Marcos Pivetta
“O sucesso da clonagem na Coréia.” Com esse título, um editorial do dia 13 de fevereiro do The New York Times,o mais importante jornal americano, saudava a maior façanha científica de 2004. Sem esconder uma ponta de inveja, o texto criticava o governo Bush por restringir o uso de dinheiro público destinado a estudos com células-tronco e ceder à Coréia do Sul a vanguarda na pesquisa com clonagem de embriões humanos para fins terapêuticos, considerada por muitos a chave para a cura de doenças, como alguns tipos de câncer e problemas cardíacos. Politicagem à parte, o lugar mais alto no pódio científico do ano acabou com os sul-coreanos.
Mas as grandes descobertas do ano não se concentram apenas na área da medicina. Na lista das dez mais importantes pesquisas e experimentos de 2004 elaborada pela Super com a ajuda de especialistas e cientistas do Brasil e do exterior, além de consulta às principais publicações científicas do mundo, houve espaço para um pouco de tudo. Confira a seguir a lista das principais descobertas do ano.
Astronomia – Água e metano, sinais de vida em Marte?
O planeta vermelho freqüentou o noticiário como não se via há anos. Em janeiro, a sonda Mars Express , da ESA (a agência espacial européia), confirmou a presença de água na forma de gelo no Pólo Sul de Marte. No início março, o Opportunity , um dos dois robôs que a Nasa (a agência espacial americana) fez pousar em solo marciano, encontrou rochas que devem ter sido esculpidas pela presença de água líquida. Ainda em março, os europeus detectaram metano na atmosfera do planeta, gás de origem geológica. Em julho, a Mars Express registrou vapor de água sobre Arabia Terra, uma vasta região de Marte. Tantos achados esconderam alguns insucessos: os japoneses perderam contato com a sonda Nozomi e a ESA falhou em tentar colocar em solo marciano o robô Beagle-2. Apesar dos avanços e do indiscutível valor científico das descobertas, uma pergunta persiste: água e metano foram encontrados, mas alguém garante que há (ou houve) alguma forma de vida em Marte?
Genética – Clones para salvar vidas
O maior feito científico do ano não foi obra de americanos, europeus ou japoneses. Em fevereiro, pesquisadores da Universidade Nacional de Seul, Coréia do Sul, anunciaram que tinham clonado com sucesso 30 embriões humanos. A primeira clonagem de material genético de nossa espécie teve fins terapêuticos. Seu objetivo foi gerar embriões que serviram de matéria-prima para a obtenção de células-tronco, um tipo de célula primordial que, se devidamente cultivada, pode, teoricamente, transformar-se em qualquer forma de tecido humano. São uma esperança para a medicina na busca de novos tratamentos para o câncer, por exemplo. Para chegar aos clones dos embriões humanos, os orientais injetaram material genético de adultos em óvulos não-fertilizados cujo DNA original havia sido removido. Para quem se assusta com a possibilidade de clones humanos circulando por aí, a equipe do veterinário Woo Suk Hwang garantiu não ter implantado nenhum dos embriões nas 16 mulheres que doaram óvulos para o experimento.
Física – O primeiro teletransporte
Nem o mais ardoroso fã do seriado Jornada nas Estrelas poderia acreditar que, em 2004, o teletransporte seria uma realidade. Mas é verdade: duas equipes independentes de pesquisadores – uma da Universidade de Innsbruck, Áustria, e outra do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, Estados Unidos–, pela primeira vez transferiram propriedades-chaves entre duas partículas sólidas sem qualquer ligação física.
Os cientistas fizeram, com 75% de acerto, o teletransporte do chamado estado quântico de um átomo para outro. Ou seja, houve alguma perda de dados durante o teletransporte, mas dentro de limites aceitáveis para um experimento pioneiro. O estado quântico de um átomo inclui informações como seu campo magnético, mobilidade e energia.
O feito indica que a construção de computadores quânticos, muito mais velozes que os atuais, pode ser um sonho viável. Nos experimentos, divulgados simultaneamente em junho em artigos escritos para a revista Nature, os austríacos usaram átomos de cálcio e os norte-americanos, de berílio.
Espaço – O capitalismo rumo ao céu
Acabou a era em que as viagens espaciais eram missões de Estado bancadas com dinheiro do contribuinte. Às 6h30 do dia 21 de junho, a primeira nave privada tripulada, a SpaceShipOne, decolou do deserto de Mojave, Califórnia, fez um passeio de uma hora e meia e voltou intacta à Terra. Conduzido pelo piloto civil Mike Melvill, o bólido celeste, um projeto de 20 milhões de dólares bancado pelo bilionário americano Paul Allen, atingiu a altura de pouco mais de 100 quilômetros, apenas 120 metros acima da fronteira que divide a atmosfera terrestre do início do espaço. Houve alguns problemas no vôo inaugural, mas a aeronave, reutilizável, passou no primeiro teste. E já tem compradores: a Virgin Galactic, companhia recém-criada do conglomerado britânico Virgin, fechou em setembro um acordo com Allen, co-fundador da Microsoft, para licenciamento da tecnologia de construção da SpaceShipOne. A idéia é produzir uma aeronave em 2005 e dar a partida no turismo espacial em 2007. No dia 4 de outubro, a SpaceShipOne ganhou um prêmio de 10 milhões de dólares pago por Anousheh Ansari, um empresário do setor de telecomunicações membro da fundação americana X Price, por ter conseguido realizar duas viagens espaciais em menos de duas semanas.
Clima e ecologia – Mais calor, menos espécies
Em 2050, um quarto das espécies de animais terrestres e de plantas estará extinta ou a ponto de desaparecer. Motivo: o aumento do efeito estufa, que eleva a temperatura da Terra e altera o ambiente em que esses seres vivem. Feita pela equipe do biólogo Chris Thomas, da Universidade de Leeds, Inglaterra, a previsão se baseia em um megaestudo sobre o impacto das mudanças climáticas no destino de 1 103 espécies que ocupam um quinto do território do planeta. Com a ajuda de colaboradores de oito países, inclusive do Brasil, Thomas simulou o que aconteceria com cada espécie se o clima mudasse pouco, moderadamente ou muito nos próximos 50 anos. No cenário otimista, 9% das espécies sumiriam. No pessimista, quase metade. No moderado, entre 15% e 37% estariam condenadas.
Paleontologia – O vôo do dinopássaro
Agora é oficial. O Archaeopteryx, aquele estranho dinossauro que há 147 milhões de anos exibia penas em suas asas, é o fóssil mais primitivo de um pássaro. O veredicto saiu em agosto e foi dado por pesquisadores do Museu de História Natural de Londres. Obtidas por meio de uma tomografia computadorizada, mais de mil imagens do crânio de um exemplar do bicho revelaram que ele tinha uma mente preparada para voar. Como nas aves modernas, as áreas cerebrais ligadas à visão e ao controle dos movimentos eram bastante avantajadas. O ouvido interno, importante para a manutenção do equilíbrio, também se parecia bastante com o dos pássaros de hoje. O próprio tamanho do cérebro em relação ao corpo do Archaeopteryx, que tinha uma série de traços anatômicos típicos dos répteis, obedece ao padrão dos atuais seres alados. Portanto, concluíram os estudiosos, o “dinopássaro” conseguia, sim, ganhar os ares.
Paleontologia 2 – O passo inicial
Os primeiros animais a viver em terra firme deixaram o mar 428 milhões de anos atrás, 20 milhões de anos antes do que se pensava. Em janeiro, pesquisadores da Universidade de Yale, Estados Unidos, e dos Museus Nacionais da Escócia chegaram a essa conclusão depois de terem estudado por um ano o fóssil de uma espécie minúscula de milípede, o Pneumodesmus newmani, um artrópode primitivo que tinha mil patas e media apenas 1 centímetro. Encontrado pelo motorista de ônibus e colecionador de fósseis Mike Newman em Stonehaven, um vilarejo da costa escocesa, o bichinho apresentava estruturas na parte externa de seu corpo destinadas à respiração aérea. O traço anatômico levou os cientistas a acreditar que se tratava de uma criatura terrestre, no caso a mais antiga a abandonar os oceanos e a se instalar em lugares secos.
Astronomia 2 – Terras à vista?
Ainda não foi neste ano que o sonho de descobrir outras “Terras” se tornou realidade. Mas, em agosto, astrofísicos da Europa e dos Estados Unidos deram fim numa monotonia que já durava quase uma década: descobriram fora do sistema solar três planetas relativamente pequenos e talvez essencialmente rochosos, uma pré-condição para o florescimento de vida. A massa dos novos corpos celestes é entre 14 e 21 vezes maior do que a da Terra. “Demos o primeiro passo para encontrar uma verdadeira Terra”, disse Nuno Santos, do Observatório de Lisboa e membro da equipe européia, que apelidou de Super-Terra o seu planeta, localizado em torno da estrela Mu Arae, na constelação de Altar, distante 50 anos-luz. Desde 1995, quando foi descoberto o primeiro mundo extra-solar, os cientistas só tinham deparado com planetas gigantes e gasosos como Júpiter, centenas de vezes maiores que a Terra. Agora sabem que lá fora há também mundos rochosos menores. Falta achar um como o nosso, de clima nem muito quente nem muito frio.
Medicina – Vitória contra a infertilidade
Mulheres que se tornaram inférteis em razão da quimioterapia contra o câncer podem voltar a sonhar com a maternidade graças a um novo recurso médico: o transplante de ovário. Julgada estéril há sete anos, quando venceu um linfoma de Hodgkin com a ajuda do agressivo tratamento, a belga Ouarda Touirat, 32 anos, submeteu-se ao procedimento experimental e bingo: no dia 23 de setembro, em Bruxelas, deu à luz um bebê saudável, Tamara, de 3,7 quilos.
O transplante de ovário foi realizado pela equipe do médico Jacques Donnez, da Universidade Católica de Louvain, na capital belga. Na verdade, trata-se de um autotransplante. Tecidos sadios do ovário esquerdo de Ouarda, que haviam sido retirados antes da quimioterapia e mantidos congelados em nitrogênio líquido, foram reimplantados na belga no ano passado. Em cinco meses, ela voltou a ovular e engravidou espontaneamente.
Neurociência – A força do pensamento
O homem pode controlar próteses por meio da atividade elétrica de seus neurônios? Parece que sim, de acordo com os resultados de um experimento conduzido por cientistas da Universidade de Duke, Estados Unidos, entre eles o brasileiro Miguel Nicolelis. Com a ajuda de microeletrodos implantados no cérebro de 11 indivíduos com mal de Parkinson que se submetiam a uma neurocirurgia, os pesquisadores gravaram os sinais emitidos por até 50 neurônios enquanto os pacientes jogavam um videogame elementar. Em termos nada científicos, registraram as ordens que o sistema nervoso envia quando quer mover uma parte do corpo. E daí? Daí que a gravação da atividade elétrica foi suficiente para que um computador com programas especiais conseguisse antever o tipo de movimento mecânico ordenado pelo cérebro. Os estudos não são conclusivos, mas apamente a ordem é capaz de mover uma prótese.