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O evento mais energético do Universo brilha como 2 trilhões de sóis

Ele não se parece com nenhum fenômeno cósmico conhecido. A melhor aposta é que seja um buraco negro supermassivo – engolindo uma nuvem de gás com 5 mil massas solares.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 Maio 2023, 16h29 - Publicado em 17 Maio 2023, 16h29

Em 2020, a maior liberação de energia já detectada em qualquer fenômeno natural iluminou um canto insuspeito do céu, e permanece iluminando desde então.

Não é um algo que se possa ver com olhos nus: esse cataclisma está acontecendo a 8 bilhões de anos-luz de distância da Terra. O responsável pela detecção, em 2020, foi uma câmera chamada Zwicky Transient Facility (ZTF), que está acoplada a um telescópio no observatório californiano de Palomar, e faz varreduras automáticas da abóbada celeste em intervalos regulares. 

O clarão brilha com duas trilhões de vezes a intensidade do Sol. No acumulado dos últimos três anos, o evento AT2021lwx (eis o código antipático usado para batizá-lo) consegue ser mais energético que uma explosão de raios gama detectada em 2022 que foi apelidada de BOAT, para brightest of all time – “mais brilhante de todos os tempos”, em inglês. Viu só: nunca cante vitória antes do tempo.

É muito incomum que um acontecimento desse gênero dure tanto tempo sem perder intensidade. A maior parte das liberações bruscas de energia, no Universo, acaba em algo entre segundos e meses (que foi o caso, por exemplo, do BOAT: ele durou dez horas). A pergunta agora, naturalmente, é “que diabo é isso?”.

Há duas explicações concorrentes. Em ambas, o culpado é um buraco negro supermassivo, do tipo que costuma flutuar como uma âncora no centro das galáxias. Com a diferença de que, neste caso, não parece haver uma galáxia hospedando o monstro (ou, se há, ela não foi detectada). 

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Como o nome permite inferir, buracos negros supermassivos são estupidamente grandes. O M87, que é a rosquinha laranja fotografada de maneira inédita em 2019 pelo projeto Event Horizon Telescope (EHT), tem 2,4 bilhões de vezes a massa do Sol. Calcula-se que o buraco negro envolvido no evento AT2021lwx seja bem menor, ainda que não propriamente pequeno: 100 milhões de massas solares, no máximo. 

Em uma das hipóteses, o brilho surge porque o buraco negro está engolindo uma estrela. Ela vai se desmanchando e seu material gira em torno do horizonte de eventos – algo chamado disco de acreção –, como a água de uma banheira formando um redemoinho em torno do ralo. 

(“Horizonte de eventos” é o perímetro de segurança mínimo em torno do buraco negro. Passou dessa linha imaginária, a atração gravitacional é tal que você não consegue mais sair.)

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Vale lembrar que, apesar de metáforas como “ralo”, os buracos não são propriamente buracos: em seu centro, há um singularidade, que consiste em uma quantidade gigantesca de massa acumulada em um ponto adimensional (ou seja, tão pequeno que não tem largura, altura ou profundidade, de acordo com os cálculos). Em suma, um astro que ocupa espaço nenhum, o que lhe confere, em tese, densidade infinita. A maior parte dos físicos não acredita que singularidades de fato existam – o mais provável que sejam uma limitação na capacidade preditiva das equações da Relatividade Geral. 

Feita essa digressão, voltemos ao tema da nota. Caso AT2021lwx não seja causado pela deglutição indigesta de uma estrela, ele pode ser resultado do consumo de outra coisa: uma nuvem de gás colossal, com 5 mil vezes mais massa que o Sol. Para um leigo, não parece haver uma grande diferença entre as duas hipóteses – é só uma questão do que o buraco negro engoliu. Mas o fato é que nuvens e estrelas são refeições diferentes em aspectos importantes. 

Nuvens tem uma densidade baixa e podem ser imensas, mas estrelas, naturalmente, tem um limite de tamanho mais contido (se você esprema massa demais em um astro só, ele sofre um colapso gravitacional e vira um buraco negro). 

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Para uma estrela passar três anos sendo engolida e continuar gerando esse brilho colossal até hoje, calcula-se que ela precisaria ter, no mínimo, quinze vezes a massa do Sol. O que é uma estrela gigantesca. Sóis desse porte até existem, mas são raros (coisa de 0,00003% do total de estrelas do Universo) – o que torna o encontro de um desses com um buraco negro, naturalmente, ainda mais raro. 

Além disso, as equações impõem um limite teórico para o tamanho máximo que um buraco negro pode ter se ele quiser acretar uma estrela, e nosso gigante parece ser maior que esse limite. Por fim, eventos desse tipo costumam ser três vezes menos brilhantes do que AT2021lwx, em média. Em suma: há muita coisa contra a hipótese estrela. 

É por essas e outras que a hipótese nuvem emerge como uma alternativa mais provável na opinião de um grupo de astrônomos liderado por Philip Weisman, da Universidade Southampton, na Inglaterra. O artigo mais recente da equipe foi publicado no periódico especializado Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, e está disponível aqui.

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O mistério, porém, não está nem perto da resolução. Até existem buracos negros que brilham com uma intensidade próxima a essa enquanto engolem gás, mas o fluxo de radiação oscila. O brilho de AT2021lwx, por outro lado, é constante. E, vale lembrar: ele surgiu do nada, pouquíssimo tempo atrás. Nas palavras de Weisman: “É uma coisa que nós nunca vimos antes – e ela veio do nada.” 

Há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia. E há mais mistérios do céu para cima do que imaginou Hamlet quando proferiu essa frase. 

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