Imaginação ajuda a dominar conceitos matemáticos
Como explicar às crianças complicados conceitos matemáticos usando imagens do dia-a-dia.
Luiz Barco
Pouco antes do Natal, decidi sair de férias e fui pra Itapema, no litoral de Santa Catarina. Uma das primeiras providências que tomei para a viagem foi deixar de aparar a barba. Talvez por isso, as crianças que cruzavam comigo na praia gritavam: “Oi, Papai Noel”. As que se aproximavam me perguntavam se eu era o velho Noel. Não só eu confirmava como também lhes contava histórias da minha fábrica de brinquedos, dos meus auxiliares anões, das minhas renas favoritas e etc. Se há algo infinito, além da sequência de números naturais, com certeza é a vontade das crianças de ouvir histórias.
Em pouco tempo esgotei meu repertório e já começava a temer pela credibilidade do meu novo personagem quando uma menina de sardas, olhos muito vivos, cabelo arrepiado no alto da cabeça, perguntou-me com decisão: “Levamos muitas horas para chegar até aqui e eu tenho uma tia que mora ainda mais longe. Como é que em uma noite você vai a tantos lugares?” Sem pestanejar respondi: “Isso é possível porque eu viajo na quarta dimensão”. Claro que tal resposta não satisfez minha decida interlocutora. Então, mostrei-lhe que o peixe falante da fábula dos irmãos Grimm teria grande dificuldade em explicar como se sentia por viver sempre molhado. Claro, pois ele nunca esteve seco.
O mesmo ocorre conosco quanto ao tempo e ao espaço. Temos grande dificuldade em imaginar como é não estar neles. Aproveitei a ocasião para falar à garota sobre a diferença entre o espaço físico percebido pelos sentidos e o espaço (abstrato) dos matemáticos. Logo, um garoto com o auxílio de uma pequena vara começou a desenhar na areia uma grande unidimensional, onde todos os lugares ocupavam pontos de uma única linha. Facilmente, as crianças perceberam que cada ponto ficava bem determinado por um único número, desde que se fixasse o ponto inicial (origem) e o intervalo unitário.
Curiosamente, Ninguém construiu nada antes do ponto inicial e eu então fiz uma experiência para saber se as crianças estava prontas para perceber os números relativos.
Marquei alguns pontos antes da origem (do marco zero), esperando com isso obrigá-las à criação dos números negativos. O garoto que traçou a cidade não se deu por achado. Pensou um pouco e desclocou a origem para antes dos pontos que eu marcara. Percebi que ainda era cedo demais para eles entenderem idéias como antes do zero etc. Sem grandes tropeços, limpamos um lugar na areia para construir uma nova cidade. Era uma superfície razoavelmente plana e logo a criançada entendeu que para marcar um ponto de uma região plana, sem possibilidade de engano, seriam necessárias duas referências, duas distâncias, dois números, enfim duas dimensões.
Como era prematuro falar em abscissas e ordenadas optamos por ruas e avenidas. Havia assim uma avenida (referência) no limite da região e todas as paralelas seriam avenidas: 1, 2, 3, 4 etc. Uma perpendicular a essas avenidas seria sua referência, de preferência nos limites do terreno, e as paralelas a ela seriam ruas 1, 2 ,3, 4, 5 etc. Mas a menininha de sardas achou que as ruas deviam ser marcadas por letras para não causar confusão e assim ficaram sendo A, B, C, D etc. Foi curioso quando um outro garoto sugeriu a marcação de um único ponto fixo e tentou mostrar que qualquer outro ficaria bem determinado pela distância a que estivesse desse ponto referencial.
Logo ele percebeu que se enganara, pois todos os pontos estão na circunferência com centro no ponto fixo e de raio igual a essa distância têm também essa característica. Ele, porém, não desistiu e emendou: “Se eu marcar a distância e a direção, o ponto fica preso (bem determinado)”. Mais uma vez fiquei convencido de que algo vai mal com a escola e a situação aula precisa ser repensada. Afinal, como um garoto no início da idade escolar descobre e usa bem o conceito de coordenadas polares enquanto outros jovens já nos primeiros cursos de cálculo sentem dificuldade para isso? Será que o rigorismo dos cursos universitários não matou o lúdico, que é a chave da imaginação criadora?
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo