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Encolhi o gordinho: ciência descobre ligação da obesidade com genética

O que a ciência está fazendo para tentar emagrecer a humanidade sem muito esforço.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 set 1995, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira, Chris Delboni,

Depois do casal Mickey Mouse e Minie, criado por Walt Disney, a dupla de camundongos mais famosa no planeta surgiu há quase três meses. O par gerado pela ciência deixou muito gorducho cheio de esperança. Não é para menos: o bicho esbelto já foi balofo como seu companheiro. Pesquisadores americanos descobriram a causa de suas banhas — falta de leptina no sangue — e corrigiram o problema. Se for obtido o mesmo sucesso com seres humanos, muitos gordos sairão ganhando. Ganhando leveza. Para eles, há também outras novidades da pesada, como uma droga que faz qualquer comida engordar menos.

Por Lúcia Helena de Oliveira, com Chris Delboni, de Washington

Cair de boca numa gigantesca taça de sorvete com calda escorrendo por todos os lados sem medo de engordar é uma doce ilusão que os cientistas procuram tornar realidade. A humanidade, afinal, está cada vez mais rechonchuda. Nos Estados Unidos, por exemplo, a incidência de obesidade aumentou de 25% para 33% nos últimos dez anos. “Um quarto dos habitantes das grandes cidades brasileiras sofre do problema também”, conta o endocrinologista Alfredo Halpern, professor da Universidade de São Paulo. Combater o excesso de peso é importante, pois ele tem estreita relação com doenças graves, como as do coração. Mas, por trás da investigação de métodos de emagrecimento, há igualmente a vontade de engordar o bolso.

Em tratamentos contra os quilos extras, só os americanos gastam cerca de 30 bilhões de dólares por ano. A indústria farmacêutica conseqüentemente investe nessa área e nunca suas pesquisas renderam tanto como nos últimos meses. Em julho passado, a equipe do biólogo americano Jeffrey Friedman, da Universidade Rockefeller, em Nova York, concluiu que alguns indivíduos vivem fora de forma porque são gulosos por natureza. Eles teriam um defeito no gene Ob (nome derivado de obesidade). “Por isso, não produzem a leptina, uma proteína que regula o apetite. Sem ela, estão sempre famintos”, explica Friedman, em entrevista à SUPER. “Ao injetar a substância em ratos obesos, eles perderam 30% do peso em quinze dias.”

Se tiver o mesmo papel em seres humanos, a leptina poderá ser um excelente remédio para aquele típico assaltante de geladeira. Mas será inútil para os esforçados gordinhos que moderam na dieta e mesmo assim não vêem a cintura afinar. Para eles, a solução poderá vir de outro gene recém-identificado, o gene do receptor beta-3.

O material genético escondido no núcleo das células adiposas — aquelas que estocam a gordura no corpo — é dos fatores que mais pesam no emagracimento. No ser humano, cerca de trinta genes são responsáveis pela tendência a engordar. O endereço de todos eles no cromossomo era desconhecido até agosto passado, quando foi comprovada a culpa do gene do beta-3. “É a primeira vez que se identifica um dos causadores genéticos da obesidade no homem”, disse à SUPER o pesquisador Alan Shuldiner, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, um dos responsáveis pela descoberta.

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Shuldiner investigava o beta-3 desde 1989, quando se constatou uma mutação desse gene nos índios da tribo Pima, habitantes do Arizona, nos Estados Unidos. “Metade dos Pima é obesa”, conta Shuldiner. A mesma mutação aparecia em cerca de 12% dos americanos brancos e 25% dos negros acima do peso. Exames médicos indicam uma característica comum entre Pima, brancos e negros gordos: seu corpo faz uma economia tremenda de energia no conjunto de tarefas vitais. “Mesmo moderando a quantidade de comida, eles engordam, porque gastam poucas calorias”, diz Shuldiner. “Assim, têm em média 14 quilos a mais do que indivíduos com a mesma altura e idade, mas que não trazem alteração genética.”

Segundo o pesquisador, no máximo em cinco anos deverão aparecer drogas que compensem o mau funcionamento desse gene. “O estudo, no entanto, pode ter uma aplicação imediata, viabilizando testes genéticos”, diz. “Desse modo, será possível saber se um recém-nascido terá uma enorme tendência à obesidade. E o problema, então, poderá ser controlado com dietas especiais desde os primeiros meses de idade.”

Shuldiner faz parte da corrente de pesquisadores que apostam na sobrevivência dos regimes e dos exercícios para manter a silhueta esguia. “Não existe nem existirá pílula mágica capaz de emagrecer dispensando mudanças de hábito”, afirma, para desapontamento de quem, na briga contra os ponteiros da balança, sonha com poções milagrosas. No entanto, pensar em dietas menos rigorosas, sem tantas restrições, não é querer demais. No Hospital das Clínicas em São Paulo, 120 voluntários obesos (com peso 20% acima do normal) experimentaram um remédio revolucionário, desenvolvido pelo laboratório suíço Hoffman-La Roche. Trata-se do Orlistat, droga que vem sendo testada em 4 000 pacientes da Europa, Estados Unidos e Brasil. “Quem tomou o medicamento absorveu 30% menos gordura nas refeições”, conta, animado, o professor Alfredo Halpern, que coordenou os testes brasileiros.

Para quem fizer um bom controle da alimentação, a nova droga poderá ser uma varinha mágica, capaz de tornar uma feijoada equivalente a um bom filé com salada. A Roche, no entanto, não revela a data de lançamento do produto. Ela também está patrocinando, junto com mais duas empresas, a pesquisa sobre a leptina, a substância que o cientista americano Jeffrey Friedman usou para emagrecer ratos.

Há 45 anos, roedores avantajados chamaram a atenção da comunidade científica. Na época, predominava a idéia de que as gordurinhas acumuladas no corpo eram sintomas de carências psicológicas — um tremendo engano, até hoje não de todo apagado. Eis o que se descobre: mesmo sem ter complexo de Édipo nem amargar dor-de-cotovelo, camundongos podiam ser obesos. Chamados de camundongos Ob, eles tornaram-se a prova viva de que há algo de biológico na obesidade.

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Em meados dos anos 60, Douglas Coleman, pesquisador do laboratório Jackson, nos Estados Unidos, fez uma experiência criativa. Numa cirurgia, ele ligou certos vasos sangüíneos de um roedor obeso com os de um outro normal, deixando-os feito siameses. Logo o rato balofo começou a perder peso. “Desconfiou-se que havia alguma partícula no sangue do magro responsável por sua elegância”, conta Friedman.

Em 1987, ele se interessou pelo trabalho de Coleman e passou a caçar o gene defeituoso dos ratos gordos. “O material genético desse bicho contém 3 bilhões de unidades e só uma delas deveria apresentar o defeito”, explica. Friedman achou o gene Ob no ano passado e, há três meses, conseguiu isolar a leptina, a proteína do emagrecimento que esse gene comanda. Resta saber se há um gene Ob no homem, onde ele fica e, principalmente, se a leptina pode virar remédio.

Nos últimos cinco anos, a Medicina definiu a obesidade como sendo uma doença crônica. “Foi um avanço importante”, comemora o professor Halpern, da USP. “Antes, o paciente fazia tratamento e, em seguida, engordava. O sobe-e-desce do peso era frustrante e extremamente prejudicial à saúde.” Agora, um obeso é encarado como um diabético, que precisa controlar o seu problema para o resto da vida. Isso não significa apenas fechar a boca diante de um festival de guloseimas. Significa ter que engolir remédios. E há um tremendo arsenal deles.

No passado, remédio para emagrecer ou manter o peso era o famoso moderador de apetite. Atualmente, sabe-se que ele nem sempre funciona. A fome pode driblar esse tipo de droga. É o que acontece quando há insuficiência de serotonina, uma das principais mensageiras das células cerebrais, os neurônios. Ninguém percebe essa dificuldade de comunicação porque o cérebro, esperto, dispara a sensação de fome antes de qualquer confusão. O objetivo é, por meio da comida, extrair a matéria-prima para o corpo fabricar mais moléculas de sua preciosa serotonina. Já surgiram exames capazes de dosar essa substância no organismo — e, uma vez diagnosticada a falta, o ex-gordo tem de tomar serotonina diariamente para se manter na linha.

Em agosto passado, a Hospital Littlemore, em Oxford, na Inglaterra, anunciou outra descoberta importante a respeito da mesma substância. Os pesquisadores submeteram 120 mulheres a uma dieta de 600 calorias por dia durante uma semana; outras duzentas gorduchas puderam saborear 1 200 calorias por dia. Passados os sete dias, claro, o primeiro grupo havia emagrecido muito mais — em compensação, suas participantes foram vitimadas por uma fome incontrolável. Os pesquisadores concluíram que o cérebro não suporta uma medida tão rigorosa e parte para o contra-ataque — mais uma vez, em nome da serotonina.

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Estudos como esse também servem para reafirmar o que, no fundo, todo mundo sabe, mas, no desespero de entrar em um manequim pequeno, prefere esquecer: “Regimes extremamente rígidos — ou porque limitam a variedade de alimentos ou porque derrubam drasticamente a quantidade de calorias — estão fadados ao fracasso”, alerta o endocrinologista Antonio Roberto Chacra, professor da Universidade Federal de São Paulo. “Outro problema grave é o uso de medicamentos por quem só está um pouco acima do peso.” De fato, sete em cada dez pessoas que fazem regime para emagrecer são, do ponto de vista da Medicina, magras.

Para saber mais:

A batalha da balança

(SUPER número 5, ano 3)

Mania de magreza

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(SUPER número 12, ano 6)

O mensageiro da fome no sangue

O que se sabe sobre a ação da leptina, a proteína que emagreceu ratos.

1 – Supõe-se que exista dentro das células de gordura de certos obesos um gene defeituoso, como o gene Ob dos ratos.

2 – Em indivíduos magros, esse gene é perfeito e comanda a liberação da leptina, uma proteína secretada sempre que se engorda. Ao alcançar o cérebro, mais especificamente a região do hipotálamo, ela diminui a sensação de fome. Com isso, a tendência é perder os quilos recém-adquiridos.

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3 – Nos gordos, porém, a ausência da substância, causada pelo defeito genético, não só aumenta o apetite como induz o corpo a gastar menos calorias, porque o cérebro se engana e interpreta a falta de leptina como

sinal de magreza.

4 – Os cientistas pretendem injetar genes perfeitos em bactérias, para que os microorganismos passem a ser verdadeiras usinas de leptina.

5 – A substância extraída desses micróbios poderia ser injetada em seres humanos como um remédio que, no cérebro, despertaria a sensação de desdém pela comida.

Quem é gordo, quem é magro

Há oito anos, pesquisadores do Instituto de Psiquiatria de Londres, na Inglaterra, vêm analisando a atitude de homens, mulheres e crianças em relação ao seu peso. “No início queríamos apenas entender melhor o comportamento dos obesos por meio de entrevistas”, conta Elisabeth Bishop, participante da equipe de investigadores ingleses. “Mas, para nosso espanto, ao solicitar voluntários para o estudo, recebemos um número enorme de candidatos que não eram nem sequer gordinhos, mas tinham mania de magreza.” Obesos, gorduchos e magros são adjetivos que, muitas vezes, mudam de significado conforme o estado de espírito de quem está diante do espelho. Do ponto de vista médico, porém, o conceito é exato como um cálculo matemático. Quer ver? Divida o seu peso pelo quadrado da sua altura. Por exemplo, alguém com 70 quilos e 1,75 de altura deve dividir 70 por 3,065 (1,75 x 1,75). O resultado, no caso, é 22,8 quilos por metro quadrado de corpo. Ou seja, esse indivíduo é magro como todos que obtêm pontuação até 25. Entre 25 e 30 é gordo. Acima de 30, obeso. “É preciso prestar atenção nas crianças”, alerta a nutricionista paulista Regina Fisbergh. Segundo ela, hoje no Brasil três em cada dez garotinhos entre zero e dez anos de idade são obesos.

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