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Como o lobo virou o poodle?

Cães foram os primeiros animais a serem domesticados. Como isso aconteceu continua a ser um mistério

Por Fábio Marton
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 20 abr 2012, 22h00

Pense em um pequinês e em um dogue-alemão. Se os dois já parecem ter tão pouco a ver um com o outro, que dirá com seu ancestral comum, o lobo. Quem poderia supor, então, que são todos o mesmo bicho? Cães são uma subespécie do lobo chamada Canis lupus familiaris e ainda compartilham 99,6% do DNA com seus ancestrais selvagens. Mas como exatamente esse animal feroz virou o bicho que temos coragem de colocar para dormir na nossa cama? Eles foram o primeiro animal a ser domesticado, mas não se sabe exatamente como, quando e onde isso aconteceu. Diferentes estudos apontam que essa aproximação aconteceu no Oriente Médio, na China ou na Europa, e as datas vão de 14 mil a 30 mil anos atrás. A teoria mais aceita é que moradores dessas regiões adotaram filhotes de lobo ou começaram a caçá-los para ter o que jantar. Ossos de cães também foram encontrados nos lixões de homens pré-históricos.

Há suspeitas de que a domesticação tenha ocorrido não uma, mas várias vezes. Lobos e homens tiveram um bom tempo para estreitar amizades e se distanciar, conforme um estudo genético conduzido por Robert K. Wayne, da Universidade da Califórnia. “Durante a maioria do Pleistoceno [2,5 milhões a 11 700 anos atrás], humanos e lobos conviveram por uma vasta área geográfica.” Isso explicaria a grande variedade de cães, geradas por cruzamentos entre populações domesticadas independentemente e também recruzamentos com lobos. A data da primeira domesticação também pode ser muito mais antiga, por volta de 100 mil anos atrás. No caso da América, eles vieram pela mesma via que os humanos, da Ásia, pela ponte de gelo do estreito de Bering, que ligava a Ásia ao nosso continente até 16 500 anos atrás.

Raposa ou cãozinho?
Um estudo do tempo da União Soviética comprovou que a domesticação de uma espécie não é algo assim tão difícil. A partir de 1959, o cientista Dmitri Belyaev conseguiu transformar raposas-cinzentas russas selvagens em raposas domesticadas. Foi selecionando aquelas que eram menos medrosas e arredias. Depois de dez gerações de cruzamentos – e muitas mordidas -, criou filhotes que não tinham medo de humanos, vinham comer em sua mão e ainda gostavam de um cafuné na cabeça. Como uns cachorrinhos. Curiosamente também adquiriram duas características dos cães: cauda empinada e cio duas vezes por ano.

Outra hipótese é que a domesticação foi uma iniciativa que partiu dos lobos. O biólogo Raymond Coppinger, da Universidade de Massachusetts, acredita que foram aqueles lobos ancestrais que aprenderam a se aproximar dos humanos para aproveitar-se de restos de sua comida. Aqueles lobos que mais toleravam pessoas comiam mais e geravam mais descendentes. Alguns deles até desaprenderam a caçar. E assim nascia outro bicho – a classificação tradicional, que muitos cientistas ainda preferem, separa cães e lobos em duas espécies: Canis familiaris e Canis lupus. Para eles, foi esse protocachorro, já um pouco domesticado por conta própria, que daria origem aos cães de hoje. Um argumento a favor dessa teoria é que cães que voltaram para a selva, como o dingo-australiano, não caçam mais e se tornam oportunistas. Comem carniças e restos de refeições humanas.

Mesmo sem sabermos a ordem dos fatores, dá para ter uma ideia de como esses primeiros cães se pareciam. Foram encontrados na Bélgica ossos de 31 700 anos de um bicho similar ao husky, mas do tamanho de um pastor-alemão. Quando a agricultura surgiu, há 7 mil anos, e com ela as cidades, uma explosão de diversidade acometeu a espécie. Foi nessa época que começamos a selecionar cães para os mais diversos trabalhos, como farejar caças, pastorear ovelhas e até atacar pessoas em guerras. “Os cães tem a maior variedade de formas de qualquer animal conhecida”, afirma Raymond Coppinger. Trabalho que aprimoramos mesmo nos últimos 300 anos, criando a maior parte das raças. Exemplo do pastor-alemão, que tanto lembra um lobo, e do poodle, que não lembra nada.

 

 

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Cães ilustres 

Pompey o patriarca da Holanda
Em 1572, durante uma batalha contra a Espanha, Guilherme I, então governador dos Países Baixos, sofreu um ataque enquanto dormia. Ainda bem que ao seu lado estava seu pug, Pompey, que ouviu os inimigos e latiu a tempo de acordar seu dono para fugir. E de continuar a guerra que criou a Holanda.

Jo-Fi o cão de Freud
Esse chow-chow estava no consultório de psicanálise mais famoso da história. Freud acreditava que os cães eram ótimos juízes de caráter e ajudavam a deixar os pacientes à vontade. Jo-Fi também avisava quando uma sessão acabava. Depois de 50 minutos, levantava-se e ia para a porta. 

 

As mais antigas
Pode não parecer, mas raças como o enrugado shar pei e o peludo chow-chow têm muita história para contar:

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Shar pei
Origem China, há mais de 2 mil anos

 

Pequinês
Origem China, séc. I a.C

 

Chow-chow
Origem – China, antes de 200 a.C.

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Basenji
Origem – África Central, há cerca de 5 mil anos

 

Husky-siberiano
Origem – Sibéria, há 2 mil anos

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São geneticamente tão próximos do lobo que quase não latem – uivam. E geralmente em matilha, já que adoram um trabalho em equipe. A raça, muito resistente ao frio, teria sido criada por povos seminômades para puxar seus trenós na neve, além de ajudar com o pastoreio de gado.

 

Akita
Origem – Japão, há 4 mil anos

Do século 16 ao 19, só a família imperial e os nobres tinham direito de ter esse cão. Eles eram tão importantes que tinham seus próprios empregados, que só podiam dirigir-lhe a palavra em uma linguagem especial, com muito respeito.

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Para saber mais

Dogs: A New Understanding of Canine Origin, Behavior and Evolution, Raymond Coppinger, University of Chicago Press, 2002.

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