Rumo a Proxima Centauri
A estrela mais perto do Sistema Solar abriga um planeta que pode ter água líquida (e vida), o Proxima b. Mas como mandar uma sonda até lá?
A descoberta de um planeta potencialmente habitável em torno de Proxima Centauri, a estrela que fica mais perto do Sistema Solar, deixou todo mundo entusiasmado. Em termos interestelares, Proxima é praticamente geminada com o Sol. Pense nas Três Marias. Cada uma delas fica a 1,3 mil anos-luz da Maria seguinte. Nossa vizinha Proxima, para você ter uma ideia, está a meros 4,25 anos-luz daqui. Só isso.
Ou tudo isso. Proxima Centauri e seu planeta, o Proxima b, fazem parte de um sistema estelar que contém duas outras estrelas de porte similar ao Sol, Alpha Centauri A e B. No nosso céu, a olho nu, essas duas aparecem como uma só, como o astro mais brilhante na constelação do Centauro, pertinho do Cruzeiro do Sul; a pequena Proxima, por sua vez, fica um pouquinho mais para o lado, mas só com um telescópio poderoso se pode captar daqui seu débil brilho de anã vermelha. Isso já dá ideia de que 4,25 bilhões de anos-luz não representam uma distância trivial. Mas vamos aos números.
Tome como padrão de comparação a distância média da Terra ao Sol, nossa estrela mais próxima. Dá 150 milhões de quilômetros. Pode parecer muito, mas é um nada para o cosmos. Tanto que os astrônomos usam essa distância como unidade de medida para lidar com distâncias cósmicas dentro do Sistema Solar. É “unidade astronômica” (UA).
A Terra, naturalmente, fica a 1 UA do Sol. Marte, um cadinho mais longe, está a 1,4 UA do Sol. Júpiter, o planeta seguinte, está a 5,2 UA. Plutão, a 39,5 UA. Mas e Proxima Centauri? A estrela fica a 268 mil UA, com margem de erro na casa de 1.000 UA para mais ou para menos. Exato: só a margem de erro no cálculo da distância já dá 25 vezes a distância entre a Terra e Plutão.
E aí que a coisa complica. Nossas sondas são boas em lidar com distâncias interplanetárias medidas em um punhado de unidades astronômicas, mas totalmente inadequadas para um voo interestelar.
Quer ver? A essa altura, já lançamos umas poucas sondas interplanetárias que atingiram velocidade suficiente para se libertar da gravidade do Sistema Solar e partir rumo ao espaço entre as estrelas. Seus nomes: Pioneer 10 e 11, Voyager 1 e 2 e, a mais recente, New Horizons, que passou por Plutão no ano passado. Dessas, a que está mais longe e viajando mais depressa é a Voyager 1, lançada em 1977.
Depois de 40 anos, ela está agora a 136,7 UA da Terra – ou míseras 19 horas-luz. A velocidade é de 3,6 UA por ano, ou, em unidades do dia a dia, cerca de 61.200 km/h. Rápido, mas nem perto de suficiente. Se estivesse avançando na direção de Proxima Centauri (não está), chegaria na atual posição da estrela em 75 mil anos. Moral da história: com nossas tecnologias correntes de voo espacial, não vai rolar. Precisaremos de algo novo, algo diferente. E a boa notícia é que alguns físicos já têm queimado neurônios nesse problema há algumas décadas.
Uma das ideias mais antigas para realizar uma missão interestelar envolve bombas nucleares. Nos anos 1950, os cientistas estavam profundamente incomodados com o bebê maldito que haviam parido – a bomba atômica. Eles adorariam dizer que havia um jeito de usar essa invenção nefasta para fins pacíficos. Então, começaram a discutir a criação de uma espaçonave nuclear movida a bomba atômica.
O projeto, batizado de Órion, nasceu em 1958, sob a liderança de Ted Taylor, da empresa americana General Atomics, e do famoso físico britânico Freeman Dyson. A ideia era basicamente desenvolver uma nave equipada com um imenso amortecedor traseiro, capaz de absorver a onda de choque vinda de uma bomba atômica detonada logo atrás dele.
Alguns projetos para levar uma nave a Proxima b envolvem um combustível inovador: os conceitos mais complexos e inescrutáveis da física.
E assim a nave ganharia gradualmente aceleração. Detona uma bomba, ela acelera um pouco. Solta outra, ela avança um pouco mais. Mais uma, mais um pouco de velocidade.
Os pesquisadores calcularam o potencial de uma nave assim para viagens interestelares. E, olha, até dava pé. Uma nave com respeitáveis 100 metros de diâmetro, pesando 400 mil toneladas (carregada) e equipada com 300 mil bombas atômicas poderia atingir 10% da velocidade da luz (ou 0,1 c, para os aficionados por terminologia interestelar). Isso bastaria para percorrer os 40 trilhões de quilômetros que nos separam de Proxima Centauri. Não, ainda não é o que se pode chamar de “expresso interestelar”, mas trata-se de um salto brutal em relação às tecnologias anteriores. E até hoje há quem faça novos projetos e simulações baseados nesse conceito radical.
O que parece menos possível até agora é convencer governos e opinião pública de que esse método literalmente força-bruta é o melhor para levar a humanidade às estrelas. Com efeito, qualquer teste prático do projeto acabou interrompido com os tratados de não proliferação nuclear dos anos 1960, que inibem testes com artefatos atômicos.
Ou seja, por enquanto, propostas similares às do projeto Órion entram na categoria “pode esperar sentado”. Mas há, felizmente, algumas alternativas.
Vamos à primeira. Se a luz é a coisa mais rápida que existe, não existiria algum meio de nos aproveitarmos disso para alcançar as estrelas? Essa estratégia também tem sido estudada há décadas: talvez possamos viajar pelas estrelas como um dia cruzamos os oceanos, usando veleiros.
A tecnologia de velas para propulsão espacial passou por dois testes importantes, recentemente. Em 2010, a Jaxa, agência espacial japonesa, lançou a sonda Akatsuki na direção do planeta Vênus, e junto com ela foi uma pequena espaçonave de teste, chamada Ikaros. Era um veleiro. No espaço, ela abria suas finas velas – quatro segmentos triangulares formando um quadrado – e usava a luz solar como propulsor.
A ideia é que as partículas de luz do Sol, ao baterem numa superfície brilhante, reflexiva, transferem um pouquinho de sua energia de movimento para a espaçonave, empurrando-a suavemente. Se sua nave for leve, e as velas grandes, o impulso pode ser suficiente para acelerá-la sem usar combustível – o que é fundamental, pois é impossível carregar combustível convencional a bordo em quantidade suficiente para chegar a velocidades comparáveis à da luz.
Pois bem, a Ikaros foi a primeira a testar o conceito e demonstrar que, sim, dá para impulsionar uma sonda dessa forma. Só tem um problema: se você quer ir até Proxima Centauri, vai ter de se afastar do Sol. E, quanto mais longe você estiver, menos luz dele você terá para continuar acelerando. Resumo da ópera: você precisa de outra fonte de luz, que não seja a solar.
E agora? Quem poderá nos ajudar? Provavelmente um bilionário russo, Yuri Milner. Ele se dispôs a investir US$ 100 milhões no “projeto Starshot”, uma iniciativa anunciada com toda pompa pelo físico britânico Stephen Hawking.
A ideia do Starshot é construir uma rede de canhões laser em solo, capazes de disparar um feixe bem concentrado em direção ao espaço. A proposta original foi desenvolvida pelo físico Philip Lubin, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. Esse conjunto funcionaria como um “supersol” concentrado, capaz de acelerar rapidamente um veleiro superleve até cerca de 0,2 c, ou 20% da velocidade da luz. Leve mesmo, no caso. Toda a eletrônica embarcada iria num único chip, deixando todo o espaço possível para as velas.
Uma vez lançada a sonda, ela poderia alcançar Proxima Centauri em pouco mais de 20 anos. Aí a coisa já começa a ficar com cara de missão tradicional – a New Horizons foi lançada em 2006 e chegou a seu alvo principal, Plutão, 9,5 anos depois.
“Estamos propondo um sistema que permitirá dar o primeiro passo na direção da exploração interestelar, usando propulsão de energia dirigida combinada com sondas em miniatura”, diz Lubin. “Podemos já visualizar a combinação dessas tecnologias para permitir uma abordagem realista de como mandar sondas para bem longe do Sistema Solar.”
Um detalhe desconfortável é que, usando os lasers para acelerar, os cientistas não têm muita ideia ainda de como poderiam frear a nave, uma vez que ela chegasse a seu destino. Não é bem um motivo para desistir. Todas as missões espaciais para alvos interplanetários começaram apenas como sobrevoos rápidos. Foi assim com a New Horizons e a primeira visita a Plutão. A questão é: dá para fazer ainda melhor que isso mais adiante? Bom, alguns experimentos que já começam a ser desenvolvidos apontam na direção de soluções ainda mais sofisticadas. Uma delas é conhecida pelo nome de EmDrive, algo como “motor eletromagnético”. A ideia ali beira a magia: a nave usaria o próprio vácuo como combustível. Não que o vácuo produza energia do nada. Mas a mecânica quântica prevê que o vazio do espaço, na escala infinitesimal, não tem absolutamente nada de vazio. É um lugar cheio de turbulências, onde partículas surgem e desaparecem o tempo todo. Um EmDrive, então, canalizaria de alguma forma esse turbilhão quântico para mover uma nave.
Parece ficção. E ainda é ficção. Mesmo assim, laboratórios no Reino Unido, na China e nos EUA têm testado protótipos de EmDrives. Na Nasa em particular, um físico chamado Harold White trabalha só com essas coisas loucas que supostamente não deveriam funcionar. E, pelo menos de acordo com os resultados preliminares, os EmDrives funcionam.
White andou fazendo alguns cálculos e sugere que um EmDrive poderia impulsionar uma sonda a 9,4% da velocidade da luz, com um tempo de viagem total até Proxima Centauri de cerca de 90 anos.
Parece pior que a vela empurrada por laser, mas a vantagem aí é que o sistema de propulsão está embarcado. Em tese, você pode frear do mesmo modo que acelerou e se colocar em órbita. Uma bela vantagem.
Ainda assim, é frustrante saber que o Universo nos impõe um limite de velocidade absoluto. Nada pode viajar mais rápido que a luz, o que faz o tempo mínimo de viagem até Proxima Centauri ser, sob qualquer hipótese, de ainda pouco confortáveis 4,25 anos – mesmo com uma nave que atingisse 99,9999 c, ainda não daria para os nossos tataranetos passarem as férias nas eventuais praias de Proxima b, certo?
Hum, mais ou menos.
O limite de velocidade da luz é uma imposição da teoria da relatividade geral – a melhor compreensão que temos de como o tempo e o espaço funcionam. Então não tem jeito: o limite de 300 mil km/s jamais será revogado.
Mas tem uma pegadinha, permitida pela própria relatividade. A teoria de Albert Einstein sugere que o espaço não é fixo, imutável. Ele é como um tecido. Você pode dobrá-lo, curvá-lo, engruvinhá-lo, dependendo da configuração de matéria e energia na região em que você estiver. Então, veja, você não pode viajar mais depressa que a luz no espaço, mas pode encurtar o espaço à sua frente e, mesmo se deslocando mais devagar que a luz por ele, cobrir uma distância maior do que a que a luz cobriria.
É o conceito de dobra espacial, usado pela primeira vez na ficção da série de TV Star Trek, também conhecida nessas bandas como Jornada nas Estrelas.
Em 1994, o físico mexicano Miguel Alcubierre fez contas baseadas na relatividade para verificar se uma nave poderia criar uma bolha de dobra espacial em torno de si, como na ficção científica, e fazer viagens que, do ponto de vista prático, seriam mais rápidas que a luz.
A boa notícia é que ele concluiu que, sim, seria possível criar uma geometria do espaço-tempo compatível com isso. A má notícia é que seria preciso de um total de energia equivalente à massa do planeta Júpiter e que seria necessário usar doses cavalares de algo conhecido como “energia negativa”.
Em 1948, o físico holandês Hendrik Casimir descreveu um efeito em que duas placas metálicas paralelas sofreriam uma atração natural, e a razão é a existência de menos energia entre elas do que fora delas – ou seja, entre as placas, a densidade de energia seria, para todos os efeitos, negativa.
Esse efeito foi observado experimentalmente em 1997, o que prova que, ao menos, a “energia negativa” existe. A questão é: podemos gerar o suficiente para criar uma bolha de dobra?
Harold White, da Nasa, acredita que sim. E está tentando criar um pequeno efeito de dobra em laboratório, que poderia demonstrar a viabilidade física do fenômeno. Calculando o potencial da tecnologia, White descreve uma sonda capaz de ir até Proxima Centauri a uma velocidade aparente de 10 c, dez vezes mais rápido que a luz. Ela poderia chegar lá em meros seis meses.
Sim, tudo isso ainda mora no mundo da ideias. Mas dá um certo conforto a noção de que os cientistas não jogaram a toalha a respeito de voos interestelares, e parecem estar cheios de ideias que podem torná-los praticáveis, de um jeito ou de outro, nas próximas décadas. Quem sabe não iremos comemorar o primeiro século de exploração espacial, em 2057, com o lançamento da primeira nave interestelar?
Cruzar os 40 trilhões de quilômetros que separam a Terra do planeta Proxima b requer tecnologias inovadoras, mas não impossíveis.
Movido a bomba
Velocidade 0,1 c / Tempo de viagem 43 anos / Possibilitômetro ■■■□□
Freeman Dyson, uma lenda da física, imaginou uma nave movida a bombas nucleares. As simulações mostram que uma nave assim, mesmo com 100 metros de diâmetro e 400 mil toneladas, poderia chegar a 10% da velocidade da luz, alcançando Proxima Centauri em 43 anos.
Veleiro de luz
Velocidade 0,2 c / Tempo de viagem 20 anos / Possibilitômetro ■■■■□
Partículas de luz solar batem na vela (a estrutura aqui embaixo), e empurram suavemente a espaçonave. Para acelerá-la a 20% da velocidade da luz, precisaríamos usar um canhão laser descomunal como propulsor. A boa notícia: o projeto já ganhou US$ 100 milhões para sair do papel.
Movido a vácuo
Velocidade 0,094 c / Tempo de viagem 90 anos / Possibilitômetro ■■□□□
Um motor impulsionado por mecânica quântica. Essa é a ideia por trás do EmDrive. Uma nave como esta aqui embaixo usaria essas cavidades enormes para canalizar o turbilhão de fenômenos quânticos que ocorrem no vácuo e, de alguma forma, converter isso em energia.
Dobrando o espaço
Velocidade 10 c / Tempo de viagem 6 meses / Possibilitômetro ■□□□□
Atravessar o espaço a uma velocidade maior que a da luz é impossível. Mas “dobrar” o espaço, encurtando, na prática, uma distância descomunal é algo que as leis da física permitem. E só com elas será possível chegar a Proxima b em menos de quatro anos.