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Operação Ártico I: a 1ª expedição científica do Brasil à região do Polo Norte

O Brasil tem décadas de expertise na exploração científica da Antártica, mas só agora estamos marcando presença na outra extremidade do planeta. O pesquisador Luiz Henrique Rosa conta a aventura.

Por Luiz Henrique Rosa
Atualizado em 13 set 2023, 15h27 - Publicado em 13 set 2023, 15h26

*Luiz Henrique Rosa é professor do Depto. de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O texto abaixo saiu originalmente no site The Conversation, que publica artigos escritos por pesquisadores e acaba de ganhar uma versão brasileira. Vale a visita.

O Ártico é uma região estratégica para estudos de questões climáticas, econômicas e ambientais. O derretimento do gelo na região já é tido como irreversível e, portanto, conhecer e entender a biodiversidade que existe no Ártico pode fornecer informações valiosas sobre o impacto das mudanças climáticas, na região e em todo o mundo.

Cerca de 7% do território brasileiro está no Hemisfério Norte e, portanto, mais próximo do Ártico do que da Antártica, sofrendo dele mais influências. O derretimento das geleiras nas regiões árticas provavelmente afetará as regiões próximas (Europa, Canadá e EUA), mas também tem potencial de afetar o litoral norte do Brasil (nossa Amazônia Azul). E o país pode ter um protagonismo científico na área, pois possui uma enorme expertise polar adquirida ao longo de 40 anos de presença na Antártica por meio do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).

Isso torna a presença de pesquisadores brasileiros no Ártico fundamental. Foi assim que, entre os dias 8 e 21 de julho deste ano, uma equipe de cinco cientistas brasileiros e um pesquisador internacional convidado realizou a expedição que inaugurou a participação científica oficial do Brasil no Ártico.

Participaram da Missão Ártico I, além de mim, os professores Paulo Câmara e Micheline Carvalho-Silva, do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UnB); Vívian Nicolau Gonçalves, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Marcelo Ramada, da Pontifícia Universidade Católica de Brasília; e o Dr. Peter Convey, do British Antarctic Survey.

O Brasil é o único país entre as 10 maiores economias do mundo a não ter nenhuma participação nos temas relativos ao Ártico. A primeira missão oficial do Brasil ao Ártico, portanto, também contribuirá para que o país assine o tratado de Svalbard para continuar pesquisas em diferentes áreas do conhecimento na região. Futuramente, o país também poderá pleitear assento como membro observador do Conselho do Ártico e assinar o Tratado do Ártico, o que poderá contribuir para que o Brasil apresente propostas científicas e geopolíticas pacíficas de preservação e pesquisa para região, como é feito para a Antártica.

Círculo azul onde se lê: 1a expedição do Brasil ao Ártico, Operação Ártico I, 77º33'13''N, 23º40.216' E. No centro do círculo, azul claro, vê-se o desenho de montanhas e de um urso polar, com os dizeres Svalbard 2023, e uma bandeira do Brasil
Marca da Operação Ártico I, primeira expedição do Brasil ao Ártico.
Reprodução, CC BY

Resultados e perspectivas da Operação Ártico I

A expedição ao Círculo Polar Ártico se concentrou na Ilha de Spitesbergan, no Arquipélago de Svalbard (Noruega). Nosso objetivo primordial nessa expedição foi a coleta de diferentes amostras de solo, sedimentos, rochas e plantas para conhecer um pouco dos microorganismos e plantas da região e compará-los com os dados que já possuímos dos mesmos organismos presentes na Antártica, onde já realizamos estudos há mais de 10 anos.

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Nos cerca de 10 dias da missão, coletamos várias amostras e pudemos conhecer a logística para estarmos presentes no Ártico. No primeiro dia, utilizamos um bote para acesso a diferentes áreas dentro do fiorde Isfjorden, numa coleta de musgos, rochas e solos para avaliação da biodiversidade que durou aproximadamente 10 horas. Nos dias subsequentes, realizamos coletas em Longyearbyen (a maior cidade do Arquipélago, com aproximadamente 2.500 habitantes) para verificar a biodiversidade de fungos e musgos que ocorrem no seu entorno.

Algumas das amostras de solos e plantas já foram processadas durante nossa estadia em Longyearbyen, onde improvisamos um laboratório no hotel para extração do DNA ambiental dos microorganismos e plantas presentes. Outra parte das amostras, como as rochas, trouxemos para o Brasil, onde estão sendo agora processadas.

Nossa expectativa é que até o final de 2023 possamos obter os resultados, o que nos permitirá entender melhor a biodiversidade existente nas amostras coletadas. Uma das nossas expectativas nessa expedição é verificar a existência de substâncias com potencial de uso como herbicidas, detergentes, anticongelantes ou pigmentos, que podem ser aplicados, por exemplo, na agricultura e na indústria.

Antes mesmo dos resultados científicos da expedição, porém, alguns fatos alarmantes já chamaram nossa atenção: durante a missão, nos deparamos com temperaturas positivas que variaram entre 8 e 15ºC, o que não é normal, mesmo no verão boreal, para a latitude 78ºN (dentro do Círculo Polar Ártico).

Além disso, em um dos dias da expedição, fomos coletar amostras próximo a geleira Longyearbreen, que – como soubemos através dos pesquisadores locais – vem derretendo cerca de 10 metros a cada ano. Essa é uma constatação alarmante, considerando que os polos (Ártico e Antártica) representam os “refrigeradores” do planeta.

O aumento das temperaturas no Ártico, que é um dos reguladores da temperatura do planeta via temperatura dos oceanos, faz com que a região perca influência nessa regulação. Além disso, o verão descongela o gelo marinho, e o inverno o faz congelar novamente. A cada ciclo, contudo, o congelamento é menor, o que eleva o nível do oceano no mundo inteiro.

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nações que vão sofrer com isso, ilhas já estão se perdendo, ficando submersas, gerando imigração. Isso pode ocasionar também a perda da biodiversidade, com a morte de organismos que vivem apenas nesses ambientes e que, com o aquecimento, podem não sobreviver.

No centro da foto vê-se uma concentração de neve da geleira. Nas laterais, as montanhas estão praticamente sem gelo
Geleira Longyearbreen, que vem derretendo cerca de 10 metros a cada ano.
Ian Lara – Projeto Paralelo 60°, CC BY

Há ainda outro efeito possível das mudanças climáticas na região: organismos que estão congelados há muito tempo no Permafrost (camada de solo, em tese, permanentemente congelado), podem se desprender, originando consequências ainda desconhecidas, como novas pragas e doenças.

O descongelamento dessa camada de solo pode implicar ainda na liberação de metano produzido por bactérias e hoje preso no gelo, o que aumentaria o efeito estufa. Infelizmente, não temos como saber ao certo que consequências essas mudanças climáticas podem ter em todo o planeta.

E esse iminente derretimento do Ártico é um fenômeno que pode acontecer também na Antártida, o que, dado a proximidade com o Brasil, teria um maior impacto sobre o país. Uma segunda expedição ao Polo Norte já está sendo planejada, e deve ser realizada no inverno, para que possamos fazer o monitoramento do ar, coletar amostras que não foram possíveis na primeira viagem e comparar os achados com os que acabamos de trazer. Acreditamos que nossa presença no Ártico poderá contribuir para o melhor entendimento e conservação da região Ártica e, consequentemente, também da Antártida. The Conversation

Na foto se vêem montanhas ao fundo, e várias pessoas, com roupas de frio, posando para a foto
Equipes da Missão Ártico I e do documentário Paralelo 60. Da esquerda para direita: Luiz H. Rosa, Peter Convey, Micheline Carvalho-Silva, Marcelo Ramada, Beatriz Starling, Paulo Câmara, Vívian Nicolau e Leandro Lopes.
Ian Lara, CC BY

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article. | Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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