Seis meses depois, hospedeiro intermediário do coronavírus continua incerto
Cientistas ainda não conseguiram cravar qual animal passou o coronavírus para os humanos. Mas tudo indica que ele é fruto de uma intromissão indevida da humanidade na vida selvagem.
Nesta semana, mais de cem países entraram com um pedido na Organização Mundial da Saúde (OMS) para se abrir uma investigação independente e imparcial sobre as origens do novo coronavírus – e sobre a resposta inicial que o mundo teve à pandemia. A iniciativa, liderada pela União Europeia, está sendo debatida entre os países membros e já recebeu apoio inclusive da China, onde os primeiros casos despontaram. Enquanto isso, cientistas de todo o mundo já estão em uma missão parecida há quase seis meses: tentar descobrir qual foi o animal que passou o novo coronavírus para os humanos.
É praticamente consenso de que a Covid-19 é uma doença de origem zoonótica (algumas teorias da conspiração dizem que ele foi criado em laboratório, mas não só não existem evidências para isso como todos os estudos apontam o contrário). Na natureza, há incontáveis coronavírus circulando entre animais selvagens. Só sete conseguem infectar humanos – o SARS-CoV-2 é o mais recente deles. Resta saber qual animal hospedou o vírus antes dele saltar para os humanos. Mas essa não é uma tarefa fácil.
O primeiro, e talvez principal suspeito, foi o morcego. Esses mamíferos voadores são conhecidos por hospedar diversos vírus sem ficar doentes, e o coronavírus mais parecido ao da Covid-19 já encontrado estava exatamente em um morcego – a semelhança genética é de até 96%. Mas a hipótese que mais tem força é a que o vírus surgiu em morcegos, mas precisou de um hospedeiro intermediário para chegar até nossa espécie, já que 96% não é uma semelhança tão grande assim (espera-se uma taxa de mais ou menos 99% de correspondência para cravar o culpado). Além disso, outras doenças causadas por coronavírus, como a Mers e a Sars, também surgiram em morcegos, mas chegaram aos humanos através de camelos e civetas (mamífero carnívoro que se parece com um furão e que você pode ver abaixo), respectivamente.
Em algum momento você já deve ter ouvido falar do pangolim nesta história. Como já relatamos aqui na SUPER, ele já foi um bom candidato a ocupar este posto após vírus parecidos serem encontrados em animais resgatados do tráfico. Novas evidências, porém, mostraram que, a semelhança não chega a ser grande o suficiente para batermos o martelo. Mesmo assim, ele é o único animal além do morcego a ter um vírus parecido com o que está infectando humanos, então continua encabeçando a lista de suspeitos.
Para saber com certeza a origem do vírus, só encontrando o Sars-CoV-2, ou um vírus extremamente parecido em algum animal – foi assim com outras doenças virais. Sem contar que deve haver cuidado para se certificar que o vírus partiu deste animal mesmo, e não chegou a ele através de nós, humanos. No caso da Mers, em 2002, estudos sugerem que civetas saudáveis foram contaminados em mercados de rua da China, assim como os humanos.
Muitos cientistas já alertam que com o novo coronavírus, talvez, nunca encontremos de fato o culpado. Nesse caso, o que nos resta é usar técnicas alternativas à procura direta nos bichinhos. Em laboratório, cientistas já estão verificando quais animais possuem o receptor celular suscetível ao vírus, e que, portanto, podem ser infectados por ele.
Saber para quais tipos de animais o vírus conseguiu se adaptar pode dar dicas do caminho percorrido pelo animal na natureza, além de nos alertar sobre quais animais podem vir a infectar humanos no futuro. Além de morcegos, já sabemos que furões, macacos, hamsters e gatos são vulneráveis ao vírus, e casos de cachorros e tigres infectados por humanos também foram registrados fora de laboratórios. Mas isso não significa necessariamente que algum destes animais possa transmitir o vírus – apenas de que eles, assim como nós, são suas possíveis vítimas.
De qualquer forma, os esforços ainda devem se concentrar em animais que tem contato próximo com morcegos, segundo cientistas. Além de fazer a humanidade repensar suas práticas de higiene, a epidemia atual serve de alerta sobre como o comércio de vida selvagem representa um perigo imenso para humanos. Depois da pandemia, a China já chegou a banir totalmente a prática – algo que aconteceu também em 2003, por causa da Sars. É torcer para que, dessa vez, a proibição venha para ficar.