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Tranquilizante de cavalo vai virar antidepressivo

A droga que ficou famosa nas raves dos anos 90 quer voltar transformada em remédio para os pacientes que não respondem a Prozac e cia.

Por Ana Carolina Leonardi
Atualizado em 11 mar 2024, 11h58 - Publicado em 19 out 2016, 17h00

Um pózinho amarelo que fazia sua alma descolar do corpo. Essa era o slogan do Special K nos anos 90, uma droga chegava aos narizes dos festeiros das ruas refinada a partir de tranquilizantes usados em cavalos e gatos. Duas décadas depois, é essa a substância que promete mudar a vida de muita gente que sofre com depressão e revolucionar o tratamento da doença.

A ketamina é um anestésico relativamente barato que também pode ser usado em humanos em hospitais. Mas o negócio ficou famoso mesmo nas baladas. Ao contrário de drogas como o ecstasy, que são estimulantes, a ketamina é um depressor do sistema nervoso. O resultado é que a pessoa, por dentro, está vivendo uma fantasia incrível, cheia de alucinações – podendo até dançar pessoalmente com a Madonna – enquanto por fora, ela está parada, quase babando. Exagerar no Special K tinha um efeito tão assustador que ganhou o apelido de K Hole, o buraco de onde é difícil de sair e no qual fica difícil de reconhecer a realidade.

Só que da experiência das ruas começaram a aparecer histórias de gente que se curou da depressão com a ketamina. E a indústria farmacêutica começou a levar a história a sério e a pesquisar os efeitos da droga.

A busca por um remédio mais eficiente foi o que fez os laboratórios olharem mais de perto para a ketamina. O efeito da droga é imediato. Uma dose é sentida pelos pacientes em minutos e o resultado como antidepressivo pode durar por semanas.

A ketamina tem dois obstáculos importantes a ultrapassar para chegar nas farmácias. Em primeiro lugar, a parte recreativa precisa ir embora. Não tem condições de um alucinógeno ser aprovado como remédio de uso frequente por agências reguladoras (para a tristeza de algumas pessoas). Para isso, alguns laboratórios estão testando a esketamina, um isômero óptico da ketamina que tem os mesmo efeitos antidepressivos, mas sem visões e experiências metafísicas.

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Outro problema é econômico. A ketamina já foi patenteada anos atrás. O tempo passou, a patente caiu e qualquer um pode produzir a substância, diminuindo bastante o potencial de lucro da empresa farmacêutica que desenvolver um remédio com ela. Mas também tem formas de contornar isso, criando melhorias patenteáveis, como novas formas de administração da droga (que não seja intravenosa, como nos hospitais, nem cheirada em pó, como nas festas).

A verdadeira revolução que o Special K pode provocar, porém, não é a criação de um único remédio novo. O principal mecanismo de ação da droga é completamente diferente dos antidepressivos convencionais como Prozac. Os remédios atuais são inibidores seletivos de recaptação de serotonina. O uso deles se baseia na hipótese de que existe um desequilíbrio químico de serotonina no cérebro que causa a depressão. Aí a produção desse neurotransmissor bomba e as pessoas se sentem melhor. O problema é que o efeito no cérebro é imediato, mas o quadro de depressão em si demora umas duas semanas para aliviar. Isso quando dá certo – o tratamento só funciona para 58% dos pacientes.

Já principal mecanismo de ação da ketamina não tem nada a ver com as monoaminas, grupo de substâncias da qual a serotonina faz parte – o que põe em cheque a hipótese atual sobre o que a depressão de fato faz no cérebro. O estudo da explosão que o Special K causa no cérebro pode então revelar neurotransmissores que ninguém nunca tinha associado com a depressão. A notícia é boa para os 42% que nunca se acertaram com o Prozac: tem muito mais “pílulas da alegria” vindo por aí.

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