O que os olhos não vêem
Atenção: as páginas desta reportagem estão cheias de mensagens subliminares. Será que elas têm algum poder para manipular as suas ações?
Texto Mariana Weber
Dê uma olhada nestas páginas. Tem uns prédios e um skatista aí ao redor, não? A seguir, há elefantes e girafas durante um entardecer. Só? Na verdade, estas páginas da Super guardam palavras e imagens secretas. Sem você perceber, seu cérebro está captando fotos e desenhos ocultos de um abacaxi, uma mulher de biquíni e um urso polar, e conselhos como “escute música” e “proteja-se do sol”. No texto que você lê agora, a frase “como bananas” está escondida entre as palavras. Cuidado. Há mais de 50 anos, mensagens subliminares como essas assustam consumidores, fomentam teorias conspiratórias e dividem a opinião dos cientistas.
Na década de 1950, não bastasse o medo dos comunistas, das invasões extraterrestres e da bomba nuclear, os americanos descobriram a propaganda subliminar como um novo inimigo a temer. Em 1957, o consultor de marketing James Vicary deu início à onda de desconfiança contra propagandas que seriam uma forma de lavagem cerebral. Ele disse ter aumentado a venda de pipocas e refrigerante nas sessões do filme Férias de Amor, em um cinema de Nova Jersey, após projetar imagens por milésimos de segundo. Assim como no cinema, músicas esconderiam sons secretos e embalagens guardariam figuras disfarçadas.
Desde então, muita gente acredita que mensagens assim têm um efeito maior que qualquer tipo de propaganda. Manipulariam o inconsciente independentemente do nosso livre-arbítrio. Até hoje, porém, ninguém tem certeza se a indústria da propaganda usa mensagens imperceptíveis para atrair consumidores. Mas uma descoberta de abril deste ano provou que, intencional ou não, a mensagem subliminar tem efeito sobre nós.
Um grupo de psicólogos holandeses afirma ter provado que é possível levar as pessoas a optar por uma marca valendo-se de estímulos imperceptíveis conscientemente. Os psicólogos das universidades de Utrecht e Radboud relataram ter aumentado a preferência pela marca de chá gelado Lipton Ice em um estudo com 105 voluntários. Primeiro, os participantes ganharam balas de alcaçuz salgadas, um petisco holandês que provoca sede. Em seguida, todos foram colocados diante de um computador que exibia instruções sobre a pesquisa. Entre elas, apareciam imagens do chá por 23 milésimos de segundo, rápido demais para o cérebro captar racionalmente. Depois de assistirem os flashes de Lipton Ice, 82% dos participantes escolheram a bebida – a outra opção era água mineral. No grupo que foi exposto a subliminares sem sentido, apenas 20% dos sedentos tomaram a mesma decisão. “A descoberta mostrou uma clara diferença entre os que foram expostos às mensagens e os que não foram”, diz o psicólogo Johan Karremans.
O pesquisador afirma que o estímulo subliminar aumenta a acessibilidade de um conceito na mente. É como se uma idéia que estivesse bem enterrada fosse de repente jogada para a superfície e ganhasse mais força para influenciar o comportamento (na experiência, o conceito é a marca Lipton Ice e o comportamento, a escolha de um meio para aplacar a sede). Outros estímulos têm o mesmo poder, mesmo que não estejam camuflados. Em um estudo da Universidade de Leicester, no Reino Unido, música típica francesa e alemã nos alto-falantes de um supermercado levou consumidores a comprar mais vinhos desses países, sem se darem conta da associação que levou às compras. “Acreditamos que algumas conexões do cérebro deixem alguns termos mais acessíveis”, diz Karremans. “Quando eu digo ‘mesa’, ‘colher’ vai automaticamente ser ativado.”
História
Ao afirmar que a propaganda subliminar é factível, o psicólogo Karremans insere seu nome em uma história em que estudos sérios dividem espaço com teorias conspiratórias. A primeira incursão na área foi feita pelo psiquiatra austríaco Otto Pötzl, que em 1917 expôs pacientes a estímulos visuais rápidos e constatou que posteriormente, de forma distorcida, eles apareciam em sonhos. Mais tarde, nos anos 50, o americano Charles Fisher relatou que, após serem estimulados rapidamente com a imagem de um pássaro entre dois gatos, participantes de um estudo diziam não se lembrar da visão, mas, convidados a desenhar, botavam formas parecidas no papel.
O assunto virou moda quando o jornalista Vance Packard escreveu o livro Nova Técnica de Convencer, em que denunciava uma espécie de complô para manipular a mente dos consumidores. Mais tarde, o experimento foi desacreditado por falta de rigor científico. O próprio Vicary, aquele que disse ter aumentado a venda de pipocas no cinema, admitiu, em 1962, que sua técnica nem sempre dava certo e não tinha validade científica.
Mas já não importava – o medo tinha se espalhado. “O segredo tem sido bem guardado”, disse Wilson Bryan Key em Subliminal Seduction, de 1976, primeira de uma série de obras em que ele denunciava intenções escondidas em todo tipo de imagem: de um prato de mariscos surgia uma orgia e, com algum esforço de percepção, as letras “s”, “e” e “x” (“sexo”, em inglês) apareciam em cubos de gelo, em sombras na pele ou em biscoitos. Segundo Key, palavras com forte significado emocional, captadas de forma subliminar, se fixam na memória inconsciente com o conteúdo relacionado a elas.
Com esses estudos em voga, virou conversa de bar achar mensagens subliminares sobretudo em embalagens, como as de cigarros. Logo o assunto foi banalizado. Bandas de rock esconderiam nas músicas sons perversos. Filmes infantis não escaparam da paranóia. Segundo o site da ong Mensagem Subliminar, que se propõe a “divulgar as mensagens subliminares e todas as suas técnicas criminosas”, em duas cenas de O Rei Leão, partículas formam no ar a palavra “sex”.
Estardalhaços como esses assustaram os cientistas. “Por uma geração de pesquisadores, muita gente ficou desconfiada em relação ao trabalho de Vicary e evitou qualquer envolvimento com seus estudos”, diz Diane Zizak, co-autora do artigo Beyond Gizmo Subliminality (‘Além do Mecanismo de Subliminaridade’) no livro The Psychology of Entertainment Media (‘A Psicologia da Mídia de Entretenimento’, sem edição no Brasil). “No entanto, à medida que a psicologia cognitiva se desenvolveu e explorou os limites da consciência, trabalhos sérios nos campos relativos à percepção subliminar se tornaram mais aceitos”, diz Diane.
O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) informa que não faz comentários sobre propagandas subliminares porque elas simplesmente não existem. Por via das dúvidas, o assunto está no estatuto da entidade: “Este Código não se ocupa da chamada ‘propaganda subliminar’, por não se tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste”. Apesar disso, já houve condenações por causa de subliminares no Brasil (leia quadro ao lado). Em 2002, a MTV foi acusada de exibir cenas de sexo de forma subliminar em uma vinheta – em frames que só podiam ser vistos claramente em câmera lenta. Segundo a promotora de Justiça do Consumidor Deborah Pierri, a emissora alegou que a direção não tinha conhecimento da existência dessas imagens na vinheta, que foi retirada do ar. O caso terminou com um acordo judicial, em que a MTV se comprometeu a promover uma campanha educacional voltada para jovens.
Subliminar é tudo?
Apesar de subliminar muitas vezes ser definido como algo captado abaixo do limiar da consciência, hoje se questiona a idéia de haver um limite dividindo o que pode e o que não pode ser percebido conscientemente. Essa linha divisória seria uma abstração – à medida que o estímulo se torna mais intenso, a probabilidade de que ele seja notado cresce gradualmente. Os estímulos chamados de subliminares seriam pouco intensos – porque têm volume reduzido (no caso dos sons) ou porque estão perdidos no meio de outras mensagens. “Nós podemos extrair informação conceitual de figuras que são projetadas durante aproximadamente 0,1 a 0,2 segundo”, diz o neurobiólogo Valdir Pessoa, da Universidade de Brasília.
Segundo o neurofisiologista Luiz Eugenio Moraes Mello, da Universidade Federal de São Paulo, também é subliminar grande parte das imagens captadas pela visão periférica, ou seja, fora da fóvea, região da retina usada para focalizar objetos. “O processamento desses estímulos ocupa preferencialmente o lado direito do cérebro, mais ligado às emoções, e o armazenamento ocorre de forma paralela ao dos estímulos supraliminares”, diz ele. “A diferença é que não se tem consciência disso.” Como focamos a atenção em um conjunto de estímulos, haverá outros que serão percebidos de forma subliminar.
“Em uma cultura com dados abundantes oferecidos em uma velocidade crescente, as mensagens passam para o inconsciente de forma inadvertida”, afirma Flávio Calazans, autor do livro Propaganda Subliminar Multimídia e maior propagador no meio acadêmico brasileiro do suposto perigo das técnicas subliminares.
Pior: como há pouco limite para aquilo que é ou não percebido conscientemente, a propaganda subliminar pode ser entendida como qualquer peça publicitária que leve você a fazer associações sem se dar conta. Colocar uma modelo sexy ao lado de um carro é um jeito de fazer isso. “De fato, se a mensagem por associação for explícita demais, o sujeito pode rejeitá-la criticamente”, afirma Diane Zizak. Para atingir um homem de 45 anos, cujo pai possivelmente é idoso ou morreu, um filme que mostra uma figura paterna dando ensinamentos tem grande chance de gerar empatia. “O espectador transfere esse sentimento à marca sem ter isso processado claramente”, afirma Paulo Tarsitano, professor de publicidade da Universidade Metodista. Ou seja: é muito difícil que mensagens ocultas estejam sendo veiculadas do modo como fizemos nestas páginas. Mas talvez toda propaganda, sem exceção, seja subliminar.
Foi de propósito?
Camelo ereto
A polêmica mais famosa envolvendo subliminares é a da embalagem dos cigarros Camel. Muita gente enxergou um pênis com testículos ou um pênis e uma vagina no rosto do camelo da marca. A empresa não foi condenada, mas retirou o desenho de circulação.
Democratas ratas
Em 2000, na campanha à Presidência dos EUA, uma propaganda republicana atacava os democratas com o termo bureaucrats (“burocratas”). A última parte da palavra (rats, “ratos”), ocupava a última tomada do anúncio. Coincidência?
Subliminar tupiniquim
A Souza Cruz, a agência Ogilvy & Mather e a produtora Conspiração Filmes foram condenadas em março por veicular, em 2000, uma propaganda dos cigarros Free com subliminares. Para o Ministério Público, havia uma imagem de uma pessoa fumando atrás da figura central, de um artista plástico. As empresas negam e recorrem da sentença, que exige R$ 14 milhões de multa.
Para saber mais
Propaganda Subliminar Multimídia – Flávio Calazans, Summus Editorial, 2006
Televisão Subliminar – Joan Ferrés, Artmed, 1998
The Psychology of Entertainment Media: Blurring the Lines Between Entertainment and Persuasion – L.J. Shrum(org.), LEA, EUA, 2003