Os EUA correm o risco de perder para a China na nova corrida à Lua
As grandes potências estão com um interesse renovado em levar missões tripuladas ao satélite, algo que não ocorre desde os anos 1970.
Jacco van Loon é professor de astrofísica na Keele University. O texto abaixo saiu originalmente no site The Conversation, que publica artigos escritos por pesquisadores. Vale a visita.
O próximo ser humano a caminhar na Lua falará inglês ou mandarim? Ao todo, 12 americanos pousaram na superfície lunar entre 1969 e 1972. Agora, tanto os Estados Unidos quanto a China estão se preparando para enviar astronautas de volta ao satélite, ainda nesta década.
O programa dos Estados Unidos, no entanto, está atrasado, em parte porque os trajes espaciais e o veículo de pouso não ficaram prontos. Enquanto isso, a China prometeu colocar humanos na Lua até 2030 – e tem o hábito de cumprir cronogramas.
Há apenas alguns anos, tal cenário parecia improvável. Mas, agora, tudo indica haver uma possibilidade real de que a China possa vencer os Estados Unidos em uma corrida que os EUA, sem dúvida, definiram. Então, quem retornará para lá primeiro? E, isso realmente importa?
O programa lunar atual da Nasa é chamado Artemis. Os Estados Unidos envolveram parceiros internacionais e comerciais para dividir os custos. A Nasa estabeleceu um plano para colocar pés americanos de volta em solo lunar ao longo de três missões. Em novembro de 2022, lançou sua cápsula Órion para uma volta ao redor da Lua sem humanos a bordo. Esta foi a missão Artemis I.
Artemis II, programada para o final de 2025, é semelhante à Artemis I, mas, desta vez, a cápsula Órion transportará quatro astronautas. Eles não pousarão. Esse feito será deixado para a Artemis III. Nesta terceira missão, a Nasa enviará um homem e a primeira mulher à superfície lunar. Embora ainda não tenham sido nomeados, um deles será a primeira pessoa de cor na Lua.
O lançamento da missão Artemis III estava programado para este ano, mas o cronograma foi suspenso várias vezes. Uma revisão em dezembro de 2023 deu uma chance em três de que a missão III não seja lançada até fevereiro de 2028. Atualmente, ela está programada para acontecer não antes de setembro de 2026.
Enquanto isso, o programa espacial da China parece avançar rapidamente, sem falhas ou atrasos significativos. Em abril de 2024, autoridades espaciais chinesas anunciaram que o país estava a caminho de colocar seus astronautas na Lua até 2030.
É uma trajetória extraordinária para um país que lançou seu primeiro astronauta em 2003. A China opera estações espaciais desde 2011 e vem realizando conquistas importantes e desafiadoras por meio de seu programa de exploração lunar Chang’e.
Essas missões robóticas retornaram com amostras da superfície, incluindo do lado mais distante da Lua. Elas testaram tecnologias que podem ser cruciais para o pouso de humanos. A próxima missão chinesa pousará no polo sul lunar, uma região que atrai intenso interesse por causa da presença de água congelada em crateras na sombra.
Essa água poderia ser usada para suporte de vida em uma base lunar e transformada em combustível de foguetes. Produzir propelentes na Lua seria mais barato do que trazê-los da Terra, tornando a exploração lunar mais acessível. É por essas razões que a Artemis III também pousará no polo sul lunar. Em resumo, este é o local planejado, igualmente, para as bases lideradas pelos Estados Unidos e pela China.
Em 28 de setembro de 2024, a China exibiu um traje espacial que será usado por seus caminhantes lunares. O traje foi projetado para proteger o usuário contra variações extremas de temperatura e radiação solar direta. É leve e flexível. É um sinal de que a China já está ultrapassando os Estados Unidos em um aspecto da corrida lunar? A empresa que fabrica o traje lunar para as missões Artemis, a Axiom Space, está tendo que modificar vários aspectos do design de referência fornecido pela Nasa.
O módulo de pouso que levará os astronautas americanos da órbita lunar até a superfície também está atrasado. Em 2021, a SpaceX, de Elon Musk, recebeu o contrato para construir este veículo. Ele é baseado no foguete Starship da SpaceX, que consiste em uma nave de 50 metros de comprimento, lançada pelo foguete mais potente já construído.
Em 13 de outubro de 2024, o Starship fez seu quinto voo de teste bem-sucedido. Mas são necessárias várias etapas desafiadoras antes que o seu Sistema de Pouso Humano possa levar astronautas até a superfície lunar. o Starship não pode voar diretamente para a Lua – o foguete deve ser reabastecido na órbita da Terra (usando outras naves que atuam como “tanques” de propelente). A SpaceX precisa demonstrar o reabastecimento e realizar um pouso de teste na Lua sem tripulação antes que a Artemis III possa prosseguir.
Além disso, durante a missão Artemis I, o escudo térmico da Órion sofreu danos consideráveis enquanto a espaçonave fazia a reentrada em alta temperatura na atmosfera terrestre. Engenheiros da Nasa têm trabalhado para encontrar uma solução antes da Artemis II.
Muito complicado?
Alguns críticos argumentam que o programa Artemis é muito complexo, referindo-se à maneira intrincada em que os astronautas e o módulo de pouso na Lua serão reunidos na órbita lunar, ao grande número de parceiros comerciais que operam independentemente e ao número de lançamentos necessários do Starship. Dependendo a quem você perguntar, a resposta é que é preciso entre quatro e 15 voos do Starship para completar o reabastecimento para Artemis III.
O ex-chefe da Nasa Michael Griffin defendeu uma estratégia mais simples, muito em linha com a forma como a China espera realizar seu pouso lunar. Em sua visão, a Nasa conta com parceiros comerciais tradicionais, como a Boeing, em vez de relativos “novatos”, como a SpaceX.
Mas o que é simples não é necessariamente o melhor ou mais barato. O programa Apollo foi mais simples, mas custou quase três vezes mais do que o Artemis. A SpaceX tem sido mais bem-sucedida e econômica do que a Boeing (empresa aeroespacial que levou os primeiros humanos à Lua) no envio de equipes para a Estação Espacial Internacional.
Novas tecnologias não são desenvolvidas por meio de abordagens simples e testadas, mas em esforços ousados que rompem limites. O Telescópio Espacial James Webb é altamente complexo, com seu espelho duplo e posição distante no espaço, mas permite que os astrônomos observem as profundezas do Universo como nenhum outro telescópio alcança. A inovação é especialmente crucial tendo em mente ambições futuras, como a mineração de asteroides e uma colônia em Marte.
É importante que os primeiros humanos na Lua do século XXI sejam chineses ou americanos? Essa é, em grande parte, uma questão sobre o relacionamento entre os governos e seus cidadãos, e entre nações.
Governos democráticos dependem de apoio público para garantir o financiamento de empreendimentos caros e de longo prazo – e o prestígio é um importante argumento de venda. Mas o prestígio em uma corrida à Lua do século XXI será conquistado se o programa for bem feito, e não porque chegou antes. Correr para voltar à Lua pode custar caro, tanto financeiramente quanto em risco à vida humana.
Os governos devem dar o exemplo de comportamento responsável. Paz, inclusão e sustentabilidade devem ser os princípios orientadores. Voltar à Lua não deve ser uma questão de domínio ou superioridade. Deve ser uma chance de mostrar que podemos melhorar a forma como nos comportamos na Terra.