Novo peixe-elétrico amazônico dá choque 8 vezes maior que uma tomada
Apesar do "Electrophorus voltai" produzir uma descarga de 860 volts, colocar o dedo na tomada ainda é mais letal. Entenda.
O poraquê (Electrophorus electricus) é um peixe-elétrico típico da bacia amazônica, que pode chegar a mais de 2 metros de comprimento. Descrito pela primeira vez em 1766 pelo naturalista sueco Carl Linnaeus, ele está em um seleto grupo de 250 espécies capazes de produzir eletricidade naturalmente. No entanto, enquanto os outros peixes usam suas fracas descargas de 10V a 15V para comunicação e navegação, o poraquê (também conhecido como enguia elétrica) usa sua capacidade de produzir 600V para caça e defesa.
Os cientistas achavam que o Electrophorus electricus era a única espécie de poraquê que existia. Mas agora, 250 anos após sua descoberta, um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e americanos constatou que, na verdade, existem três tipos diferentes de poraquês. E um deles consegue produzir uma descarga elétrica de 860 volts – voltagem 8 vezes maior que as tomadas comuns de 110V.
A descoberta faz parte de um grande projeto que visa mapear todos os peixes elétricos da América do Sul. De 2014 a 2017, um grupo de pesquisadores viajou para a região da Grande Amazônia – incluindo Brasil, Guiana Francesa, Guiana e Suriname – onde coletou 107 espécimes vivos de poraquês, para estudar possíveis diferenças morfológicas, genéticas e elétricas entre eles.
Depois que os cientistas notaram diferenças físicas entre o formato do crânio de alguns indivíduos, uma análise genética cravou: existem três espécies diferentes do peixe. O que, segundo os pesquisadores, faz sentido: esses bichos aparecem em diversas regiões da Amazônia, o que já dava pistas de uma possível especiação causada pela separação geográfica.
Depois de várias análises, os pesquisadores estabeleceram uma separação. O já conhecido Electrophorus electricus vive no extremo norte da Amazônia, em estados do norte do Brasil e em países como Guiana e Suriname. Uma das espécies novas, chamada de Electrophorus varii – uma homenagem ao zoólogo americano Richard P. Vari, falecido em 2016 –, se encontra nos rios mais baixos da bacia amazônica. Já a estrela do estudo, o poraquê que produz descargas de 860 volts, foi nomeado de Electrophorus voltai – um tributo a Alessandro Volta, físico italiano que inventou a bateria –, e está presente próximo a nascente do rio Amazonas, em áreas altas de cachoeiras e corredeiras.
A eletricidade natural dos poraquês vem de células chamadas eletrólitos. Com cerca de 6.000 eletrólitos, agrupados em três órgãos (órgão principal, órgão de Hunter e órgão de Sachs), ele é capaz de produzir sua grande voltagem.
Mas, apesar da alta tensão elétrica, o E. voltai não é letal ao ser humano: seu choque é rápido, além de possuir uma amperagem muito baixa. “Quando ele descarrega da primeira vez, o choque dura de 1 ou 2 segundos, e ele ainda precisa de um tempo para recarregar”, disse à BBC o pesquisador brasileiro Carlos David de Santana, que já recebeu diversos choques do peixe.
De Santana afirma que a descoberta dessas novas espécies e o maior estudo de seus mecanismos podem ter aplicações para pesquisas em biotecnologia, talvez como modelo para a criação de implantes médicos em seres humanos.