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Milagre atrás das grades

Bom senso e força de vontademostram que é possível dar dignidade às nossas prisões.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 31 mar 2002, 22h00

CENTRO DE RESCIALIZAÇÃO – Bragança Paulista – SP

Banheiro coletivo com ar de vestiário, alojamentos munidos de beliches, cada qual com sua TV e armários individuais. Biblioteca, salas de aula e barbearia. Clima de tranqüilidade. Olhando por fora ou percorrendo os corredores, é difícil acreditar que se trata de uma prisão brasileira. É o Centro de Ressocialização de Bragança Paulista, interior de São Paulo, o primeiro nesses moldes criado no país. Trata-se de uma experiência tão vencedora que seu criador, Nagashi Furukawa, que era juiz em Bragança, foi alçado à chefia da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado. E o modelo foi copiado em outras dez cidades do interior paulista.

O centro é administrado em parceria entre Estado e comunidade. Parece incrível que um cidadão comum queira meter a mão em um assunto espinhoso como cadeia, mas a história do centro mostra o caminho. Ali, a comunidade responde, basicamente, pelo nome de Apac (Associação de Proteção e Assistência Carcerária), uma organização não-governamental fundada por iniciativa da OAB, de juízes e de parentes de presos e revigorada por Furukawa em 1993.

Mas a parceria prosperou mesmo a partir de 1996, quando, por um convênio firmado com o governo do Estado, a Apac ficou responsável por toda a assistência aos presos, com verba repassada pelo governo. Até então, todo o trabalho era voluntário. Hoje, a maioria das atividades é remunerada. Essa participação é, na opinião de todos, o motivo do sucesso do centro. Além de ajudar a gerir, essas pessoas participam de projetos voluntários, como aulas de arte, acompanhamento religioso e programa antidrogas.

Cada unidade abriga menos de 300 presos. São 240 no caso de Bragança e 210 nas outras cidades. Isso facilita a administração.

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Além disso, só vão para os centros os presos de baixa periculosidade. Para medir o perigo que oferece, cada pessoa presa na cidade é avaliada psicologicamente. Se aprovada, fica no centro, havendo vaga. Se não, vai para outra prisão. Por esses critérios, seqüestradores e integrantes de quadrilhas não são aceitos. Outra exigência é morar na comarca, o que mantém o preso perto da família, fator importante de ressocialização.

Outra vantagem do modelo é a redução de cerca de 40% no valor de custeio. As ONGs fornecem a assistência básica prevista na Lei de Execuções Penais: alimentação, dentista, médico, psicólogo, assistente social e advogado, com verba repassada pelo Estado. O governo fica responsável pela segurança e disciplina. Um preso mantido no centro custa 450 reais por mês, contra 700 reais na administração tradicional.

Desde que foi nomeado pela secretaria, o diretor da cadeia, Marcos Ibanhez Bertuchi, 28, não enfrentou nenhuma tentativa de fuga ou rebelião. Mesmo estando hoje, temporariamente, com 272 presos, 32 acima da capacidade, a situação continua tranqüila. “Procuramos trabalhar com a conscientização do preso de que ele não precisa fugir”, diz Bertuchi. Fora o diretor, há só dois funcionários da secretaria por turno para cuidar da segurança dos alojamentos, separados da rua por duas fileiras de grades.

Nascido como uma ampliação da cadeia pública que já existia no lugar, o centro de Bragança ainda possui instalações com cara de cadeia comum, com grades, para onde vai o preso novato ao chegar. Durante 30 dias, ele fica na cela de triagem. Depois, é encaminhado para as celas comuns, que não ficam trancadas. Dependendo do seu comportamento, da participação nos trabalhos e da disponibilidade de vagas, o detento vai sendo transferido até chegar ao anexo 2, onde estão os novos alojamentos, com capacidade para 120 presos. O prédio, que conta com salas de convivência e múltiplas atividades (artísticas e culturais), foi construído com a participação da comunidade e o incentivo de Furukawa.

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Cada ala tem sua comissão de trabalhos internos, formada pelos próprios presos, que são tratados por reeducandos. Quatro empresas têm linhas de montagem instaladas no centro e outras três oferecem vagas fora. Com a atual lotação, 70% dos presos estão trabalhando. Antes de novembro, eram 90%. Além de atuar nas oficinas, os presos também fazem trabalhos internos: limpam, cozinham e fazem pequenos reparos, cada um atuando em sua profissão de origem. “Aqui a gente pode mostrar o valor do nosso trabalho”, disse o técnico em refrigeração Marcos Lopes, enquanto engraxava uma peça do motor do freezer da cozinha.

José Carlos Máximo é assistente do dentista e auxilia na enfermaria. Tiago Desidério Martins é o cabeleireiro. Dirceu Lastoria Júnior coordena a biblioteca. Todos, inclusive os que trabalham na manutenção, recebem salário de 45 a 50 reais, além da remissão de suas penas. Condenado a 82 anos de prisão por 18 assaltos às bilheterias do metrô de São Paulo, o assistente do dentista já passou por várias carceragens no Estado. Transferido para Bragança para poder doar um rim ao irmão, pediu para ficar. “Essa cadeia é abençoada”, diz. Qual a diferença entre o centro de ressocialização e as outras prisões? Resposta: “O céu e o inferno”.

O cabeleireiro está pleiteando livramento condicional, que espera conseguir logo para realizar seu sonho: montar o salão Stop-Corte. Para isso, vai usar a experiência que adquiriu cortando cabelo no centro e o que aprendeu em um curso sobre microempresas, do Sebrae, que fez dentro da prisão. O bibliotecário está aprendendo a catalogar os livros com uma funcionária da biblioteca pública. Em turmas de ensino fundamental e médio, com professores do Estado e um voluntário, 81 detentos estão estudando. Para o diretor do centro, seu trabalho é diminuir o espaço entre o preso e a comunidade. “Como reintegrar alguém à sociedade se ele não está fazendo parte dela?”

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