Luiz Barco
Se enxerguei mais longe foi porque eu estava sobre os ombros de gigantes.” A frase do físico inglês Isaac Newton (1642-1727) é certamente uma demonstração de modéstia. Mas também carrega boa dose de verdade. Os conhecimentos acumulados ao longo do tempo servem de base para a maioria das descobertas. Da mesma forma, porém, é inegável que homens raros como Newton têm o condão de enxergar mais longe.
Um problema simples pode ilustrar o que eu quero dizer com esse “enxergar mais longe”. A proposta é destrinchar a adição representada abaixo.
Os números ABCD, DCBA e oooo possuem os mesmos dígitos, só a ordem em que eles aparecem é que muda. No primeiro, ela é crescente e os algarismos são consecutivos; no segundo, decrescente; no terceiro, desconhecida.
Primeiro, vou mostrar a solução que me foi trazida outro dia por um estudante de jornalismo. Logo de cara, ele pecebeu que A só poderia valer 1, 2 ou 3. Se fosse 4 ou mais, D seria 7 ou mais e, aí, qualquer dos valores possíveis para o primeiro quadradinho (4, 5, 6 ou 7) resultaria numa soma maior do que 12, inviabilizando a solução.
O A igual a 1 também foi descartado, pois os quadrados teriam que ser maiores ou iguais a 5 para resultar em algo superior a 10 000, o que contradiz a hipótese de ter os mesmos dígitos dos números anteriores. Veja:
A igual a 3, vê-se logo, é outra opção impossível. Há várias razões para isso. A mais visível é que o último quadrado, adicionado ao 3 e ao 6, seria maior do que 10. Confira:
Vale a pena pensar um pouco mais sobre o A igual a 3. Você vai se divertir tanto quanto para verificar o A igual a 2:
Para obter o zero da unidade, o último quadrado teria que ser 3. Não esqueça que “vai 1”, o que faz com que o penúltimo quadrado seja igual a 2. Para que a centena do resultado dê 3, o quadrado acima dele terá que ser 5 e o que sobrar será necessariamente 4. Observe como fica a conta:
Achei tão boa a solução que resolvi mostrá-la a você. Mas há outra, também interessante, atribuída a Hans Marbert e citada por Martin Gardner no livro Rodas, Vida e outras Diversões Matemáticas, da editora portuguesa Gradiva (Lisboa, 1992). Marbert diz que a saída encontrada vale para qualquer seqüência ABCD, se a soma for feita na base (A + B + D). Vamos testar a proposta para a base 7. Nesta base, os números apareceriam na seguinte seqüência: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 20, 21… Ou seja, a cada seis números, pula-se para a dezena seguinte. Assim, a soma abaixo estaria correta.
Todos sabemos que 4 + 1 + 2 é igual a 7, mas não há 7 na base 7. Depois do 6, vem o 10. Por isso, o zero na unidade do resultado estaria correto. Procedendo do mesmo modo na adição inteira, você vai ver que a soma está certa. Marbert com certeza encontrou primeiro a solução do sistema decimal, que vimos anteriormente. Mas ele olhou além das cercas consentidas e descobriu esta bela alternativa, isto é, subiu no monte dos conhecimentos estabelecidos, mas ousou buscar outros paradigmas.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo