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Prêmio Nobel: Foi quase

A última entrevista de César Lattes, o mais importante físico da história do país e cientista brasileiro que mais perto chegou do Prêmio Nobel

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 mar 2005, 22h00

Daniel Azevedo

No dia 24 de maio de 1947, o mundo foi informado de que, ao contrário do que aprendemos na escola, a composição do átomo não se resume a nêutrons, prótons e elétrons. A prestigiada revista Nature anunciou a descoberta e a comprovação da existência da partícula subatômica méson pi, responsável pela ligação das partículas nucleares, e sem a qual tudo o que chamamos de matéria não poderia existir. Por trás da pesquisa, decisiva para a exploração do átomo e favorita ao Nobel de Física desde o momento em que foi divulgada, estava o brasileiro César Lattes. Ele tinha 22 anos.

O prêmio não veio. E menos de um ano após descobrir o méson pi, Lattes chacoalhou a ciência novamente ao reproduzi-lo artificialmente. Dessa vez o experimento levou o Nobel, mas quem ficou com a honraria foi o americano Cecil Powell, que era chefe do brasileiro e não tinha participado diretamente das pesquisas. Ninguém entendeu. “Deixa isso pra lá, prêmios grandiosos não ajudam a ciência”, dizia.

Desde a morte da esposa, há dois anos, Lattes saía pouco de sua casa em Campinas, interior de São Paulo. Foi lá que recebeu o repórter Daniel Azevedo, colaborador de um jornal científico de São Carlos, para aquela que seria sua última entrevista, no final de fevereiro. O físico morreu de parada cardíaca no dia 8 de março, aos 80 anos.

Sem exagero, os obituários o descreveram como o mais importante físico brasileiro de todos os tempos. Além da descoberta e criação artificial do méson pi, ele ajudou a criar o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF ) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O merecido Nobel acabou vindo postumamente, na forma de um erro de imprensa: ao anunciar a morte de Lattes, a agência de notícias Associated Press (AP) o descreveu como “físico ganhador de um Prêmio Nobel.”

Você faz críticas seguidas a algumas das mais respeitadas teorias da física. Em especial, ao surgimento do Universo a partir de uma explosão, o big-bang. Como o Universo pode ter surgido sem um ponto inicial?

Ele pode ter tido vários núcleos iniciais. Por que não? Acredito em um Universo indefinido, que é diferente de iniciado ou infinito. Qualquer teoria que tente explicar a origem do Universo é bobagem. O big-bang é a teoria de um traque, uma charlatanice. Na verdade, nem mesmo é uma teoria. É apenas uma hipótese. Perguntam para mim: então, de onde surgiu a matéria? A resposta é: não sabemos. O que existe de real são apenas dados experimentais. As pessoas afirmam coisas sobre as quais não se pode fazer experiências para comprovar.

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Albert Einstein também recebeu críticas suas. Quais foram os erros dele?

A teoria da relatividade começou a ser concebida por volta de 1880 por um físico francês chamado Jules Poincaré. Depois, Einstein fez uma teoria da gravitação fajuta, que chamou de relatividade geral, algo que não existe. Einstein, na verdade, é um plagiador. Este ano completamos 100 anos da divulgação da teoria da relatividade e até hoje ninguém o desmascarou.

Quem, então, é o mais importante físico moderno?

São dois: Niels Bohr e Ernst Rutherford. Eles são dois monstros. O Rutherford, que descobriu a existência do núcleo atômico [em 1911], era mais pé-no- chão. O Bohr [teórico da estrutura e dos espectros atômicos, ganhador do Nobel de Física em 1922], mais visionário: morreu tentando convencer os americanos a não fazerem a bomba atômica.

Como você avalia a importância da descoberta do méson pi?

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Por volta de 1946, eu estava com a idéia fixa de que havia partículas intermediárias que garantiam a ligação entre prótons e nêutrons. Na verdade, já se sabia que seria impossível existir matéria sem essas partículas, sem elas não haveria ligação no núcleo atômico. Demonstrar a existência do méson pi foi útil para entendermos como uma forma de energia se transforma em outra. Mas a importância é antes de tudo teórica, não diria que ela abriu perspectivas na física aplicada. Até hoje não existe uma máquina que funcione graças à descoberta. Apenas entendemos que esta partícula está em toda matéria.

E como foi o processo para a descoberta e criação artificial do méson pi?

Foi uma grande aventura. Durante as pesquisas, precisava fazer uma experiência numa cidade com grande altitude. Escolhi Chacaltaya, na Bolívia, para onde voaria com uma companhia aérea inglesa. Logo depois, fui aconselhado a não viajar em aviões ingleses, que ainda enfrentavam problemas mecânicos por culpa da Segunda Guerra, que acabara um ano antes. Troquei a passagem para um avião brasileiro, da Panair. Quando cheguei, fiquei sabendo que o avião inglês havia se esborrachado no Senegal.

Você tinha 22 anos quando demonstrou a existência do méson pi. Como a notícia de que um jovem descobrira algo tão importante foi recebida?

Entre os cientistas, a recepção foi normal. Na época, outros grupos estavam fazendo pesquisas parecidas, então não foi uma surpresa. Mais forte foi a atenção da imprensa européia e do Brasil. A notícia saiu na primeira página de vários jornais.

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Você acha que o fato de ser brasileiro contribuiu para que outro pesquisador ganhasse o Nobel de Física nas pesquisas em que você participou?

Apesar de a comissão julgadora ser formada por ingleses, acredito que não foi minha nacionalidade que pesou na decisão do vencedor. Tanto na descoberta do méson pi, em 1946, como na sua criação artificial, em 1948, tive colaboração do Giuseppe Occhialini. Quem deveria ter ganho era ele. E, em 1950, quem levou o prêmio foi o Cecil Powell, que também participou do trabalho. Mas deixa isso para lá. Esses prêmios grandiosos não ajudam a ciência.

Cientistas costumam ter uma relação conturbada com a religião. Como você lida com a fé?

Não tenho ligação com a religião. Tenho em casa algumas bíblias que ganhei. São livros bonitos, mas com os quais eu não tenho qualquer relação. Não sei como religião e ciência se aproximam. Como um Deus onipotente deixa acontecer um maremoto que mata centenas de milhares de pessoas?

O que pode ser feito para avançarmos no conhecimento da física no Brasil?

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Acho que está sendo feito o necessário, dentro da possibilidade brasileira. Acho apenas que o ensino da física deveria ter mais experiências. É sempre melhor que o aluno faça o próprio equipamento. Hoje, ninguém constrói o próprio equipamento – vai à loja e compra. Isso é ruim porque coisas compradas limitam os resultados.

Qual a contribuição que a física ainda pode dar à vida na Terra?

A física só explica e entende a natureza. Aplicá-la é outra questão. Com a física fica muito mais fácil obter coisas que no passado eram penosas. Mas existem problemas novos que a física ainda não conseguiu abarcar. E eu não tenho idéia do que poderá ser feito com novos conhecimentos.

A física ainda tem muito a explicar?

Em relação ao que ainda está aí para ser descoberto, falta tudo.

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César Lattes

• Gostava muito de música. Entre seus favoritos estavam a cantora lírica Maria Callas, os compositores Vivaldi e Villa-Lobos e a dupla caipira Pena Branca e Xavantinho

• Era apaixonado pela cidade do Rio de Janeiro

• Quando tinha tempo livre, gostava de tirar fotos, seu principal hobby

• Adorava os filmes de suspense do diretor Alfred Hitchcock

• Lia muitos livros, em especial autores clássicos

• Fumou até os últimos dias de vida – inclusive durante esta entrevista

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