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O homem mais velho do mundo

O italiano Sammy Basso sofre de progeria, doença genética rara que provoca envelhecimento acelerado. Biologicamente, é como se ele tivesse 130 anos. Mas Sammy segue vivo, contrariando as previsões dos médicos – e ajudando a investigar a própria doença.

Por Jason Horowitz, do “The New York Times”. Tradução e infográfico Bruno Garattoni     
Atualizado em 1 nov 2023, 15h01 - Publicado em 17 ago 2023, 14h33

C Como muitos homens italianos de 20 e poucos anos, que continuam morando na casa dos pais, Sammy Basso sente uma certa vergonha das lembranças de infância espalhadas pelo seu quarto.

Ele tem um pôster do alfabeto, um adorado ursinho de pelúcia, brinquedos antigos e uma coleção de troféus que ganhou após uma sofrida bateria de testes clínicos no Boston Children’s Hospital, aos 12 anos de idade.

Também há velas votivas e, acima delas, fotos que mostram Sammy conversando com três papas – incluindo Francisco, que o procurou quando ele estava na adolescência.

Fotografias de Sammy na parede.
O quarto dele, que mora com a família, tem brinquedos e lembranças da infância, além de fotos de seus encontros com três papas (na foto, João Paulo II). (Nadia Shira Cohen/The New York Times/Reprodução)

Com os pés balançando para fora da cama, ele mostra uma medalha de honra que ganhou do presidente da Itália, e coloca um par de óculos grandões que comprou em Roswell, Novo México [onde fica a base militar americana conhecida como “Área 51”].

Lá existe um museu dedicado à ufologia, onde Sammy fez uma travessura: assustou uma mulher fingindo ser um alien. “Eu me pareço um pouco com eles”, diz.   

Mas Sammy, de 27 anos, está menos para um representante de civilizações avançadas, e mais para um indivíduo em estágio de vida avançado. Com 1m34 de altura e 20 quilos, ele praticamente não tem gordura sob a pele, fina como papel, e nenhum cabelo na cabeça.

Seu rosto é pequeno e enrugado, com um nariz muito proeminente. Seus ossos são frágeis, as juntas dos quadris estão sujeitas a dolorosos deslocamentos. O coração e as artérias estão obstruídos, calcificados e enrijecidos como os de uma pessoa com muitas décadas de idade a mais.

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“Eu sou a pessoa com progeria mais velha do mundo”, diz ele, se referindo à Síndrome de Hutchinson-Gilford, ou progeria, uma doença extremamente rara que afeta 1 em cada 18 milhões de pessoas.

Capa para ampliar infográfico sobre a progeria.
(Nadia Shira Cohen/The New York Times/Arte/Superinteressante)

A progeria, uma junção de termos gregos que significa “prematuramente velho”, enfraquece a estrutura das células, causando efeitos similares aos do envelhecimento – inclusive no sistema cardiovascular, com consequências fatais.

Ao contrário do envelhecimento natural, a síndrome poupa o cérebro, e não causa senilidade. Algo que Sammy, com sua voz rouca e delicada, brinca que pode ser considerado um milagre “ou uma maldição”.

Ninguém esperava que ele sobrevivesse à infância. “Foi bem doloroso para mim”, diz Sammy, ao falar sobre quando percebeu que tinha a doença, e sua expectativa de vida seria diferente.

Um medicamento revolucionário, aplicado nos testes clínicos dos quais Sammy participou, aumentou em pelo menos 2,5 anos a expectativa de vida média de quem tem progeria – que, sem o remédio, é de 14 anos. Isso deu aos cientistas esperança de uma eventual cura para a doença, bem como pistas importantes sobre a senescência humana.

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“Se você pesquisar o envelhecimento prematuro, vai entender melhor o envelhecimento em si”, diz Sammy, que além de portador também é pesquisador da doença: em 2021, ele completou o doutorado em biologia molecular na Universidade de Padova.

Em poucos lugares o envelhecimento é um assunto tão urgente quanto na Itália, onde a idade média da população, 47 anos, está entre as mais altas do mundo.

A baixa taxa de natalidade e a crescente longevidade dos italianos significam que, no futuro, o país terá de lidar com uma explosão na quantidade de idosos e enfermos.

A condição de Sammy lhe dá uma perspectiva única sobre as durezas da velhice. E de como é importante que a Itália, nas palavras dele, continue a “respeitar seus ancestrais”, valorizando a sabedoria deles, e entenda que “limitações físicas não são a coisa mais importante”.

O poder dessa mensagem e a vitalidade de Sammy – seja no grupo de teatro do qual participa, em suas palestras no Ted Talks e frequentes aparições na TV e no rádio – fizeram dele um dos principais ativistas pró-ciência e pró-dignidade humana na Itália.

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Na região do Vêneto, onde Sammy nasceu e vive, multidões o cercam nas ruas. Artistas fizeram estátuas dele, e as autoridades o recrutaram como porta-voz em campanhas contra o coronavírus. Porque Sammy é alguém que pode convencer todas as pessoas: desde as mais jovens, como ele, até as mais idosas e vulneráveis, também como ele, a se vacinar. “Eu vivo essa dualidade”, diz.

Seu corpo miúdo personifica experiências humanas totalmente opostas. Ele é um jovem que parece velho, um adulto que às vezes é tratado como criança. É cientista, mas também um católico devoto. Um paciente de testes clínicos, e também pesquisador.

Sammy e sua mãe em seu quarto.
Sammy e a mãe, Laura. A família descobriu a doença quando ele tinha apenas dois anos de idade. Os médicos disseram que Laura deveria aproveitar cada momento com o filho – pois ele morreria ao entrar na adolescência. (Nadia Shira Cohen/The New York Times/Reprodução)

E um modelo para as cerca de 130 pessoas no mundo, na grande maioria crianças, que têm a síndrome, segundo a Progeria
Research Foundation. Sammy espera que sua fama estimule essas pessoas a pedirem ajuda. “Eu queria que elas aprendessem, olhando para o meu caso, que suas vidas são importantes. Que elas podem ser úteis ao mundo.”

Com frequência, ele demonstra uma sabedoria bem acima das pessoas da sua idade. Mas passar um dia com Sammy na casa da família, em Tezze Sul Brenta [cidade de 13 mil habitantes no norte da Itália, a 150 km de Bolonha], revela que ele é acima de tudo um cara divertido.

Pontua suas frases em (bom) inglês e dialeto vêneto com expressões em iídiche, como “oy-yoy-yoy” [gíria israelense que significa “cruzes!”]. É o astro e a inspiração do Sammy’s Runners Club, grupo de amigos e fãs que correm maratonas para divulgar a causa da progeria.

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Ele sorri enquanto os amigos, que o carregam durante uma corrida, tomam uma lufada de vento gelado. “Eu tô bem. Eles é que estão correndo”, diz.

Em vários aspectos, é um típico italiano do Vêneto, que brinca com os amigos sobre seu apetite infinito e gosto por bebidas. Quando os médicos em Boston disseram que o vinho tinto faria bem ao seu coração, respondeu: “Ah, então eu vou viver para sempre”. Mas Sammy trilhou um longo caminho até conquistar essa leveza.

O Os pais perceberam que ele tinha algo diferente logo após o nascimento. Depois de fazer uma série de testes invasivos, um pediatra se lembrou de uma foto que havia visto num livro médico, e disse que o menino tinha progeria.

Essa doença acontece quando uma determinada mutação genética, que não é hereditária, faz com que o corpo produza grande quantidade de uma proteína, a progerina – cujo nível também aumenta, embora muito menos, em pessoas idosas. Os médicos disseram para os pais aproveitarem cada momento com Sammy, porque ele provavelmente não passaria dos 13 anos de idade.

“Nós ficamos arrasados”, conta a mãe, Laura Lucchin, 53. “Você tem um filho de dois anos, tem seus planos. E aí, não tem mais.” Mas embora Sammy envelhecesse rápido e logo já parecesse ter mais idade do que os próprios pais, “ele nunca foi velho para nós”, diz Laura.

Era uma criança feliz, que raramente reclamava. Ela se lembra de um episódio, em que estava chorando enquanto lavava a louça, e o menino apareceu. “Mãe, me dá um sorriso.”

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Laura sorri bastante para Sammy. Também coça suas costas e o ajuda a calçar seus tênis New Balance – com uma plataforma num dos pés, para ajudar a equilibrar a postura. O pai lhe dá um beijo na cabeça quando chega do trabalho, numa fábrica de malhas.

A garotinha filha do vizinho entra correndo, pula nos braços de Sammy e o enche de beijos. Ela é pequena demais para perceber as diferenças de idade.

No ano 2000, Sammy encontrou outras pessoas com progeria pela primeira vez, num evento em Washington. Foi bom ver gente como ele. Mas outra coisa o impressionou tanto quanto: “Era a primeira vez que eu via pessoas de outros países”, conta.

Em 2007, aos 11 anos, ele voltou aos EUA para participar dos testes de novos remédios. E teve uma crise existencial. Achava que Deus tinha lhe dado a doença por um motivo, e que “tentar curar a progeria seria ir contra o plano divino”.

Mas aí, conta ele, os cientistas e a família o ajudaram a entender “que a ciência é um presente de Deus”, um milagre “para ajudar os outros”.

Mais recentemente, Sammy enfrentou novas adversidades. Em 2022, ele teve pneumonia e dores nos quadris. Em 2019, fez uma cirurgia para reparar a válvula aórtica [que regula a passagem de sangue entre o coração e a artéria aorta].

Ele quis adiar a operação até se formar na faculdade. “Não perdeu nem uma prova sequer”, diz o pai, Amerigo, 56.

De lá para cá, Sammy continuou as pesquisas sobre progeria, cuidou de sua ONG na Itália, e serviu como porta-voz global para a Progeria Research Foundation. “Ele busca formas de ajudar, porque tem isso no seu coração”, diz a médica Leslie Gordon, cofundadora da entidade, cujo filho também tinha progeria – o rapaz, que era amigo de Sammy, morreu aos 17 anos, em 2014.

Leslie acompanha Sammy desde quando ele tinha 3 anos. Ela o viu crescer e se tornar um colega, com o qual pode conversar sobre medicina.

O principal assunto dos dois é a edição genética, que estão ansiosos para testar em pacientes [em 2022, Sammy completou o mestrado com uma tese sobre o uso da técnica CRISPR no tratamento da progeria].

Eles acreditam que isso poderá, eventualmente, reverter os efeitos envelhecedores da doença em crianças. Mas primeiro precisam conseguir financiamento para as pesquisas. Numa era obcecada pelo envelhecimento, com bilhões de dólares investidos em estudos sobre longevidade, Sammy é uma voz poderosa para isso.

Assim que a corrida termina, ele deixa a pista acompanhado dos amigos e dos pais e vai para o pub local, onde devora um hambúrguer enorme, com queijo, bacon e ovo, e toma cerveja.

Sammy e amigos em um boteco.
Ele demonstra uma sabedoria acima da média das pessoas da sua idade. Mas também é um típico rapaz de 27 anos, que faz piadas e gosta de ir ao bar com os amigos. (Nadia Shira Cohen/The New York Times/Reprodução)

Em certo momento, a mãe fala para Sammy não engolir os remédios, que incluem uma droga experimental, com a bebida – e empurra um copo d’água na sua direção. Ele revira os olhos e sorri.

“Eu ainda estou descobrindo quem eu sou, o que vou ser. Aprendi a lidar com a progeria como bebê, criança, adolescente, e agora estou tentando entender como viver com ela como adulto”, diz. “Não sei se vou conseguir. Mas estou tentando.”

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