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O direito ao aborto

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 dez 2000, 22h00

Antônio Celso K. Ayub

O aborto tem sido discutido desde a antigüidade por envolver problemas morais, legais e religiosos. Mas, para a provável surpresa dos leitores, não há controvérsia sobre a defesa da descriminalização do aborto do ponto de vista médico. Quase todas as pessoas que se dedicam ao tema concordam que o aborto deve e precisa ser ato médico, realizado de forma competente e com amparo legal. Toda a controvérsia está restrita aos aspectos morais ou religiosos.

Apesar do consenso médico sobre o tema, alguém poderia lembrar que o Juramento de Hipócrates contém a proibição ao aborto traduzida pelo menos de duas maneiras: “Não fornecerei à mulher pessário abortivo (instrumento para provocar o aborto)”, ou “não darei à mulher remédio abortivo”.

Mas os estudiosos já afirmaram, diversas vezes, que o juramento foi norteado pelo princípio básico da atividade médica: não aumentar os riscos de vida do paciente. Pela mesma razão, o juramento proibia outras operações como a retirada de cálculos renais, comuns hoje, porque na época causavam a morte de muitas pessoas. Era mais seguro conviver com as “pedras” do que o risco de tentar retirá-las por meio de uma cirurgia. É claro que os progressos da medicina tornaram anacrônicas essas proibições. E elas foram retiradas do juramento. Menos a proibição do aborto. Por quê?

Na época de Hipócrates, a chance de uma mulher morrer realizando um aborto era maior do que o da gestação e do parto. Hoje, a situação é inversa. Há mais riscos de uma mulher morrer no parto do que abortando. Se o aborto for provocado pela técnica de vácuo-aspiração antes de 12 semanas de gestação, o risco de vida é nove vezes menor do que o enfrentado no parto. O uso de medicamentos associados a essa técnica torna esse risco menor do que alguns tratamentos odontológicos.

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A experiência mostra no Brasil que a proibição legal é inócua. As mulheres provocam o aborto. Não importa o que os médicos ou as demais pessoas pensem a respeito. Não há campanha que possa evitá-lo – mesmo nos países desenvolvidos, com mulheres bem informadas e com políticas de planejamento familiar eficientes. Quando o aborto é proibido por lei, só há uma solução: a intervenção clandestina. Resultado: alto índice de mortes.

Do ponto de vista médico, o aborto implica uma decisão muito simples: ou deixar que as mulheres morram (ou fiquem com seqüelas graves) em abortos clandestinos, ou permitir que interrompam sua gravidez em segurança, atendidas por profissionais competentes.

Alguns argumentam que a proibição deve existir por uma questão ética. Mas desde o tempo de Hipócrates, os pensadores são favoráveis à descriminalização do aborto. Na Idade Média, a maioria dos filósofos, incluindo os da Igreja Católica Romana, estavam de acordo. Somente no século passado, na Inglaterra (1803), e depois nos Estados Unidos (1828) surgiram as legislações restritivas. O próprio Vaticano só decretou a condenação do aborto pela excomunhão em 1869.

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Antes de entrar na discussão ética, é preciso distinguir ética e moral. Moral é o conjunto de normas que norteiam a conduta individual. Quando respeitadas, permitem que o indivíduo durma em paz com sua consciência. É absolutamente individual. Ética é o conjunto de regras que regula as relações entre diversas morais conflitantes, dentro de uma sociedade pluralista. É, portanto, extremamente flexível. Qualquer restrição só poderá se relacionar com a moral individual. E cada um tem direito à sua. O inaceitável é que os que não aceitam o aborto, por suas convicções morais ou religiosas, determinem que os que aceitam não possam ter acesso a condições de higiene e ao procedimento médico adequado.

O maior preço da atual proibição legal do aborto é a quantidade de mortes – ou de seqüelas graves – impingidas desnecessariamente às mulheres, notadamente às mais pobres. As que podem pagar contam com clínicas sofisticadas, ainda que clandestinas. Além de passarem pela angústia de decidir pelo aborto – decisão sempre difícil –, as brasileiras enfrentam riscos inexistentes para americanas, russas, cubanas, francesas, inglesas…

É inaceitável que as pessoas que não admitem o aborto por convicções morais e religiosas destruam o direito daquelas que desejam optar pelo procedimento

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Médico e professor universitário

e-mail: akayub@santacasa.tche.br

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