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Erros, fraudes e intrigas dos cientistas

Ao longo da História, acusações de comportamento antiético levaram cientistas ao banco dos réus. Mas nunca como hoje erros e denúncias de má conduta científica foram tão freqüentes.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 jan 1994, 22h00

Deixa-se apodrecer o esperma de um homem durante quatro dias ou até que, enfim, comece a viver e mover-se. Nesse momento, ele já parece uma criatura humana, mas ainda é translúcido e carente de corpo. Após isso, passa-se a alimentá-lo diariamente, cautelosa e prudentemente, com o arcano do sangue humano, mantendo-o durante 40 semanas com o calor contínuo e igual de um ventre eqüino. Passado esse tempo, ele se transformará em um bebê vivo, como o nascido de uma mulher, só que muito menor. Trata-se do chamado homúnculo, que deve ser criado com todo cuidado e zelo, até que se desenvolva e comece a adquirir inteligência.” A fórmula, por mais absurda que seja, é de Paracelso, um dos grandes sábios da história da humanidade.

Erro ou fraude? Provavelmente, nem uma coisa nem outra. Paracelso (1493-1541), médico e alquimista, acreditava não apenas na possibilidade de criar vida a partir de esperma putrefato, mas em transformar chumbo em ouro e outras idéias que hoje nos parecem ridículas, mas que eram tidas como verdades e constituíam o grande campo de investigação dos sábios de sua época. Além disso, não havia até 1541, ano em que morreu, um método científico consolidado, capaz de se contrapor às suas convicções de que: “A imaginação tem precedência sobre tudo. Por meio dela podemos chegar a resultados verdadeiros”.

Foi somente em 1637 que René Descartes (1596-1650) em seu Discurso sobre o método iria definir a receita que os cientistas seguem até hoje em seu trabalho. Em linhas gerais, o método pode ser resumido em cinco passos: 1.º) detectar o problema ou, o que significa o mesmo, ter uma idéia; 2.º) reunir todos os dados essenciais sobre ele, eliminando o que não é substancial; 3.º) formular uma hipótese; 4.º) predizer, a partir dessa hipótese, o resultado de ensaios ainda não realizados; 5.º) se as experiências terminam como previsto, a hipótese passa a integrar uma teoria.

Esta metodologia impôs à ciência uma visão de mundo fundamentalmente impessoal e mecanicista. Nada é aceito como verdade até que tenha sido experimentalmente comprovado, sem trapaças ou “jeitinhos”. O método, por si só, não é suficiente, porém, para evitar erros, acidentes, conclusões precipitadas , fraudes e má conduta profissional, de forma geral. Afinal, até as acusações contra os pesquisadores norte-americanos Robert Gallo e seu assistente Mikulas Popovic, no que parecia o mais evidente caso de má conduta profissional dos últimos tempos, acabam de cair por terra.

Apesar da confissão de Robert Gallo, em novembro de 1993, o ORI — Escritório pela Integridade nas Pesquisas, órgão do governo dos Estados Unidos, teve de desistir das acusações de má conduta científica contra ele. Meses antes, no início de 93, Gallo havia admitido não ter sido ele o descobridor do vírus da Aids, mas o francês Jean Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, em Paris. As acusações contra Gallo e Popovic levantaram a suspeita de um enorme iceberg, do qual só uma pequena parte é visível, de fraudes e má conduta na comunidade científica norte-americana.

Uma suspeita robustecida pela pesquisa da socióloga Judith Swazey, publicada pela American Scientist, com professores e alunos de 99 instituições acadêmicas. Dos 4 000 consultados, 1 400 recusaram-se a responder. E dos 2 600 restantes, 6% tinham conhecimento direto de uso de dados falsos em pesquisas e 9% sabiam de casos de plágio entre colegas. Pior, 44% dos estudantes e 50% dos professores se referiram a episódios de má conduta, como falsos créditos de autoria, fechar os olhos ao uso de informações falsas, desvios de verba, assédio sexual, discriminação racial, mau uso de fundos de pesquisas e negligência no cuidado com animais, pacientes humanos e regulamentos de segurança à vida.

Em um depoimento ao Congresso dos Estados Unidos, Jerome Jacobstein, da Universidade Cornell, afirmou que 25% dos comunicados científicos poderiam estar baseados em dados intencionalmente subtraídos ou manipulados. Como um reflexo dessa situação, a Academia Nacional de Ciências recebe uma média anual de 1 500 denúncias contra seus sócios por “má conduta”. Um comportamento definido da seguinte forma pela comunidade científica norte-americana:

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“Considera-se má conduta a fabricação, falsificação ou plágio na proposta, execução e comunicação das experiências. Excluem-se os erros de julgamento, registro, seleção ou análise dos dados; as divergências de opinião que afetem a interpretação dos resultados e as negligências não relacionadas com o processo de pesquisa”. Mas, como determinar onde fica a fronteira entre o erro e a fraude, entre o acidente e a má conduta profissional?

Os casos de comprovada má-fé, como o do médico australiano William McBridge, são raríssimos. Foi McBridge quem, em 1961, descobriu os efeitos nocivos da talidomida sobre os fetos. Voltou à carga quase vinte anos depois, acusando o Debendox, medicamento comercializado pela Merrel Dow, de provocar os mesmos males. Dessa vez, porém, foi pilhado em flagrante falsificando os testes com o remédio. McBridge já perdeu parte de seu patrimônio, sua reputação e está ameaçado de ter cassada sua licença para exercer a medicina, em um julgamento que se arrasta há dez anos.

A demora tem sua razão de ser, pelas conseqüencias de uma condenação desse tipo. Principalmente, porque o meio científico não está imune às falsas denúncias provocadas por rivalidades, antipatias pessoais, interesses feridos, raiva, inveja e ciúme.Como qualquer personalidade pública, sejam artistas, políticos ou esportistas, os cientistas não estão livres de calúnias e intrigas. E quanto mais famosos, mais freqüentemente são vítimas desses ataques.

Gregor Mendel (1822-1884) viveu e morreu como monge em um mosteiro austríaco, em cujo pequeno jardim fez as experiências com ervilhas, a partir das quais deduziu a existência dos genes. No entanto, foi colocado sob suspeita de manipular os números de sua pesquisa para apoiar sua tese, aliás confirmada depois em todos os testes. “Mas os resultados são bons demais para serem verdadeiros”, acusaram seus críticos. Johannes Kepler (157l-1630) foi acusado de adulterar cálculos, para que se ajustassem a sua teoria de que os planetas se movem em órbitas elípticas e não circulares — e apesar disso os planetas do sistema solar continuam descrevendo órbitas elípticas.

O mais freqüente alvo dessas maledicências foi, sem dúvida, Isaac Newton (1643-1724) . Presidente da Real Academia de Ciências inglesa, Newton envolveu-se em várias polêmicas com cientistas. A mais famosa delas com Robert Hooke (1635-1703), que o acusou de plagiar seu trabalho sobre a relação matemática entre a força da gravidade e a distância (se a distância dobra, a força diminui quatro vezes. De fato, Hooke havia escrito a Newton sobre essa idéia em 1679. Mas tratava-se de uma hipótese, baseada só na intuição, e na qual Newton trabalhava havia dez anos, baseado nos estudos de Kepler. Hooke, porém, morreu acusando Newton de plágio.

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Acusações infundadas, feitas de boa ou má-fé, são comuns ainda hoje. David Baltimore, presidente da Universidade Rockefeller e Prêmio Nobel de Medicina em 1975 pela descoberta de uma propriedade fundamental dos vírus causadores de câncer, foi vítima, há quatro anos, de uma acusação de má conduta científica. Baltimore e a imunóloga brasileira Thereza ImanishiKari foram apontados por um membro de sua equipe, Margot O’Toole, como tendo alterado os resultados de uma experiência genética para um artigo publicado na revista Cell. O resultado da investigação inocentou totalmente Baltimore e Thereza.

Ao contrário das acusações contra Baltimore e Thereza, parecia não haver muitas dúvidas sobre a culpa de Robert Gallo e Mikulas Popovic. Em setembro de 1983, Jean-Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, enviou a Gallo, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, amostra de um retrovírus recém-isolado e que Montagnier havia batizado de LAV. Meses depois, Gallo anunciou em entrevista coletiva ter isolado o vírus causador da Aids, que chamou de HTLV-III. Rapidamente, os franceses protestaram, demonstrando que o material hereditário do LAV e do HTLV-III tinham 98,5% de semelhança.

O jornal americano Chicago Tribune publicou uma reportagem mostrando que o vírus alegadamente descoberto por Gallo era o mesmo de Montagnier, o que “ou era um acidente ou um furto”. A reportagem levou o Escritório pela Integridade nas Pesquisas a acusar Gallo e seu assistente Popovic por má conduta científica, com base em um artigo escrito pelos dois sobre a descoberta para a revista Science. Gallo e Popovic foram considerados culpados por seus colegas cientistas, mas recorreram a uma junta de advogados, criada pelo ORI em 1992, para apelação de suas próprias decisões.

Popovic, o primeiro a ser julgado, defendeu-se dizendo que a respeitada revista americana Science tinha revisado seu texto mas se equivocara na redação. A junta aceitou seus argumentos, exigindo que o ORI provasse que Popovic tinha a intenção de fraudar e não cometido um “erro honesto ou uma honesta diferença de interpretação”. Diante do resultado do julgamento de Popovic, o ORI resolveu retirar as denúncias também contra Gallo.

Se no tempo de Newton e Hooke o principal motivo para essas brigas era a glória da descoberta, hoje a essa glória acrescentam-se os interesses financeiros. Gallo e Montagnier chegaram a fazer um acordo, em 1987, para dividir os lucros vindos da descoberta. Claro, antes já havia a disputa pelo dinheiro dos mecenas, aristocratas ricos que patrocinavam as pesquisas. Mas acima do dinheiro impunha-se a “ciência pela ciência”.

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Esse conceito foi se desfazendo ao longo dos anos, e com velocidade cada vez maior a partir do casamento da ciência com a política, durante a Segunda Guerra Mundial — mais concretamente, com o Projeto Manhattan, o programa oficial norte-americano que levou à construção da primeira bomba atômica.“Com os custos das pesquisas atingindo níveis astronômicos, o Estado assumiu um papel cada vez maior em seu financiamento”, explica Shozo Motoyama, professor de História da Ciência na Universidade de São Paulo.

Logo o casamento da ciência com a política transformou-se em um ménage à trois, ao unir-se a eles o interesse econômico. Por sua vez, ao financiarem uma pesquisa, os empresários passam a ter o poder de inclusive nomear a equipe do laboratório, o que leva a dois movimentos, aparentemente antagônicos. De um lado, a necessidade de absoluto sigilo, exigido pelos financiadores, mas prejudicial à pesquisa: é do debate aberto das idéias que surgem os avanços. Do outro, a extrema competitividade da sociedade atual leva o cientista a se sentir pressionado por seus patrocinadores, dos quais dependem seus projetos, seu cargo, seu prestígio e até seu salário.

Com isso, surgiu uma autêntica febre de publicar, que nos meios científicos é conhecida como papermania. No início do século, o número de publicações científicas em todo o mundo não passava de 7 000. Hoje, calcula-se que existam mais de 40 000 revistas e jornais especializados, publicando anualmente a média de 1 milhão de artigos. No início do século, Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) o neurologista espanhol que ganhou o Nobel de Medicina em 1906 por estabelecer o neurônio como a célula básica do sistema nervoso, investiu quase toda sua fortuna na criação de uma revista científica, na qual ele era muitas vezes autor de todos os artigos.

Revistas como Science, e as inglesas Nature e The Lancet recebem mensalmente muito mais material do que podem aproveitar. A publicação do artigo de um cientista em uma dessas revistas é quase uma garantia de patrocínio para suas pesquisas. “Quem publica um artigo em Nature não demora a receber ofertas de trabalho e colaboração”, confirma John Maddox, diretor da revista.

Para selecionar o material recebido, as revistas científicas contratam consultores técnicos, que lêem o material dando um parecer técnico sobre sua importância e originalidade. O que gera outro tipo de problema. Não é segredo nos meios científicos que determinados consultores atrasam seu parecer — para publicar com antecedência suas próprias pesquisas ou a de seus amigos. O mais famoso caso desse tipo na história da ciência envolveu o matemático suíço Johann Bernoulli (1667-1748), acusado pelo próprio filho, Daniel (1700-1782). Em 1738, o livro Hidrodinâmica, de Daniel, estava sendo impresso quando ele foi surpreendido pelo lançamento de outra obra, de igual título e conteúdo, assinada por seu pai.

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Mas a pressa em publicar resultados também pode ser fatal para a reputação do cientista. Foi o caso, afirmam seus colegas, da experiência de fusão a frio anunciada em 1989 por Martin Fleischmann e Stanley Pons. Os físicos que a repetiram não têm dúvidas que eles viram alguma coisa ocorrer, mas não o que anunciaram. Assim cometeram um erro de boa-fé. De qualquer forma, a presunção de inocência é fundamental em uma atividade eminentemente democrática — a única em que uma verdade só é aceita como tal quando passível de comprovação por qualquer pesquisador —, embora possa dificultar a punição de possíveis fraudes.

Nem mesmo o autor da fraude melhor comprovada da história da ciência — a do Homem de Piltdown, um crânio humano com mandíbula de macaco, desenterrado por Charles Dawson, em 1912 — foi desmascarado. Somente na década de 50, com a introdução dos testes com carbono-l4 para datação da idade de fósseis comprovou-se que o crânio pertencia a um Homo sapiens de 10 000 anos; e a mandíbula, envelhecida quimicamente, era bem mais recente. Apesar das suspeitas sobre Dawson e seu colega George Edward Smith, nunca se conseguiu provar quem foi o autor da fraude.

Contemporâneo de Dawson e Smith, o biólogo Paul Kammerer (1880-1926) pagou com a vida por uma fraude que nunca se provou ter sido praticada por ele. Adepto da teoria de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) de que as características adquiridas acidentalmente se transmitem aos descendentes, Kammerer apresentou em 1923 o resultado de uma pesquisa para prová-la. Segundo Kammerer, em suas experiências, obrigados a se acasalarem na água, sapos-parteiros de terra firme, que não têm o polegar colorido típico da espécie que vive na água, haviam transferido a seus descendentes esse traço característico.

Em 1926, entretanto, descobriu-se que os polegares coloridos dos sapos de Kammerer haviam sido pintados. Kammerer protestou inocência e foi aberto um inquérito no Instituto de Pesquisas de Viena, onde trabalhava, para apurar o responsável pela fraude. Kammerer não esperou pelos resultados. Sentindo-se desacreditado, matou-se com um tiro na cabeça. O inquérito não encontrou evidências de que tivesse sido ele o autor da fraude.

Na busca de provas de fraudes científicas, às vezes o caçador se transforma em caça. Nos últimos dois anos, por exemplo, só dois cientistas norte-americanos foram punidos com perda de verbas e afastamento de seus cargos em casos ligados a má conduta: Walter Stewart e Ned Feder, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde, a mesma instituição de Gallo e Popovic. Ironicamente, os dois trabalhavam em um programa de investigação de fraudes e má conduta científica e foram afastados, em abril de 1993, acusados de usar seus computadores para apurar uma acusação de plágio contra o historiador Stephen Oates, da Universidade de Massachusetts, o que estaria fora de sua área de competência. “Muita gente na comunidade de pesquisa básica acha que eles já foram tarde”, afirmou Science, a revista da Associação Americana para o Progresso da Ciência.

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Para saber mais:

Einstein, o homem que mudou o mundo

(SUPER número 2, ano 1)

Newton, gênio difícil

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Tudo mentira

(SUPER número 4, ano 2)

Descartes, a razão acima de tudo

(SUPER número 2, ano 3)

O herói às claras

(SUPER número 9, ano 9)

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Nem os maiores cientistas estão livres da possibilidade de erro. Falsas teorias, falhas no equipamento de pesquisa,preconceitos e religião provocam a maioria dos equivocos

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Um pára-quedas furado

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O erro útil de Einstein

Quando aplicou ao Universo sua recém-formulada teoria geral da relatividade, em colaboração com o astrônomo Willem de Sitter, Albert Einstein percebeu que o Cosmo estava em movimento e expandindo-se. Essa constatação fez com que pensasse que sua teoria não funcionava, já que na época acreditava-se que o Universo era estático. Para compensar essa expansão, Einstein introduziu na teoria geral da relatividade um termo extra, que chamou de “constante cosmológica” — uma espécie de energia do vácuo, que impediria a dilatação cósmica.

Em 1929, entretanto, Edwin Hubble comprovou que o Universo não é estático, mas está de fato em expansão e, portanto, a “constante cosmológica” estava sobrando. “É o mais grave erro de minha vida profissional”, lamentou-se Einstein. Mas, como disse o escritor irlandês James Joyce, um homem de gênio não comete erros: seus enganos são voluntários e constituem a porta da descoberta. A “constante cosmológica” de Einstein acabou sendo retomada por Alan Guth, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, exatamente para explicar o modelo de Universo em expansão. Ela hoje é uma das bases da teoria do Universo pulsante, para explicar como este entrará em retração.

Pasteur, críticas 100 anos depois

Em 1878, Louis Pasteur pediu à sua família que nunca tornasse públicas suas anotações de laboratório. Durante quase 100 anos seu desejo foi cumprido, até que em 1964 os documentos foram doados à Biblioteca Nacional de Paris por um de seus netos. Antes não o tivesse feito. Estudando as notas de laboratório de Pasteur, o historiador Gerald Geison, da Universidade de Princeton, diz ter encontrado evidências de que o comportamento de Pasteur não pode ser chamado de exemplar quanto à ética científica.

Segundo Geison, em 1881 Pasteur publicou os resultados da pesquisa de uma vacina contra o antraz, uma espécie de tumor inflamatório, em um rebanho de ovelhas. O teste foi um sucesso completo: só os animais vacinados sobreviveram. A única coisa que Pasteur não teria informado é que as vacinas não haviam sido criadas mediante seu método de inativação por oxigênio, mas mediante uma fórmula idealizada por outro pesquisador, que faleceu logo depois. Além disso, conforme Geison, Pasteur teria experimentado em seres humanos vacinas — e não apenas contra a raiva, o que seria compreensível devido ao desespero diante de uma doença fatal — que jamais haviam sido testadas em animais.

Correndo atrás da bola

Uma molécula com formato de bola de futebol, o buckminsterfulereno, transformou-se em motivo de disputa entre o químico Konstantinos Fostiroupoulos, atualmente trabalhando no Instituto Max Planck, na Alemanha, e dois de seus antigos colegas. Quatro anos atrás, recém-formado, Fostiroupoulos fez parte de uma equipe germano-americana que conseguiu pela primeira vez produzir buckminsterfulereno em grandes quantidades. Hoje a molécula começa a ser utilizada nas indústrias de supercondutores e lubrificantes. O problema é que, dos quatro pesquisadores que compunham a equipe, só os dois mais antigos tiveram o nome lembrado no registro de patentes como inventores e proprietários da técnica para a obtenção — uma prática comum em projetos de pesquisa da qual participam doutorandos. Fostiroupoulos tornou pública sua denúncia e espera ser convidado para a divisão do bolo.

A censura das revistas

As revistas científicas sonegam do público informações que podem afetar a vida das pessoas, em nome dos chamados “interesses nacionais” ou das grandes companhias? Existe censura nessas revistas? As duas questões estão colocadas desde que se descobriu que pelo menos dois informes científicos, cuja divulgação poderia gerar problemas à indústria ou ao governo, tiveram sua publicação dificultada pelas revistas especializadas.

No primeiro caso, um estudo assinado por Thomas Chalmers, da Escola Pública de Saúde de Harvard, relaciona o uso de água clorada com o câncer da bexiga e do reto. O artigo foi rejeitado por três importantes revistas médicas, que publicaram, porém, outro trabalho sobre os benefícios do programa público de tratamento da água com cloro.

A mesma dificuldade para publicação encontrou o comunicado de Samuel Ben-Sasson, da Universidade Hebrew, em Jerusalém, que estabelece uma conexão entre a luz fluorescente com a leucemia infantil. Os editores de algumas das principais revistas científicas se recusaram a publicá-lo, alegando que poderia gerar pânico entre as mães.

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