo”. Não se limitam a achar uma solução magistral para um problema difícil. “O gênio formula uma solução que não poderia ser gerada pelo quadro de regras vigente até aquele momento”, explica o psicólogo norte-americano Howard Gardner (veja entrevista na página 30).

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Nada fica no lugar depois da passagem de um gênio. Charles Darwin refundou a Biologia com sua Teoria da Evolução, assim como a física de Einstein moldou a cara do século XX. Uma das definições mais felizes da genialidade talvez seja a do bioquímico húngaro Albert Szent-Gyorgyi, ganhador do Nobel de Medicina em 1937 pela descoberta das propriedades da vitamina C. Para ele, o trabalho de um gênio consiste em “ver o que todo mundo viu, mas pensar o que ninguém pensou”.

Eles trabalham sem parar

Existem gênios tímidos e extrovertidos, precoces e tardios. Em meio a diferenças abissais, sobressaem alguns traços comuns a todos os grandes criadores. Um deles é a altíssima produtividade. Thomas Edison patenteou 1 093 invenções, Sigmund Freud deixou 330 trabalhos publicados e Pablo Picasso assinou mais de 20 000 obras. Todo gênio produz obsessivamente. Johann Sebastian Bach compunha uma cantata por semana. Às vezes, ele não tinha muito tempo ou estava cansado. Por isso, nem todas saíam muito boas. Mas o importante é que Bach não desistia, nunca.

Outra marca da genialidade é a coragem de ousar. O psicólogo norte-americano Dean Keith Simonton, da Universidade da Califórnia, em Davis, chegou a essa conclusão depois de analisar as biografias de mais de 2 000 cientistas. De acordo com Simonton, “as maiores figuras da ciência são pessoas que não hesitam em correr riscos, em perseguir idéias e sonhos que parecem ilógicos ou contrários ao pensamento dominante”. Seu estudo enterra o mito da inspiração sem esforço. Simonton constatou que o pico da capacidade criadora dos cientistas ocorre entre os 35 e os 45 anos, quando já se acumulou muita experiência. Freud era um quarentão quando percebeu que os sonhos podiam ser a porta de acesso às profundezas da mente.

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Gardner formulou a “regra dos 10 anos” – tempo de “acumulação” necessário para uma criação importante, em qualquer área. A regra se aplica até mesmo a Mozart, o emblema do brilho precoce. Ele começou a compor aos 6 anos, mas as primeiras obras-primas só brotaram no fim da adolescência.

O alto preço da perfeição científica

A imagem do gênio como um sujeito destrambelhado, incapaz de fritar um ovo ou de dar o nó na gravata decentemente, tem um tanto de lenda, mas muito de verdade. Os grandes cientistas estão, às vezes, tão concentrados em suas elucubrações que acabam por perder o contato com a realidade cotidiana. Incidentes como o ocorrido a Einstein e Beno Gutenberg em 1933 certamente contribuíram para a criação do estereótipo do “gênio distraído”. Foi assim: Gutenberg, sismólogo-chefe do Instituto de Tecnologia da Califórnia, caminhava com Einstein, discutindo questões geológicas, quando um colega apareceu, muito nervoso, na frente deles. Nesse momento, os dois se deram conta de que a terra ondulava sob seus pés. E repararam que as pessoas saíam correndo dos edifícios. “Estávamos tão mergulhados na Geologia que não percebemos o terremoto”, justificou Gutenberg.

Há momentos, assinala o psicólogo Gardner, em que o grande criador é obrigado a sacrificar o bem-estar pessoal ou as relações afetivas para se entregar, de corpo e alma, ao desenvolvimento de sua obra. Einstein destruiu seu primeiro casamento de tanto pesquisar. Marie Curie contraiu leucemia de tanto manipular material radiativo. Gardner chama essa opção dolorosa de “barganha faustiana”, numa alusão ao pacto entre Fausto e Mefistófeles (o diabo) no texto clássico de Goethe, o mais reverenciado escritor alemão. O poeta irlandês William Butler Yeats definiu esse dilema com exatidão, ao escrever que “o homem é obrigado a escolher entre a perfeição da vida e a perfeição da obra”. Um gênio nunca vacila na hora de fazer essa opção. A obra, para ele, vale mais que a vida.

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Os sábios também erram

Os gênios são admiráveis, mas continuam a fazer parte da humanidade e a cometer o mais humano dos atos – o erro. Einstein penitenciou-se durante anos por um erro conceitual nas suas equações da Relatividade Geral, segundo as quais o Universo está sempre em contração ou expansão, mas não estático.

Ele havia introduzido uma expressão chamada constante cosmológica, o que fez seu Universo ficar estático. Hoje, qualquer aluno de Física sabe que o Universo não pára de se expandir. O inglês Ernest Rutherford, descobridor da estrutura do átomo e Nobel de Química, insistiu até morrer, em 1937, que a energia nuclear jamais teria utilidade prática.

Isso oito anos antes da explosão da bomba atômica de Hiroshima!

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Einstein, Rutherford e muitos outros são gênios não porque estivessem certos sempre, mas porque suas certezas mudaram o rumo da ciência. Edison, o maior inventor de todos os tempos, dizia que os erros mostram os caminhos que não devem voltar a ser trilhados e assim, indiretamente, apontam para as direções corretas. Ele próprio errou redondamente ao afirmar que não via futuro no motor a explosão.

Até mesmo o italiano Galileu Galilei, fundador da ciência moderna, tem no seu currículo uma mancada fenomenal. Ele considerou que os planetas eram uma ilusão de óptica. Simplesmente porque não conseguiu observá-los com a sua luneta.

Quando o acaso dá uma mãozinha

Em julho de 1928, o biólogo escocês Alexander Fleming (1881-1955) estava empenhado numa pesquisa sobre a gripe quando notou algo de estranho numa placa de vidro onde estava depositada uma colônia de bactérias. Um bolor havia se desenvolvido dentro da placa, que estava sem tampa, provocando a morte de todas as bactérias. Fleming logo descobriu que o tal bolor tinha sido formado pelos esporos de um fungo raro, o Penicillum notatum, que haviam escapado do andar superior. Por puro acidente, Fleming descobriu o primeiro e mais importante antibiótico, a penicilina.

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O acaso acompanha os grandes momentos da ciência desde o “eureka” de Arquimedes. O químico alemão Friedrich Kekulé (1829-1896) desvendou a estrutura da molécula do benzeno a partir de um sonho no qual uma cobra mordia o próprio rabo.

Os cientistas usam uma palavra esquisita para denominar as descobertas acidentais – serendipidade. Essa expressão foi cunhada em 1754 pelo escritor inglês Horace Walpole, a partir da leitura de um conto oriental intitulado Os Três Príncipes de Serendip. Os príncipes faziam descobertas miraculosas, sempre por acaso.

São muitos os tesouros largados pelo destino no caminho dos pesquisadores. Em 1964, os cientistas Arno Penzias e Robert Wilson estavam, prosaicamente, removendo a sujeira deixada pelos pombos nas antenas dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, que captam sinais de rádio vindos do espaço. Depois de feita a limpeza, perceberam que ainda havia um “ruído” residual, que não poderia vir de uma fonte terrestre. Concluíram que o “ruído” só poderia ser um resíduo da radiação do Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo.

A descoberta valeu aos dois o Nobel de Física de 1978.

A descoberta dos raios X é um caso típico de serendipidade. Em 1895, o alemão Wilhelm Röntgen (1845-1923) estudava a fosforescência produzida por descargas elétricas em tubos vazios. Um dia, envolveu seu tubo vazio com um papelão preto, apagou as luzes do laboratório e observou, com surpresa, que as descargas iluminavam uma tela situada a mais de 1 metro. Investigou o mistério durante seis semanas, até perceber que estava diante de um novo raio, capaz de atravessar não só o papelão, mas muitos outros materiais, entre os quais o corpo humano. Batizou-o de “raio X”, porque ainda não se compreendia bem o que era.

Será que cientistas “serendípicos” como Fleming e Röntgen eram apenas sortudos?

É claro que não. Sem os olhos de águia do gênio, os fatos fortuitos que resultaram na penicilina e no raio X teriam passado em branco. Como disse Louis Pasteur, o fundador da Medicina moderna, “o acaso favorece apenas as mentes preparadas.”

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