Cópias de todo tipo de mamífero já saíram dos laboratórios do mundo, inclusive do Brasil. As pessoas nem prestam mais atenção quando um feito desses é anunciado. (Até em Dubai, paraíso financeiro dos Emirados Árabes, pesquisadores conseguiram clonar uma fêmea de dromedário, o famoso camelo de uma só corcova. A ideia é criar supercamelos de corrida ou produtores de leite.) Mas há uma exceção nessa galeria de clones: primatas – membros do subgrupo ao qual pertencem os seres humanos. Por motivos não muito bem compreendidos, os cientistas não conseguiram fazer cópias genéticas de macacos, e ninguém ainda tentou a sério clonar uma pessoa. Se depender apenas dos problemas técnicos, porém, é só questão de tempo.
Isso porque não temos razão para acreditar que o DNA de primatas como nós vá se comportar de maneira tão diferente assim para impedir a clonagem de funcionar. O processo, em linhas gerais, já é muito bem conhecido. O núcleo de uma célula adulta, contendo todas as informações genéticas necessárias à “construção” de um organismo, é colocado no interior de um óvulo cujo núcleo, por sua vez, foi previamente arrancado. Um estímulo elétrico “convence” o núcleo adulto a se fundir ao óvulo e, ao mesmo tempo, reprograma o dito-cujo, de maneira que ele se “convence” de que é um embrião no começo de seu desenvolvimento.
É bem possível que tudo isso aconteça de acordo com o script acima em humanos, mas as dificuldades éticas é que não podem ser desprezadas. Primeiro, a clonagem hoje é muito ineficiente. Centenas de óvulos são necessários para um único nascimento, e obter óvulos humanos nessa quantidade é um processo complicado e doloroso para a mulher – poucas se candidatariam a doadoras. Pior ainda, apenas entre 2 e 5% das gestações de clones terminam em nascimento. Os fetos que não vingam muitas vezes colocam em risco a vida da mãe; os que chegam a nascer sofrem de gigantismo, sistema de defesa do organismo muito fraco e envelhecimento precoce.
Fora de controle?
“Eu não sei se a gente algum dia será capaz de fazer o controle direto desses problemas da clonagem de forma precisa”, diz a bióloga Lygia da Veiga Pereira, pesquisadora da USP e estudiosa da reprogramação genética que torna o nascimento de clones possível. A principal raiz dos problemas de saúde dos clones tem a ver com essa reprogramação. Células normais precisam de marcações químicas especiais, que “informam” o embrião, por exemplo, sobre os genes que ele herdou do pai e da mãe. Reconstruir esses marcações perdidas pela clonagem é muito complicado. “É como uma mesa de som”, compara Pereira. “Você precisa mexer em tantos botõezinhos diferentes para obter um som bom que é muito difícil aprender como fazer esse acerto.”
Nada disso impede que um clone humano nasça logo. Mas certamente significa que muito sofrimento será necessário para que ele venha ao mundo.