Ivonete D. Lucírio
A ciência conquista a sexualidade. Depois do Viagra, a pílula que revolucionou o tratamento da impotência masculina, a pesquisa farmacêutica promete drogas ainda mais eficientes para garantir o prazer sexual. De homens e mulheres.
Em apenas dois meses, o Viagra se tornou a droga de venda mais rápida de todos os tempos. Depois de seu lançamento, em abril, 3 milhões de receitas médicas foram expedidas no mundo, só entre maio e junho. O número, espantoso, revela quantos homens precisam dele. Um em cada dez norte-americanos sofre de impotência sexual. Entre brasileiros, as estimativas não são melhores: 15 milhões de adultos em idade de reprodução padecem do mesmo mal. Para as mulheres, não existem dados precisos, nem lá, nem aqui. Mas o ginecologista Euzimar Coutinho, do Centro de Pesquisa em Reprodução Humana, em Salvador, na Bahia, calcula que 30% são incapazes de sentir prazer com o parceiro. É muita gente.
O Viagra é o primeiro remédio eficaz contra a impotência masculina ingerido por via oral: 69% dos pacientes chegam à ereção com sucesso. Mas essa nova era do prazer sexual reconquistado está só começando. Vem aí o Vasomax, que usa uma substância chamada fentolamina, tão eficiente quanto o Viagra e que não provoca seus efeitos colaterais, como dor de cabeça e problemas de visão. Deve chegar ao Brasil no início do próximo ano.
O mistério feminino
Essa nova geração de medicamentos também poderá reabilitar o orgasmo feminino – e para isso o Viagra e o Vasomax estão sendo minuciosamente testados nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nos últimos anos, a Ciência “dissecou” a anatomia e a fisiologia sexual do homem mas quase ignorou o prazer da mulher. Os médicos alegam que sem a ereção masculina não há penetração sexual, daí a atenção sobre esse mecanismo. “Já os órgãos genitais femininos estão sempre prontos para a relação”, diz Euzimar Coutinho. Além disso, são mais difíceis de se conhecer, parcialmente embutidos no corpo.
Só que os tempos mudaram. A mulher não admite mais confinar sua sexualidade à procriação. Por isso, o estudo do prazer feminino está atraindo mais cientistas. “Até o ano 2000 haverá um equilíbrio entre as pesquisas sobre disfunção sexual feminina e masculina”, diz o urologista Irwin Goldstein, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. A igualdade dos direitos sexuais é irreversível.
O problema é quando o sangue não chega lá
Não basta ter ereção para se alcançar o prazer. Afinal, um homem tem normalmente de três a cinco ereções por noite, enquanto dorme, e nem se dá conta disso. Essas reações orgânicas involuntárias, que servem para oxigenar o pênis, não causam sensação nenhuma. Mas é praticamente impossível, para um macho, chegar ao orgasmo com uma disfunção erétil.
É o aumento da irrigação sanguínea que provoca a ereção. Normalmente, o pênis comporta 20 mililitros de sangue. Com a ereção, essa quantidade aumenta cinco ou seis vezes. E mais da metade dos problemas está ligada a males circulatórios. “Eles afetam portadores de moléstias vasculares ou de diabete, uma doença que causa enfraquecimento das artérias”, explica o urologista Joaquim de Almeida Claro, diretor do Grupo de Disfunção Sexual da Universidade Federal de São Paulo. São as artérias que levam o sangue bombeado pelo coração até o pênis. Lá, elas se ramificam em milhares de pequenos vasos, que irrigam o órgão.
Acontece que o pênis só se enche de sangue se o organismo produzir uma substância chamada óxido nítrico. Ela dispara uma cascata de reações químicas que relaxam os vasos sanguíneos e as células do músculo chamado corpo cavernoso. Relaxados, os vasos e os músculos ficam abertos para a enxurrada de sangue. A impotência ocorre quando não há esse relaxamento. É justamente isso que os novos medicamentos tentam corrigir (veja o infográfico ao lado).
A chave do prazer da mulher
Do lado feminino, a irrigação sanguínea também é fundamental. Não para ereção, é claro, mas para aumentar a sensibilidade da vagina. Embora a fisiologia do orgasmo da mulher seja bem menos conhecida do que a do homem, suspeita-se que, pressionados pelos vasos entumescidos, os terminais nervosos do clitóris provoquem uma sensação de prazer mais intenso (veja o quadro na página ao lado). Sem esse afluxo de sangue para a vagina, a mulher tem dificuldade em atingir o orgasmo. É a chamada anorgasmia.
A Pfizer, fabricante do Viagra, está testando o medicamento em 500 mulheres. Os primeiros resultados deverão ser colhidos no final de 1998. Mas, mesmo que ele se mostre eficaz, a versão cor-de-rosa da pílula azul só estará disponível, com a devida orientação médica, dentro de pelo menos dois anos. A esperança é que ela reduza a dificuldade feminina de chegar ao orgasmo.
Os distúrbios que estão na cabeça
A chave para reabilitar o desejo sexual feminino – quem diria – é um hormônio masculino, a testosterona. Essa substância, tradicionalmente receitada durante a menopausa para combater a perda da libido, começa agora a ser indicada também para pacientes em idade de reprodução com reduzido interesse sexual.
A testosterona não age na vagina, mas no cérebro. Como isso acontece, realmente, os pesquisadores ainda não sabem. Por isso, nem todos apostam na sua eficácia. “Acredita-se que ela atue sobre os centros cerebrais responsáveis pela agressividade sexual, facilitando a transmissão dos impulsos nervosos que despertam o desejo”, conta o ginecologista Malcolm Montgomery, de São Paulo, um dos adeptos da técnica. “Esse aumento da libido mexe com a fisiologia feminina, deixando a vagina mais úmida e os músculos relaxados, o que facilita a penetração.”
A testosterona faz parte de um grupo de tratamentos que ataca o mal pela raiz, ou, melhor, pela cabeça. Em 16% dos casos, a causa das disfunções é neurológica. Afinal, a ereção no homem e a sensibilidade sexual da mulher são resultado dos impulsos nervosos que descem do cérebro para os órgãos genitais por meio da medula espinhal. Quando as reações não se completam, é claro, o impulso não chega ao sexo. Mas, se as mulheres agora têm esperanças na testosterona, para os homens ainda não há drogas que atuem especificamente na área neurológica. Por ora, os médicos tentam corrigir o mal aproveitando medicamentos que agem sobre o sistema nervoso, usados para outros fins.
Ataque em duas frentes
Uma das substâncias estudadas é a apomorfina, indicada para combater o mal de Parkinson. Ela estimula a produção do hormônio oxitocina, que relaxa os vasos e músculos penianos. O problema é que, quando tomada por via oral, a apomorfina é destruída pelos ácidos estomacais. Nem chega ao cérebro. Laboratórios americanos estão tentando fazer com que ela passe intacta pelo estômago e vá direto para o intestino, onde é absorvida.
“Além de drogas específicas, achamos que, às vezes, uma combinação pode ser o melhor remédio”, diz o urologista Eduardo Bertero, de São Paulo. Testes em animais mostraram que o sildenafil (componente do Viagra), junto com a apomorfina, dá resultado. A apomorfina estimula o cérebro para que ele mande sinais mais fortes. E o Viagra ajuda o órgão genital a responder bem aos impulsos, garantindo a irrigação sanguínea.
O que resta fazer se a pílula falhar
Existem casos em que droga nenhuma resolve. Um exemplo é a impotência causada por acidentes – como a destruição dos vasos ou das artérias do pênis, numa cirurgia de extração da próstata. Doenças localizadas, como a fibrose, que mata as células do corpo cavernoso, também podem bloquear a ereção. Mas mesmo para essas infelicidades existem artifícios. Um deles é a prótese inflável (veja infográfico).
Outro método possível é uma injeção no pênis, minutos antes do ato sexual. Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo, entre 1991 e 1996, mostrou que todos os 139 pacientes tratados com a injeção conseguiram a ereção. Esse sistema paliativo usa o hormônio prostaglandina e um composto retirado da papoula, a papaverina, ou a mistura das duas substâncias, que estimulam o relaxamento dos vasos e das células do corpo cavernoso. A prostaglandina pode ser aplicada também na forma de supositório peniano, inserido pela uretra. O desafio, para quem recorre a essas técnicas trabalhosas, é manter o clima erótico.
Às vezes, a culpa é da mente
O mal também pode não ser fisiológico, mas psicológico. O urologista Joaquim de Almeida Claro avalia que, em 20% dos casos, não há nada de errado com os órgãos genitais ou com o cérebro. O problema tem a ver tanto com um dia-a-dia estressante quanto com uma rotina monótona. “A repetição e a falta de novidade podem levar à impotência ou à queda de libido”, conta a psicóloga Maria Cristina Romualdo, do Serviço de Orientação Sexual, uma organização não-governamental em São Paulo. A solução? “Quebrar a rotina sexual”, responde Maria Cristina.
Em geral, os homens resistem à idéia de que a impotência possa ter fundo psicológico. E são mais propensos a acreditar que uma pílula resolva o problema. Metade abandona o tratamento logo no início. As mulheres, mais persistentes, raramente largam a terapia antes da alta.
A recomendação é acabar com o preconceito. A solução para a falta de prazer está nos dois lados, o orgânico e o psicológico. Afinal, o corpo não é uma máquina em que cada peça funciona isoladamente. Tudo tem que trabalhar em conjunto, como uma orquestra bem afinada.
As pílulas que têm a força
Drogas novas como o Viagra e o Vasomax, inédito no Brasil, estimulam a irrigação sanguínea dos órgãos sexuais.
Invertendo sinais
O remédio Vasomax usa o composto fentolamina. Dentro das células dos vasos sanguíneos e do músculo corpo cavernoso, a fentolamina induz uma enzima, chamada AMP, a transformar-se em outra, a AMP cíclica. Quando a quantidade de AMP cíclica aumenta, a célula relaxa e as artérias e fibras do pênis se enchem de sangue, produzindo a ereção.
O segredo do Viagra
1. Quando o pênis começa a endurecer, a enzima fosfodiesterase induz a célula, ao mesmo tempo, a produzir outra enzima, a GMP, que provoca o amolecimento do órgão depois da ereção.
2. Com o Viagra, entra em ação o princípio ativo sildenafil, que rompe o mecanismo da fosfodiesterase. Assim, a droga prolonga a ereção, resolvendo o drama da impotência de muitos homens.
Trabalho em dupla
Muitos médicos receitam o uso combinado de dois medicamentos, tomados em conjunto – a trasodona (um antidepressivo) e a ioimbina (um extrato vegetal) cujo efeito é relaxar as células. A combinação destrói a adrenalina, um hormônio vasoconstritor, isto é, que fecha os vasos.
A droga perfeita
O sonho dos pesquisadores é fabricar um medicamento à base de óxido nítrico, produzido naturalmente pelos organismos saudáveis. Introduzido na célula, o óxido tem a propriedade de disparar reações químicas, induzindo ao relaxamento dos vasos e das células do músculo. A dificuldade é que ele evapora em poucos segundos.
Testes para a mulher
Como o Viagra e o Vasomax ajudam as mulheres que têm dificuldade com o orgasmo.
Da mesma forma como facilitam a entrada de sangue no pênis, as novas drogas também atuam sobre a vagina. O afluxo sanguíneo aumenta o volume dos vasos, que pressionam os nervos. Toda a região, principalmente o clitóris, fica mais sensível ao estímulo.
Ajuda de cima para baixo
Medicamentos usados em outros tratamentos também combatem a impotência.
Não se deprima
A endorfina é um hormônio que ameniza a dor. Quando em excesso, acaba inibindo outras funções do corpo, como a sexual. O Naloxone reduz a quantidade de endorfina, tomando seu lugar nos receptores das células cerebrais. Assim, estimula a ereção do pênis.
Gotas de potência
A apomorfina, usada normalmente contra o mal de Parkinson, se instala nos receptores de células cerebrais ativando a produção do hormônio oxitocina. A oxitocina viaja pela corrente sanguínea até o pênis, provocando o relaxamento dos vasos e do corpo cavernoso. Isso aumenta a irrigação sanguínea que sustenta a ereção.
De um sexo para outro
A testosterona, um hormônio masculino usado por mulheres na menopausa, é indicada para a frigidez feminina. Conectada aos receptores das células do hipotálamo, estimula a produção do hormônio serotonina, existente no organismo de ambos os sexos. Esse, por sua vez, vai para o córtex cerebral, aumentando a libido.
No calor do momento
A termografia é um exame que registra o calor no órgão sexual, revelando suas áreas ativas.
O pênis em repouso, com pouco sangue em circulação, está frio (área verde)
Durante a ereção, o afluxo de sangue esquenta o órgão (região vermelha)
Quando a mulher está excitada, a vagina torna-se mais irrigada (área laranja)
Solução paliativa
Quando tudo parece perdido, ainda há artifícios.
Prótese inflável
Dois cilindros de silicone são introduzidos no pênis e um reservatório com soro fisiológico é instalado atrás da pélvis (os ossos da bacia). Uma válvula manual, embutida ao lado dos testículos, transfere o soro para os cilindros. Cheios de líquido, eles agem como se fossem os vasos sanguíneos, expandindo o pênis e provocando a ereção.
Direto ao ponto
Injetados, o hormônio prostaglandina e a papaverina, uma substância retirada da papoula, afrouxam as células vasculares e estimulam a irrigacão sanguínea. A prostaglandina pode, ainda, ser aplicada por supositório peniano, introduzido pela uretra.