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De volta para o passado (mas de olho no futuro)

Conheça alguns dos grandes mistérios da arqueologia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 jul 2008, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

Embora ainda deva muitas respostas, a arqueologia tirou a humanidade da ignorância sobre si mesma. Liquidou algumas dúvidas existenciais. E ainda está ajudando a garantir nossa sobrevivência no planeta.

“A arqueologia é a busca por fatos, não pela verdade. Se é a verdade que vocês procuram, podem assistir à aula de filosofia do dr. Tyree, do outro lado do saguão.” Quem disse isso foi o mais famoso arqueólogo de todos os tempos, Indiana Jones, falando aos seus alunos no 3º filme da série – A Última Cruzada. A frase é ótima, principalmente porque expõe um lado da pesquisa arqueológica com o qual as pessoas não estão acostumadas: toda interpretação do passado sempre é provisória.

Nunca soubemos tanto sobre as origens de povos e civilizações quanto sabemos hoje. Mesmo assim, muitas perguntas sobre a saga da humanidade continuam sem resposta. Tudo bem se considerarmos que a importância real desses mistérios é pouca diante de outras questões talvez menos glamorosas, mas certamente relevantes para o nosso próprio futuro como espécie. Futuro? Pode apostar: a arqueologia moderna está revelando por que algumas sociedades humanas sobreviveram e se expandiram, enquanto outras entraram em colapso; quais escolhas históricas são sábias e quais podem nos levar para o buraco. Se quisermos sobreviver aos próximos séculos, é bom prestar atenção.

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FATOS REAIS

Se o velho Indiana mandou bem no sermão aos alunos, pisou na bola ao propagar a idéia de que os arqueólogos passam a vida atrás de cidades perdidas, como Eldorado ou Atlântida, e artefatos com poderes sobrenaturais, do tipo santo graal e arca da Aliança. É fato que as lendas envolvendo esses lugares e cacarecos deram um belo empurrão nas pesquisas quando a arqueologia ainda vivia os seus primórdios. Mas nenhum arqueólogo que se dê ao respeito, hoje em dia, pensa em achar a arca de Noé ou se apoderar do graal.

A explicação é muito simples: esses mistérios fascinantes só existem porque surgiram como ficção “inspirada em fatos reais” – às vezes nem isso. Pode-se dizer, por exemplo, que os espanhóis acharam o Eldorado no século 16: era o Império Inca, que realmente guardava riquezas fabulosas e cuja fama, ao ser transmitida via “telefone sem fio” pelas tribos da América do Sul, acabou criando a lenda de uma cidade dourada no meio da floresta. Atlântida, por sua vez, só existiu na cabeça de Platão, o filósofo grego que mencionou pela primeira vez o “continente perdido” no século 4 a.C. No máximo, ele pode ter se inspirado em histórias a respeito de grandes erupções vulcânicas no Mediterrâneo antigo.

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A lenda do santo graal também nasce de um fato concreto. Afinal, é bastante razoável supor que Jesus tenha usado algum tipo de cálice para tomar vinho durante a Última Ceia. Mas a idéia de que o mesmo recipiente serviu para recolher o sangue do Messias – e que, por isso, ganhou poderes espirituais fabulosos – é obra da criatividade de poetas franceses do século 12, autores das primeiras sagas de cavalaria sobre o graal. Detalhe: segundo os evangelhos, o salão onde a Última Ceia aconteceu era emprestado. Conseqüentemente, os talheres também. A não ser que os apóstolos tivessem uma tendência à cleptomania, fica difícil explicar como o graal teria sido preservado. Quanto à arca da Aliança, o mais provável é que sua cobertura de ouro tenha sido derretida pelos babilônios que destruíram o Templo de Jerusalém, em 586 a.C. E que a madeira debaixo do metal precioso tenha sido simplesmente queimada.

Embora a gente sempre relacione arqueologia com grandes escavações, nem sempre é assim que as coisas funcionam. Para começar, boa parte do trabalho dos arqueólogos de hoje é feita dentro de bibliotecas. E, quando estão escavando, nem sempre o que procuram são tesouros perdidos. Grandes descobertas muitas vezes acontecem durante um simples recolhimento de artefatos tão tediosos quanto cacos de cerâmica – na verdade, ferramentas essenciais para entender a sucessão de culturas ao longo do tempo.

Exemplos clássicos dessa aparente contradição são os chamados coprólitos: em grego, algo como “cocôs de pedra”. Compostos basicamente de fezes e urina, eles estão entre as “preciosidades” mais desejadas pelos arqueólogos. Dá para imaginar algo mais sem glamour que uma expedição arqueológica em busca de “cocôs de pedra”? Acontece que eles guardam todo tipo de pistas sobre animais e seres humanos do passado. E podem ajudar a esclarecer mistérios que jamais seriam solucionados por outros meios. Foi o caso do eterno debate: havia canibais entre as antigas populações indígenas da América? Alguns antropólogos sempre defenderam que as suspeitas de canibalismo tinham sido plantadas pelos colonizadores europeus, loucos para justificar o genocídio dos nativos americanos. Eles só não contavam com a astúcia do americano Richard Marlar, professor da Universidade do Colorado, nos EUA.

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PICADINHO DE GENTE

Colegas de Marlar identificaram em 1994, num sítio arqueológico do Colorado batizado Cowboy Wash, restos humanos do século 12 que pareciam ter sido fatiados e cozidos, como um picadinho de carne. Por sorte, também havia coprólitos em abundância no local. O professor levou o material ao laboratório e, 6 anos depois, anunciou que os “cocôs de pedra” continham a forma humana da mioglobina – uma proteína dos músculos. Era uma prova definitiva: o “autor” daqueles coprólitos certamente tinha comido gente cerca de 800 anos atrás. Quase 15 anos mais tarde, em abril de 2008, os compostos voltaram às manchetes, desta vez com uma datação de aproximadamente 14 mil anos obtida numa caverna do Oregon, também nos EUA. São as mais antigas evidências diretas de presença humana no continente americano. E apresentam DNA típico dos índios atuais.

Nas últimas décadas, a arqueologia vem prestando valiosos serviços aos ambientalistas. O conhecimento produzido no estudo do passado cada vez mais é usado para projetar nosso futuro. Uma das contribuições dos arqueólogos nesse sentido foi a resposta encontrada para o desaparecimento dos índios Anasazi, que viveram entre os séculos 8 e 12 no sudoeste dos EUA. Esse povo cresceu tanto e era tão chegado a grandes “projetos habitacionais” que acabou com toda a floresta que cobria a região, abrindo espaço para a agricultura e a construção de moradias. Resultado: os animais sumiram, os rios secaram e a área acabou virando um imenso deserto. Quando faltou comida, ocorreram casos de canibalismo – como o documentado em Cowboy Wash.

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De fato, parece haver uma associação sinistra entre ambientes severamente degradados e o colapso misterioso de grandes civilizações. No século 18, quando os europeus chegaram pela primeira vez à ilha de Páscoa, no meio do oceano Pacífico, ficaram surpresos ao ver estátuas de pedra pesando dezenas de toneladas, com a altura aproximada de um prédio de 5 andares, em meio a uma população de nativos maltrapilhos e famintos, com apenas 2 mil indivíduos. Detalhe: quase não existiam árvores na ilha.

A partir de meados do século 20, os arqueólogos levantaram pistas contundentes sobre o desastre que atingiu a ilha de Páscoa. Por volta do ano 1000, um grupo de polinésios chegou ao local e prosperou rapidamente. Primeiro, caçando adoidado, até que todas as aves terrestres nativas estivessem extintas. Depois, cultivando alimentos. O território acabou sendo dividido em clãs, que passaram a competir por status construindo estátuas – os famosos moais – cada vez maiores. Uma competição tão estúpida só poderia acabar mal. Para alimentar a tropa de operários que metia a mão na massa, o jeito foi produzir mais gêneros alimentícios, aumentando a pressão sobre o solo. Enquanto isso, os enormes blocos de pedra tinham de ser transportados em trilhos de madeira, o que levou a um desmatamento nunca visto. Foi assim até que a ilha se transformasse num ambiente quase estéril. Veio a fome, seguida pela guerra. E pronto: fim da linha para os habitantes de Páscoa, que chegaram a ser 30 mil.

Uma combinação parecida de crescimento populacional descontrolado e desmatamento, junto com uma série de secas, também pode estar por trás do colapso da civilização maia, no México e na América Central, por volta do ano 900. Numa sucessão relativamente rápida, lugares como Copán, Tikal e Palenque foram simplesmente abandonados. Há indícios de que os maias não souberam usar com o devido cuidado seus recursos naturais. Essa, no entanto, é só uma das teses. Cogita-se também a possibilidade de que uma epidemia tenha devastado o império inteiro, ou que a guerra entre cidades, aos poucos, tenha minado seus alicerces. Talvez a explicação para o sumiço dos maias seja a soma de todas essas teorias. Ninguém sabe. E esse é apenas um dos grandes mistérios que a arqueologia ainda não conseguiu resolver.

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DÚVIDAS CRUÉIS

De quem é o rosto da esfinge? Pode até ser que, nos próximos anos, os arqueólogos descubram quem serviu de modelo para esse que é um dos monumentos mais ilustres do Egito antigo. Mas o que eles realmente querem é desvendar os mistérios de grosso calibre. Que fim levou a gloriosa civilização do vale do Indo, no subcontinente indiano, cujo império durou de 2900 a 1900 a.C.? Por que certos povos, como incas e cartagineses, faziam sacrifícios humanos?

Como as demais áreas da ciência, o estudo do passado humano deve avançar atrelado a novas tecnologias, como a capacidade de analisar rapidamente grandes quantidades de DNA ou de usar lasers e radares para mapear estruturas antigas com precisão. Há apenas 10 anos, obter material genético de uma simples múmia parecia coisa de ficção científica. Hoje, os pesquisadores caminham para a decodificação completa do genoma dos neandertais – os primos mais próximos do homem moderno, que se extinguiram misteriosamente há 30 mil anos.

Ainda que muitas perguntas permaneçam sem resposta, a arqueologia solucionou enigmas complicadíssimos nos últimos 200 ou 300 anos. Descobriu civilizações que jamais imaginamos pudessem ter existido. E decifrou outras tantas – como a egípcia – em detalhes que surpreenderiam até os próprios faraós. Acima de tudo, ela cumpriu o importante papel de tirar a humanidade da mais absoluta ignorância sobre si mesma, aju-dando-nos a encontrar respostas até para questões de natureza existencial. De onde viemos? Quando fundamos a civilização? Encontramos algumas dessas respostas.

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