Nasa corre o risco de ficar sem acesso à Estação Espacial em 2020
Atrasos da SpaceX e da Boeing no programa de tripulação comercial podem comprometer gravemente as atividades científicas da agência na ISS.
No final de setembro, enquanto Elon Musk contava ao mundo feliz da vida as boas novas sobre o desenvolvimento de sua modernosa espaçonave cromada, o chefe da Nasa puxou a orelha dele no Twitter. Jim Bridenstine exigiu que o mesmo entusiasmo fosse dedicado ao projeto da cápsula financiada com recursos do contribuinte dos EUA para que o país possa voltar a lançar astronautas ao espaço de seu próprio solo. O tempo está passando — e até agora nem a SpaceX nem a Boeing conseguiram entregar seus veículos.
Já são mais de dois anos de atrasos no cronograma inicial do programa de tripulação comercial (CCP, na sigla em inglês), que previa o início dos voos tripulados nas cápsulas privadas Crew Dragon (SpaceX) e Starliner (Boeing) para 2017. Enquanto as duas companhias correm para superar os desafios técnicos e atender às rigorosas exigências de segurança para obter a certificação da Nasa, a agência se vê obrigada a seguir dependendo da boa vontade dos russos para levar seu pessoal até a ISS. E a carona não é nada barata.
Desde o fim da era dos ônibus espaciais, em 2011, só há um jeito de um astronauta chegar ao espaço: a bordo de uma nave Soyuz. Criada pelos soviéticos nos anos 60, ela não parou mais de voar, sobretudo nos últimos 20 anos, para suprir a Estação Espacial Internacional. Pelos 70 assentos que já comprou da Roscosmos, a agência espacial russa, a Nasa pagou em média US$ 55,4 milhões por cada um. O valor total chegou a US$ 3,9 bilhões de 2006 para cá. Já os contratos do CCP receberam até agora investimentos de US$ 5,5 bilhões.
É uma iniciativa que faz sentido: em vez de dar toda essa grana aos russos, ela é mantida nos EUA, ajudando a girar a economia e a desenvolver a indústria espacial do próprio país. Mas o programa está fora dos trilhos — e pode comprometer todo o planejamento de pesquisa na ISS em 2020. Segundo um relatório publicado na última quinta (14) pelo inspetor geral da agência, existe o risco concreto de a Nasa perder o acesso ao próprio módulo como consequência do atraso das duas companhias para concluir as cápsulas.
Antevendo o início das missões comerciais, a Roscosmos optou por cortar o número de assentos disponíveis a partir de janeiro. Em vez de duas Soyuz por semestre, vai lançar só uma, reduzindo o número de tripulantes do normal de seis para três, sendo que a Nasa terá um único astronauta a bordo a partir do outono do ano que vem: Chris Cassidy. O texto destaca que, com menos braços em órbita, vai sobrar pouco tempo para fazer ciência.
Quase todo o tempo será alocado para operação e manutenção. Com três pessoas no módulo, cada um consegue tocar 11,67 horas de pesquisa e experimentos científicos por semana. Com uma, o número cai para 5,5 horas. “Tal redução pode prejudicar a habilidade da Nasa de estudar os riscos de saúde aos astronautas e de desenvolver as capacidades necessárias para missões de exploração no espaço profundo”, alertou o inspetor.
No cronograma oficial do CCP, a estimativa é que a certificação para a SpaceX saia em janeiro e, para a Boeing, em fevereiro. Mas, com as dificuldades que ainda estão sendo superadas em testes de sistemas de segurança no lançamento e de paraquedas, o relatório estima que essa etapa só seja alcançada por volta do meio de 2020. Só por via das dúvidas, o administrador da Nasa, Jim Bridenstine, enviou uma carta para a Roscosmos em outubro pedindo por dois assentos adicionais na Soyuz.