Cientistas observam novo tipo de simbiose em que bactéria fornece energia para a célula
A bactéria “respira” nitrato e fornece energia para o protozoário, que, por sua vez, protege-a dentro da célula. A descoberta está relacionada à hipótese de origem da mitocôndria.
Se você absorveu algum conteúdo das aulas de biologia do ensino médio, com certeza se lembra que a mitocôndria é a fonte de energia da célula. Ela é responsável pela respiração celular: entra oxigênio e glicose e saem pacotinhos de energia conhecidos como ATPs.
O que chama a atenção nas mitocôndrias é que nem sempre elas fizeram parte das células. No passado, elas provavelmente eram bactérias independentes, até que foram engolidas por outro organismo, ancestral das células eucariontes. Essa assimilação, que ocorreu há mais de um bilhão de anos, foi boa para os dois lados, que passaram a viver em simbiose – o ancestral da mitocôndria fornecia energia para a célula enquanto ficava protegido pela estrutura ao seu redor.
Com o passar do tempo, a mitocôndria foi se tornando cada vez mais integrada até se tornar uma organela presente nas nossas células. Ela inclusive possui material genético próprio (DNA mitocondrial) e capacidade de autorreprodução, sem precisar de comandos da célula hospedeira.
Agora, cientistas do Instituto Max Planck de Microbiologia Marinha detectaram um tipo de simbiose parecido com esse, mas que nunca havia sido visto na natureza: uma bactéria que vive dentro de um protozoário, fornecendo energia para ele. Só que em vez de usar oxigênio para gerar essa energia, a bactéria “respira” nitrato.
“Uma simbiose baseada na transferência de energia na forma de ATP, como observamos aqui, é sem precedentes. Na verdade, o único outro simbionte que tinha uma função parecida é justamente aquele que deu origem à mitocôndria no passado”, disse a pesquisadora Jana Milucka à Super.
Os dois seres foram descobertos no fundo do Lago de Zug, na Suíça. O protozoário é formado por uma única célula e até possui mitocôndrias, mas a Candidatus A. ciliaticola (como foi chamada a bactéria que vive lá dentro), pode complementar ou até substituir essa produção de energia.
A relação provavelmente deu certo porque há pouquíssimo oxigênio no fundo do lago. Os cientistas já sabiam que seres unicelulares conseguem sobreviver nesses ambientes produzindo energia por meio da fermentação, já que a mitocôndria exige oxigênio para respirar. Acontece que a fermentação não produz tanta energia quanto a respiração celular, o que faz com que esses seres vivos se reproduzam menos.
A possibilidade de gerar energia por meio do nitrato é extremamente vantajosa para eles. “A solução encontrada pelo protozoário foi englobar essa bactéria e integrá-la à célula”, disse o pesquisador Jon Graf, um dos autores do estudo, em nota. “A gente estima que essa assimilação ocorreu entre 200 e 300 milhões de anos atrás.”
A relação ecológica em que um ser que vive dentro de outro é chamada de endossimbiose. Ela é comum em seres unicelulares e pode chegar ao ponto do hóspede perder a habilidade de viver fora do hospedeiro. E foi justamente o que aconteceu com a bactéria descoberta pelo grupo.
Para os pesquisadores, o mais surpreendente é que essa nova forma de simbiose tenha permanecido desconhecida por tanto tempo. A descoberta, inclusive, foi acidental – os cientistas estavam interessados em microorganismos que metabolizam metano. No entanto, ao olhar para os genes de uma amostra, Graf encontrou uma pequena sequência que representava a respiração de nitrato.
A equipe voltou ao lago para coletar mais água e conseguiu isolar a dupla simbiótica. “Normalmente, o protozoário comeria a bactéria, mas em algum momento eles formaram essa parceria. É bom saber que eles estão juntos lá embaixo”, disse Jana Milucka.
Como toda descoberta inovadora, ela levanta mais perguntas do que respostas. Onde começou essa simbiose? Há outras relações em que o endossimbionte já virou organela? E se existe uma simbiose para a respiração de nitrato, existiria também de outros compostos? É o que o grupo pretende investigar daqui em diante.
“Agora nós vemos que esse processo pode se repetir com outros simbiontes. É provável que a nossa bactéria esteja seguindo um caminho evolutivo semelhante ao ancestral da mitocôndria”, responde Milucka. “Acho que essa descoberta nos faz repensar como definimos a diferença entre endossimbiontes e organelas”.