De onde vêm as grandes idéias?
A ciência investiga há dois séculos a cabeça dos vivos e dos mortos à procura do lugar onde se esconde a inteligência.
Igor Fuser
Na procura do segredo da genialidade, gerações de cientistas têm sucumbido à tentação de esquadrinhar o cérebro de personagens notáveis, depois de suas mortes. O objetivo é descobrir, dentro do crânio do falecido, um detalhe singular que o teria feito sobressair entre seus contemporâneos. Os cérebros de muitas celebridades mortas foram, nos séculos XVIII e XIX, retirados e pesados na balança. Mas os resultados eram tão díspares que impediam qualquer conclusão. A massa encefálica de Jonathan Swift, o autor de As Viagens de Gulliver, pesou apenas 1 quilo, enquanto a de Anatole France atingiu o dobro – uma diferença que não tem correspondência na qualidade da obra dos dois escritores. Neste século, Lênin, o maior líder revolucionário russo, teve o seu cérebro investigado durante quase setenta anos por neurologistas. Em vão. Sua criação mais importante, a União Soviética, desapareceu antes que se descobrisse alguma diferença entre os miolos dele e os de qualquer outro mortal.
Esquadrinhando o cérebro
Nos Estados Unidos, o cérebro de Albert Einstein ficou guardado num laboratório por ocasião de sua morte, em 1955. Depois de trinta anos de pesquisas, uma equipe de neurologistas da Universidade da Califórnia descobriu que ele possuía um tipo de células cerebrais – os oligodendrócitos, que ajudam no funcionamento dos neurônios – em número maior do que o encontrado em outros onze indivíduos menos dotados intelectualmente. Mas foi impossível determinar se essas células adicionais já nasceram com Einstein ou se surgiram como fruto de sua intensa atividade mental.
Até onde se sabe, a inteligência não mora numa área específica da cabeça, mas é o resultado do trabalho conjunto de diversas regiões cerebrais. Um adulto possui 14 bilhões de neurônios, que se conectam entre si para fazer o cérebro funcionar. “Há mais possibilidades de conexão entre os neurônios do que estrelas no Universo”, compara o fisiologista Gilberto Xavier, professor da Universidade de São Paulo. “E a inteligência é a capacidade de produzir essas combinações.”
Apesar das dificuldades, muitos cientistas ainda tentam destrinchar a base fisiológica da inteligência. Para isso, contam com equipamentos capazes de monitorar o cérebro em plena atividade. Uma experiência decisiva foi realizada em 1992 pelo psiquiatra Richard Haier, também da Universidade da Califórnia. Ele submeteu um grupo de estudantes a um teste que consistia em jogar o videogame Tetris. Imagens obtidas por PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) mostraram o quanto cada um consumia de glicose, o combustível do cérebro.
Haier verificou que os estudantes gastavam mais glicose na partida inicial e, à medida em que o jogo ia ficando mais fácil, reduziam o consumo. Quanto menor o esforço intelectual, também menor o dispêndio de combustível. O pesquisador fez outra experiência, com retardados mentais, que queimavam grandes quantidades de glicose para responder a perguntas simples. “Os cérebros mais eficientes são aqueles que mobilizam apenas os neurônios necessários para cada tarefa”, concluiu Haier. Se isso for verdade, será possível identificar o cérebro de um gênio pelo mesmo critério que se usa para definir o carro mais econômico – é aquele que usa o combustível da maneira mais eficiente.
No início do século passado, o anatomista austríaco Franz Joseph Gall lançou a idéia de que seria possível desvendar a mente humana a partir do formato do crânio, com suas curvas e protuberâncias. Chegou a desenhar um mapa, no qual são localizados traços de personalidade tão variados e complexos como o amor pelos filhos, a vaidade, o impulso assassino ou a religiosidade. Com o nome de “frenologia”, a pseudociência virou uma moda que durou décadas. É claro que a superfície do crânio não tem nenhuma relação com a mente. Mas os frenologistas acertaram ao supor que as partes do cérebro exercem funções especializadas
Uma bola que cresce
No processo de evolução que resultou nos seres humanos, a caixa craniana tem aumentado continuamente, para abrigar um cérebro cada vez maior. O tamanho do cérebro cresceu 45% entre o Australopithecus afarensis, um hominídeo surgido entre 3 e 4 milhões de anos atrás, e o moderno Homo sapiens, que apareceu há 90 000 anos. Também os vasos sanguíneos que irrigam a região se tornaram mais numerosos. Acompanhe essa evolução no infográfico ao lado.
Australopithecus afarensis 3 a 4 milhões de anos
Homo habilis 2 milhões de anos
Homo erectus 1,8 milhão de anos
Homem moderno 90 000 anos