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Efeito estufa: Terra quente

Cientistas acumulam provas de que o clima do planeta está esquentando por causa do efeito estufa. E alertam para as mudanças que podem ocorrer, como a elevação do nível dos mares.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 mar 1989, 22h00

Há mais de um século o homem vem sujando o céu. Carros, fábricas e queimadas liberam para a atmosfera 5,5 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono, mais uma quantidade incalculável de outros poluentes, que elevam progressivamente a temperatura da Terra e podem gerar mudanças climáticas sem precedentes. Trata-se do efeito estufa, a propriedade que determinados gases têm de aprisionar o calor do Sol na atmosfera, impedindo que ele escape para o espaço depois de refletido pela Terra. Em condições normais, esses gases ajudam a manter a temperatura do planeta na média atual de 15 graus. Liberados em quantidades acima de limites ainda não determinados com precisão, podem provocar catástrofes.

“Já está na hora de enfrentarmos com seriedade esse problema”, alerta o climatologista americano James Hansen, chefe do Instituto de Estudos Espaciais Goddard da NASA. Há evidências muito fortes de que o efeito estufa já está acontecendo. Hansen fez essa declaração pela primeira vez em meados do ano passado diante de uma comissão do Senado americano, e desde então se tornou uma das vozes mais ouvidas sobre o assunto. Segundo seus estudos, a temperatura do mundo subiu 0,18 grau centígrado neste século, com o registro das maiores ondas de calor na década de 80. Se for mantida essa tendência, nos próximos cinqüenta anos o planeta terá um aquecimento de 4 a 5 graus centígrados, o que causaria o degelo das calotas polares, elevação do nível dos mares e inundação de cidades litorâneas.

Essa notícia por si só já mereceu na época a primeira página dos jornais. Mas, além disso, justamente no ano passado, ocorreram vários fenômenos climáticos – inundações em Bangladesh, seca e calor excessivos nos Estados Unidos, furacões na América Central – que pareciam ser uma prévia do apocalipse anunciado para daqui a cinqüenta anos. Aparentemente, tais fenômenos estão mais ligados ao esfriamento cíclico das águas do oceano Pacífico que provoca alterações climáticas em todo o planeta. “Não se pode dizer que o que ocorreu no ano passado foi resultado do efeito “estufa”, opina o engenheiro alemão naturalizado brasileiro Volker Kirshhoff, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE),”mas não há dúvida de que o processo de aquecimento global do planeta já está em andamento.”

Para Kirshhoff, que há sete anos estuda a variação da quantidade de gases poluentes sobre o Brasil, “são tantos os fatores que fazem rodar a engrenagem do clima no planeta que é impossível isolar um deles e apontar como o culpado de um determinado fenômeno”. É por isso que todos os cientistas concordam com o perigo do efeito estufa e anunciam sua proximidade. Mas ainda há muitos que recebem com reserva alertas tão insistentes como o de Hansen. Um recente relatório da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica(NOAA), dos Estados Unidos, por exemplo, afirma que a temperatura média daquele país manteve-se estável desde o começo do século. Em relação ao Brasil não existem levantamentos desse tipo.

Os gases que se acumulam na atmosfera como resultado da atividade industrial e do crescimento urbano – dióxido de carbono (CO2), principalmente, mas também metano(CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio(O3) e clorofluorcarbonos (CFCs) – são transparentes à luz visível como o vidro de uma estufa, permitindo que os raios do Sol aqueçam a superfície terrestre. Quando a Terra devolve o calor em excesso, não é mais sob a forma de luz, mas de radiação infravermelha. Como os gases poluentes absorvem a radiação, uma parte do calor que deveria ser eliminada fica na atmosfera. Esse aquecimento ainda não foi percebido porque, além de muito pequeno, se confunde com as variações de temperaturas regionais. Na Lua, por exemplo, onde não existe atmosfera, e portanto não há dióxido de carbono para reter o calor, durante o dia a temperatura é de 100 graus e à noite baixa para 150 graus negativos.

Durante os últimos 10 mil anos, o dióxido de carbono, gerado naturalmente pela respiração de plantas e animais, foi sempre um fator de equilíbrio na manutenção da temperatura da Terra. Cientistas chegaram a medir a quantidade desse gás existente em bolhas de ar aprisionadas há milênios em camadas de neve, embaixo do gelo na Antártida , para saber se ela aumentou e diminuiu de acordo com a expansão e recuo das geleiras durante as glaciações. Por outro lado, no planeta Vênus, onde predomina o dióxido de carbono, a temperatura chega a 500 graus. E em Marte, onde a densidade do dióxido de carbono é muito baixa, a temperatura vai a 140 graus negativos .

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Até o final do século passado, a quantidade de dióxido de carbono descarregado no céu nunca excedeu a proporção perfeitamente aceitável de 280 partes por milhão, Mas começaram então a surgir as chaminés das fábricas que usavam carvão como combustível, os oleodutos e os malcheirosos escapamentos de veículos. O crescimento das cidades e a ocupação desordenada e predatória das florestas tropicais iniciaram um processo de desmatamento cujo maior exemplo ocorreu, por coincidência, também no ano passado. Baseado em dados dos satélites meteorológicos, o INPE calculou que foram queimados 200 mil quilômetros quadrados de mata na Amazônia, uma área do tamanho do Paraná.

Depois se descobriu que o fogo não atingiu tamanha proporção, mas contribuiu realmente para uma descarga incalculável de poluentes no ar. As florestas liberam na atmosfera metano e óxido nitroso, absorvidos em parte por elas mesmas. Mas, embora funcionem como um filtro, recebendo de volta, através da fotossíntese, uma parte do dióxido de carbono que ajudaram a produzir, elas não têm o maior peso no fenômeno de limpeza da atmosfera. Esse papel cabe aos oceanos, que absorvem grandes quantidades desse gás. Atualmente, o CO2 da atmosfera aumentou para 350 partes por milhão e em 2050 calcula-se que chegue a insuportáveis 500 a 700 ppm.

Mas não é apenas esse gás que causa estragos na atmosfera. Os clorofluorcarbonos (CFCs), gases usados em sprays, aparelhos de refrigeração e embalagens plásticas, são duplamente prejudiciais. Quando atingem a baixa atmosfera, eles contribuem para o efeito estufa. Acima de 15 mil metros de altitude, destroem a camada de ozônio que protege a Terra dos raios ultravioleta do Sol. O próprio ozônio, que nas alturas beneficia tanto a Terra, quando aparece em baixas altitudes, liberado pela queima de combustíveis, contribui para o efeito estufa.

O metano, gerado pela decomposição de matéria orgânica em aterros, depósitos de lixo, arrozais inundados e pela queima de madeira, também tem a sua parcela de culpa. Além do metano, existe o óxido nitroso, que tem como fonte principal o nitrogênio, mas também é resultado da queima de carvão e petróleo. “Em breve, eles poderão provocar um aquecimento igual ou maior de temperatura do que o dióxido de carbono”, alerta Volker Kirshhoff. Medições realizadas pelo INPE, em Natal, no Rio Grande do Norte, revelam que, em certos meses do ano, a concentração de ozônio sobre o Nordeste chega a dobrar, provavelmente como resultado das queimadas no Brasil Central.

Segundo os cientistas, as conseqüências do efeito estufa não seriam iguais em todo o planeta. Nos trópicos, o aumento da temperatura ficaria em torno de 1 a 2 graus, enquanto nas regiões polares seria de 6 a 8 graus. As fotos tiradas pelo satélite meteorológico Nimbus mostram que o efeito estufa pode já estar acontecendo. Ao fazer uma comparação das imagens nos últimos quinze anos, a NASA descobriu que o perímetro do mar de gelo em volta dos pólos está diminuindo. O aquecimento dos mares polares modifica o sistema de correntes marítimas que influencia indiretamente o clima.

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O ar mais quente provoca maior evaporação da água do mar, mais nuvens e aumento geral das chuvas. Mas, como o regime de ventos também será alterado, as chuvas poderão ser mais intensas em áreas hoje desérticas, como o Norte da África e o Nordeste do Brasil. Por outro lado, acredita-se que lugares hoje férteis, como o Meio-Oeste americano, sofreriam com a falta de água. Se uma parte das calotas polares derretesse com o calor, o nível do mar subiria pelo menos 1 metro, inundando ilhas e áreas costeiras baixas. Holanda e Bangladesh sumiriam do mapa, bem como cidades como Miami, Rio de Janeiro ou parte de Nova York.

No final da época plistocena, há 14 mil anos, a Terra teve um aquecimento semelhante, mas isso ocorreu ao longo de 2 mil anos, o que deu tempo às espécies de se adaptarem. Agora, o efeito estufa pode produzir um aumento igual de temperatura em apenas cinqüenta anos. “Estamos alterando o meio ambiente muito mais depressa do que podemos prever as conseqüências”, lembra o climatologista americano Stephen Schneider, do Centro de Pesquisas Atmosféricas dos Estados Unidos .Para ele, alterações tão rápidas poderão acelerar a extinção de grande número de espécies de plantas e animais, além de provocar o aparecimento de novas pragas e o aumento dos insetos.

Um seminário promovido recentemente pelo Fundo Mundial da Vida Selvagem, em Washington, para discutir as conseqüências do efeito estufa sobre a vida vegetal e animal, concluiu que insetos daninhos como a mosca tsé-tsé, que leva à doença do sono, e só vive na região central da África, poderão invadir países como a África do Sul, que hoje têm clima temperado. Os pássaros migradores terão seu hábitat na tundra ártica destruído. Além disso, quando o calor aumenta, jacarés e lagartos, por exemplo, produzem mais crias do sexo masculino e as tartarugas só têm filhotes do sexo feminino, o que pode levar à extinção desses animais.

Com o clima mais quente, especulam os especialistas, as ervas daninhas e os insetos vão ter uma explosão populacional, aumentando o número de pragas. As florestas temperadas, do tipo que hoje existe nos Estados Unidos, sobreviverão apenas no Canadá, uma vez que, mais ao sul, a vegetação será igual à de um imenso país tropical. Uma parte do dióxido de carbono em excesso na atmosfera será absorvido pela vegetação, que crescerá mais rapidamente. Por causa disso, as plantas acabarão retirando mais nutrientes do solo, forçando a utilização de mais fertilizantes.

Enfim, se as previsões forem confirmadas, as perspectivas não são nada boas. Mas, como a contribuição do homem para o efeito estufa vem de tantas atividades básicas, na realidade é muito difícil parar o processo. A esperança é que seja possível torná-lo mais lento. Um primeiro passo para isso seria banir a produção industrial de clorofluorcarbonos. O Protocolo de Montreal, assinado em 1987, prevê a redução no uso desse gás pela metade até 1999.

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Esse tipo de acordo não serve para limitar o uso de outros gases poluentes, como o dióxido de carbono, que é resultado do processo global de produção industrial. Apenas como exemplo, não existem nem mesmo dados confiáveis sobre a quantidade de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso produzido pelas queimadas na Amazônia. Preocupados com esse assunto, representantes de vários países se reuniram recentemente em Toronto, no Canadá, para uma Conferência Mundial sobre Mudanças Atmosféricas. Ficou clara a necessidade de se adotarem medidas para aumentar a eficiência no uso de combustíveis fósseis, para a preservação de florestas e para o incentivo de fontes alternativas de energia. Mas ninguém tem a mais remota idéia de como será possível conseguir isso.

Mesmo porque uma ameaça remota e especulativa como o efeito estufa não é suficiente para entusiasmar a maioria dos países a limitar o seu progresso. Apesar disso, os cientistas mais preocupados insistem em que o efeito estufa não deve ser minimizado. Como registrou o climatologista americano Michael McElroy, da Universidade Harvard, durante os debates que antecederam a assinatura do Protocolo de Montreal, “se o mundo aceitar o desafio, será possível desacelerar o ritmo de mudanças climáticas, ganhando tempo para inventar estratégias que possam diminuir os seus custos para a sociedade e a economia. Como alternativa podemos fechar os olhos, cruzar os dedos e pagar a conta quando ela vencer”.

Para saber mais:

As armas do ar

(SUPER número 11, ano 2)

O mundo sem petróleo

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(SUPER número 6, ano 7)

O fim da natureza

(SUPER número 2, ano 4)

A bomba relógio da superpopulação

(SUPER número 5, ano 7)

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O clima está mudando?

(SUPER número 3, ano 8)


O combustível ideal

Poderá levar cinqüenta anos, cem anos ou mais, porém, aproxima-se a época em que os combustíveis fósseis – como o petróleo, o carvão e o gás natural – terão de ser definitivamente substituídos por outras formas de energia que não contribuam para o efeito estufa. Em busca de alternativas, o homem já tentou utilizar o potencial do Sol, dos ventos, do mar, das plantas e até do lixo urbano e rural, porém sem resultados. Essas possibilidades não podem ser desenvolvidas com a mesma facilidade em qualquer lugar do planeta. Por essa razão, os cientistas acreditam que a energia nuclear de fusão é o único combustível viável, porque não produz lixo radioativo – como as usinas nucleares de fissão atuais-, além de ter uma fonte inesgotável no hidrogênio extraído da água.

“Quando o processo de fusão nuclear for dominado, o homem poderá extrair de 1 metro cúbico de água uma quantidade de energia igual à contida em 2 mil barris de óleo cru”, afirmou o cientista Carlo Rubbia, Prêmio Nobel de Física de 1984, num encontro recente na Suíça sobre os efeitos climáticos da poluição ambiental. “Mil metros cúbicos de mar contém a energia correspondente a todas as reservas conhecidas de petróleo.”

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