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Ciência e magia dos fogos de Artifício

Um espetáculo pirotécnico desperta em qualquer pessoa a impressão de magia. Mas os cientistas garantem: os desenhos multicoloridos no céu são uma maravilhosa questão de Química.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 dez 1990, 00h00

Lúcia Helena de Oliveira

Ouve-se um assovio distante, até ocorrer a explosão em cores. O céu escuro fica estampado com riscos azuis, faíscas vermelhas, estrelinhas de ouro e chuva de prata. Surpreendem, então, luzes brancas como as de um raio e sons que imitam trovões. Esse espetáculo poderia perfeitamente ter acontecido no aniversário de uma cidade, em uma final de Copa do Mundo, em uma festa junina ou na entrada do Ano-Novo. Pois, afinal, os fogos de artifício são velhos convidados nas grandes celebrações, desde que os chineses, inventores da pólvora, começaram a utilizar tiros coloridos de morteiros, há cerca de 1 000 anos, para anunciar a vitória nas guerras. Mas só recentemente os cientistas começaram a desvendar o esplendor dessa antiga forma de comemorar, graças aos avanços da chamada pirotecnia — do grego, a arte de empregar o fogo.

O interesse dos pesquisadores não é gratuito. Na verdade, os princípios dos fogos de artifício valem para desenvolver desde sinalizadores de emergências mais eficientes até propulsores para os modernos ônibus espaciais. Tudo, em suma, é uma questão de controlar o processo da combustão, porque há maneiras e maneiras de uma substância queimar. Para que os fogos produzam esse, e não aquele, efeito visual é necessário obter uma temperatura determinada da chama e calcular a dosagem exata de gás.liberado durante a combustão. Para isso, os fogueteiros não devem errar na proporção dos componentes químicos. Quando um ingrediente entra de mais ou de menos, um leque de faíscas esverdeadas, por exemplo, pode se transformar em um borrão cor de laranja. As receitas de fogos de artifício são cheias de truques. E, para complicar, as fórmulas são mantidas em segredo, passadas de geração em geração, por famílias de tradicionais fogueteiros. O que facilita o sigilo, comum no mundo inteiro, é o fato de a indústria pirotécnica ser artesanal. Pois é impossível usar máquinas quando se trabalha com pólvora negra, a milenar invenção da China, que explode quando há atrito ou faísca. Em 1242, o monge inglês Roger Bacon (1220-1292) desvendou a fórmula do explosivo oriental, mas preferiu escrevê-la em código, por considerá-lo perigoso.

Na época, um destino idêntico foi dado às receitas de fogos, encarados como obra de feiticeiros. De qualquer modo, Bacon deve ter anotado, com símbolos estranhos, que para obter 100 gramas de pólvora são necessários 75 gramas de salitre, 15 gramas de carvão e 10 gramas de enxofre. Os fabricantes de fogos ainda acrescentam na mistura goma-laca ou breu, que servem como um ligante, envolvendo as partículas daqueles três componentes. Se isso não é feito, ao rasparem entre si, os grãos de pólvora podem disparar a combustão. A ignição ocorre quando a energia de alguma fonte —combustível, fricção, impacto ou até raios laser — quebra as ligações químicas de uma mistura pirotécnica como a pólvora. Assim, formam-se novas ligações entre os átomos, criando substâncias mais estáveis, isto é, com menos energia; nessa transformação, a energia liberada ativará a camada seguinte do grão de pólvora e assim por diante, até não existir mais material para queimar. A pólvora é ideal para a pirotecnia porque incendeia dispensando o oxigênio do ar. Esse gás essencial à combustão já está contido no salitre de sua composição. Portanto, é natural que quanto mais pólvora contenha, mais tempo dure e mais forte seja a combustão dos fogos de artifício.

Quando a famosa cascata de fogos do Hotel Méridien, no Rio de Janeiro, aconteceu pela primeira vez, no réveillon de 1977, as faíscas mal cobriam dez dos quarenta andares do edifício. “Ano após ano, a cascata crescia, porque desenvolvíamos novas fórmulas de bombas com mais pólvora”, observa o francês Jean-Claude Niger, diretor técnico do Méridien. “No ano passado, conseguimos a proeza: a cascata desceu todos os 120 metros do prédio, chegando até o chão.” O segredo desse espetáculo está na troca de elétrons entre os átomos de oxigênio e os átomos dos chamados combustíveis, que no caso da pólvora são o carvão e o enxofre. “Em toda reação com oxigênio existe essa troca, na qual a energia dos reagentes pode ser liberada de várias maneiras: como luz, como calor, como som”, conta a química Rita Tereza dos Santos, da Universidade de São Paulo. O final pomposo da festa de Ano- Novo carioca, por exemplo, costuma apresentar o que os pirotécnicos chamam mistura de luz e som. Os químicos traduziriam isso para mistura de alumínio e pólvora branca: o metal, aquecido, libera luz; a pólvora branca (uma combinação de clorato de potássio, enxofre e alumínio) descarrega energia como ondas acústicas. É por isso que esse mesmo ingrediente entra nos rojões, que os torcedores de futebol soltam quando seu time marca um gol. A pólvora negra gera apenas calor.

Uma chama pirotécnica pode chegar a 3 600 graus Celsius. Para se ter uma idéia, segundo Rita, a temperatura da chama de um fogão doméstico costuma alcançar 800 graus Celsius. “Se o calor não se dispersa, porque está confinado em uma bomba, cria-se uma enorme pressão, que culmina separando todas as partículas, no fenômeno da explosão”, descreve a química. Por isso, a primeira função da pólvora nos fogos de artifício é a propulsão, isto é, lançar a carga da bomba a 200 ou 300 metros do chão. O segundo papel da pólvora é fornecer calor para acender as chamadas baladas, pedaços de uma massa feita com produtos químicos, responsáveis pelo colorido dos fogos. Usa-se o estrôncio para se obter o vermelho e o cobre para se ter o azul; assim como um pintor misturaria na paleta as duas cores para conseguir o roxo, os pirotécnicos combinam estrôncio e cobre para fazer fogos de luz violeta.

Muitas vezes, os fogos começam de uma cor e terminam de outra, porque as baladas têm duas camadas de misturas diferentes. “Com uma família pequena de elementos químicos, recriamos as cores do arco-íris”, comenta o empresário Valter Jeremias, da Caramuru, a indústria pioneira na fabricação de fogos no Brasil, fundada há 65 anos. A fábrica se espalha por uma colina, no município de Santa Branca, 88 quilômetros a leste de São Paulo. Ali, trabalham cerca de noventa funcionários, em minúsculas casinhas distantes entre si, onde ficam, no máximo, três pessoas de cada vez. O motivo disso pode ser chocante: trata-se de uma precaução, adotada no mundo inteiro, para evitar que morram muitas pessoas em eventuais explosões. Acidentes de maior ou menor gravidade acontecem com freqüência razoável, nem sempre por causa da pólvora. Depois de se moldarem as baladas, que têm do tamanho de um caroço de uva até o de uma bola de gude, a massa deve secar ao sol.

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“Às vezes, o calor faz com que elas peguem fogo espontaneamente”, diz Jeremias, que exibe uma bomba na mesa de trabalho. Trata-se de um tubo de cartão, com 75 centímetros de altura. Na base do cartucho, encontra-se uma pastilha grossa de pólvora, que lançará para o alto a carga do recheio—mais pólvora e as baladas. Existe ainda a bomba oriental redonda, que pode ter até o dobro do diâmetro de uma bola de basquete. “Nela, as baladas devem ser arrumadas organizadamente em todo o contorno”, demonstra Jeremias. O próprio estopim ou o estouro da pastilha propulsora acende o que se chama fusível de tempo, um pavio que demora mais para queimar, encarregado de acender a carga do recheio. Assim, a pólvora no interior só explode espalhando e incendiando as baladas quando a bomba está longe do solo.

O calor liberado torna o material das baladas líquido ou gasoso. Então, as partículas começam a emitir luz, cuja cor dependerá do comprimento da onda. A luz visível são radiações eletromagnéticas que medem entre 380 nanômetros (um bilionésimo de metro), quando causam a sensação do violeta, e 780 nanômetros, quando provocam a sensação do vermelho. Os fogos são brancos reluzentes quando as baladas conseguem emitir, ao mesmo tempo, ondas de todos os comprimentos, com todas as cores do espectro. Para isso, é necessário fornecer muito calor, de modo que os pirotécnicos, quando desejam esse efeito, misturam alumínio, magnésio ou titânio à pólvora da carga. “Os metais elevam ainda mais a temperatura de uma chama”, justifica a química Maria Regina Alcântara, da Universidade de São Paulo. O calor é fundamental para os três processos pelos quais as baladas produzem ondas luminosas. Um deles é a incandescência: “Quando se fornece muito calor a uma substância, é como se ela se sobrecarregasse, recusando a energia extra, devolvida na forma de luz. É o fenômeno de um ferro em brasa”, informa Maria Regina.

Qualquer um pode notar que o ferro aquecido logo se torna vermelho — a primeira cor do espectro — até se alaranjar aos poucos; com mais calor, a cor passa a ser um amarelo forte; se for possível esquentá-lo ainda mais, ele assumirá tons azulados e, finalmente, ficará branco. “Do mesmo modo, nos fogos, é possível obter várias cores a partir de uma única substância existente na balada, conforme os elementos, como metais, acrescentados à pólvora — portanto, se o calor da chama é menor ou maior”, esclarece Maria Regina. O mesmo não é possível nos outros dois processos de produção de luz. Na emissão atômica e na emissão molecular, uma substância qualquer só pode emitir determinado comprimento de onda luminosa, de acordo com as suas características. Na emissão atômica, os elétrons se agitam ao rodar em torno do núcleo atômico, transferindo-se para órbitas mais externas, que são mais energéticas; ao retornarem para a órbita de origem, os elétrons liberam a energia adquirida como luz. A emissão molecular é semelhante, só que a agitação é das moléculas, e não dos elétrons. “Quando as baladas são de sódio, inevitavelmente reluzem amarelo”, exemplifica Maria Regina. Quando existe sódio dentro da bomba, os raios amarelos ofuscam qualquer outra onda luminosa de cor diferente.

O problema é que o sódio muitas vezes pode se formar indesejavelmente em reações durante a combustão, quando as partículas das baladas se evaporam e se misturam. Pois os fogos podem ser comparados com tubos de ensaio, repletos de elementos químicos, que se combinam quando aquecidos. “Os pirotécnicos podem usar dois ingredientes para formar uma terceira substância”, conta o químico Atílio Vanin, professor da USP. É o caso das moléculas de bário, capazes de emitir a luz verde. “Frágeis, elas não duram muito mesmo em temperatura ambiente”, explica Vanin. “Por isso, não devem ser colocadas diretamente nos fogos, e sim serem formadas no instante em que se precisa delas”, revela o pesquisador, cuja paixão pela pirotecnia vem da infância.

No bairro paulistano do Brás, Atilio Vanin foi coroinha durante dez anos na Igreja de São Vito, que todo dia 15 de junho comemorava a festa do padroeiro com fogos. “Fascinado, aos 15 anos, eu não descansei enquanto não aprendi sozinho a fazer pólvora” lembra. Hoje, trinta anos depois, o químico reconhece que fazer fogos é muito mais difícil do que imaginava quando fabricava suas próprias bombinhas. “Leva-se em conta até o tamanho das baladas”, ele observa. Ao se incendiar, uma balada pequenina brilha por brevíssimos momentos, antes de se derreter completamente. O resultado é a visão de um ponto luminoso feito uma estrela.

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Uma balada maior, porém, leva mais tempo até se desfazer e, enquanto isso, vai caindo por força da gravidade; dessa maneira, faz um traço no céu, como uma chuva de fogo. “As bombas, às vezes, são divididas em diversos compartimentos que estouram em alturas diferentes, graças aos fusíveis de tempo”, nota Vanin. Com esse recurso, inúmeras pequenas bombas criam o que os pirotécnicos chamam buquê de noiva — porque as explosões espalhadas lembrariam flores de faíscas. Para dar acabamento ao desenho criado pelos fogos, os pirotécnicos misturam à pólvora combustíveis que liberam mais ou menos gás, de acordo com o efeito desejado. A pressão do gás afasta as partículas incandescentes, deixando os feixes de luz distantes entre si. A tendência é cada vez mais os cientistas se interessarem pelo tema, como nos Estados Unidos, onde pesquisadores contratados pela Marinha buscam substâncias que possam produzir a cor azul.

Até hoje, sempre que se querem faíscas azuladas, usa-se o cloreto de cobre, uma substância que só gera luz em temperaturas muito elevadas. No entanto, quando o calor excede o ponto ideal, por pouco que seja, o cloreto de cobre se desintegra e aí não se tem luz alguma. Muitas vezes a descoberta de novos materiais para fogos de artifício é decorrência de decepções na prática. Um exemplo disso foi o réveillon carioca, há três anos, quando milhares de pessoas na Praia de Copacabana aguardavam o anúncio da meia-noite pela cascata de fogos do Hotel Méridien. Mas, então, os fogos começaram a pipocar em hesitantes etapas. Enquanto isso, técnicos corriam, acendendo, um por um, cerca de 200 morteiros. “Havia chovido e os estopins molhados demoravam para pegar fogo “, lembra o engenheiro Jean- Claude Niger.

Há treze anos, para promover o Ano Novo no Rio de Janeiro, Niger foi ao terraço do Méridien e amarrou de cabeça para baixo pequenas bombas de mão. Com isso, ele derreteu as juntas das janelas do prédio: “Só não levei bronca porque o efeito foi belíssimo”. A traquinagem deu origem a uma tradição: no final deste mês, devem ser queimadas 46 toneladas de fogos no Ano-Novo de Copacabana. Este ano, porém, Niger buscou na Inglaterra um novo estopim impermeável, revestido de betume. Assim, Copacabana receberá 1991 com muitos artifícios — chova ou não chova.

 

 

 

Para saber mais:

É fogo

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(SUPER número 3, ano 2)

 

 

 

 

Outros artifícios da pirotecnia

Nem sempre a pirotecnia se encarrega de obter luzes coloridas. Nos anos 30, cientistas americanos constataram que, ao se acender a combinação de siliceto de cálcio e óxido de ferro, gera-se calor, mas nenhuma luz ou gás. Por isso, na Segunda Guerra Mundial, essa mistura pirotécnica foi usada em latas de alimentos, equipadas com estopins: graças à ausência de chama, os soldados podiam aquecer a comida sem alertar os inimigos. Hoje, pesquisam-se misturas pirotécnicas até para os propulsores dos ônibus espaciais. Fusíveis de tempo, como os dos fogos, são usados nos aviões com cadeiras ejetáveis de emergência. Quando se aperta determinado botão, explode o teto da nave; o estouro aciona o fusível de tempo, que cuidará da ignição da carga de dinamite sob o chão blindado.

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Desse modo, não existe o risco de a cadeira ser lançada antes de o teto ser destruído, matando o piloto. Mas, para os especialistas em combustão, o desafio mais recente foi conseguir sinalizadores para a Marinha, especiais para a luz do dia, que ofusca as faíscas dos fogos. O ideal seria uma bomba de fumaça colorida, mas o calor alcançado pelos fogos convencionais provocava a decomposição dos ingredientes corantes. O problema foi resolvido quando se descobriu uma substância para a carga dos sinalizadores, capaz de queimar em baixíssimas temperaturas, sem destruir os corantes: o açúcar.

 

 

 

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