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Yes, nós temos dinossauros

Eles reinaram em quase todas as regiões do que hoje nós chamamos de Brasil. Pouca gente sabe, mas viveu por aqui há 230 milhões de anos o candidato número um a dinossauro mais antigo do mundo. Era o estauricossauro. E era gaúcho.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 30 jun 1994, 22h00

Maria Inês Zanchetta

Em maio do ano passado, em entrevista na Academia Brasileira de Ciências, o paleontólogo Diógenes de Almeida Campos manifestou uma ponta de inconformismo. Um inconformismo bem brasileiro. Comentando a descoberta do Eoraptor, anunciada quatro meses antes, como o dinossauro mais antigo do mundo, com cerca de 225 milhões de anos, o paleontólogo perguntou: “E o nosso estauricossauro”?

A pergunta tinha razão de ser. Afinal, o esquecido estauricossauro, de aproximadamente 230 milhões de anos de idade, é mais velho que o Eoraptor. Verdade que a diferença de idade entre os dois, 5 milhões de anos, é uma bagatela de tempo, levando-se em conta os padrões da Paleontologia. Ainda assim, a lembrança de Almeida Campos é justa. Na época do estauricossauro não havia Brasil, nem Portugal, nem índios, mas já que os dinossauros são tão populares por que não falamos de um produto doméstico? O estauricossauro, por exemplo. Ou melhor: o nosso estauricossauro. Ou melhor ainda: esse desconhecido estauricossauro.

Fora da comunidade científica ele é ignorado. Nem seu esqueleto está no Brasil. Para vê-lo é preciso dar uma chegada ao Museu de Zoologia Comparada de Harvard, nos Estados Unidos. Antes de protestar contra o aparente “roubo”, porém, os nacionalistas precisam saber que isso era comum algumas décadas atrás. O crânio e os ossos do estauricossauro, encontrados pelo paleontólogo gaúcho Llewellyn Ivor Price, em 1936, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, saíram do país sem ferir nenhuma lei.

Hoje, os fósseis até podem ser levados ao exterior para estudos, mas têm de voltar. “Para isso existe uma lei de proteção aos depósitos fossilíferos”, lembra Almeida Campos, chefe do setor de Paleontologia do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério das Minas e Energia, no Rio de Janeiro. O fato é que o estauricossauro foi embora e só seria descrito na década de 60, como o Staurikosaurus pricei, um pequeno carnívoro bípede, de 1,20 metro de comprimento, pesando entre 20 e 30 quilos.

O estauricossauro foi apenas um dos muitos dinossauros a andar no chão que, milhões de anos mais tarde, seria batizado de Patropi pelo cantor Jorge Benjor. A região de Uberaba, em Minas Gerais, por exemplo, não é só a capital nacional do gado zebu. É, indiscutivelmente, um dos mais ricos filões de dinossauros do país. Lá está a maioria dos fósseis de titanossauros — herbívoros quadrúpedes de 15 metros de comprimento e 20 toneladas — parentes menores do brontossauro do Hemisfério Norte. Pela enorme quan-tidade de ossos encontrados, os tita-nossauros devem ter sido os reis dos lagartões brasileiros.

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Eles viveram também em Sousa, na Paraíba, onde deixaram impressionantes trilhas de pegadas impressas no leito seco do Rio do Peixe. Os rastros revelam, por exemplo, que muitos outros animais estiveram por lá, como os celurossauros, predadores bípedes, que aqui tinham 1,5 metro de altura; os carnossauros, predadores ou comedores de carniça bípedes, de 7 metros de comprimento; e ornitópodes, herbívoros bípedes (ou quadrúpedes, conforme o tipo), que aqui tinham 5 metros de altura.

O Nordeste, aliás, nos reservou uma boa surpresa em forma de crânio. Encontrado na Chapada do Araripe, no Ceará, o crânio foi doado à Universidade de São Paulo por um colecionador. O tal crânio, considerado ouro puro pelos especialistas, está sendo estudado no Museu Americano de História Natural, em Nova York. Já foi descrito como sendo de um dinossauro semelhante ao espinossauro: era bípede, carnívoro e tinha uma corcova bem pronunciada no dorso. Esse dinossauro é típico do norte da África e, lá, tinha 7 metros de altura, 10 metros de comprimento e pesava cerca de 5 toneladas. É o primeiro exemplar desse tipo encontrado no Brasil.

Mas quem estiver esperando por nomes gloriosos, tipo Espinossauro brasiliensis pode tirar o estauricossauro da chuva. “O animal terá um nome tupi assim como os que forem descritos daqui para a frente”, adianta o paleontólogo Diógenes de Almeida Campos, com ar de suspense. Aguardemos então por um Anhangüerassauro ou, quem sabe, um Tupãssauro.

Bichos para receber nomes de índio é o que não falta. Em calçadas da cidade de Araraquara, no Estado de São Paulo, existem pegadas de ornitópodes e celurossauros, os únicos registros de dinossauros brasileiros do Jurássico, período geológico que se estendeu de 208 milhões a 144 milhões de anos atrás. Perto dali, no oeste do Estado, também há vestígios de titanossauros, como em Uberaba. Mas não só deles.

No ano passado, o paleontólogo paulista Reinaldo José Bertini, 41 anos, e professor no campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (UNESP), anunciou ter identificado um abelissauro, carnívoro, primo menor do mais célebre e feroz dos dinossauros, o tiranossauro. Bertini fez a identificação a partir de um dente e um fragmento de maxilar, que haviam sido descobertos em 1988, em Santo Anastácio, a 30 quilômetros de Presidente Prudente.

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Até então exclusividade argentina, o abelissauro era mais primitivo e menor que o tiranossauro. Viveu há cerca de 80 milhões de anos, tinha temíveis 5 metros de altura, 7 de comprimento e 5 toneladas. A identificação de Bertini foi um feito, já que os carnossauros eram mais raros por aqui, como também no resto do mundo.

Uma parte dos fósseis descobertos no oeste paulista está na cidade de Monte Alto onde, desde 1992, funciona um museu exemplar, com cerca de 100 ossos de dinossauros encontrados na região. Sem dúvida, é esse o modo certo de divulgar nossos dinossauros. Mas o Museu de Monte Alto é uma exceção. No Departamento Nacional de Produção Mineral, no Rio de Janeiro, há um galpão cheio de ossos — mas vazio de recursos.

“A sociedade brasileira não sabe o que é um Museu de Paleontologia e nem para que serve um fóssil”, constata Diógenes de Almeida Campos. Aos 50 anos, 26 dedicados aos répteis, ele é um baiano forte e bem-humorado, que não se incomoda em enfrentar a poeira. Não a poeira da estrada ou das escavações, mas a poeira do galpão do DNPM, que guarda em seus 200 metros quadrados a memória dos lagartões verde-amarelos. Só ali, existem cerca de 70 000 fósseis catalogados de vários bichos, entre eles 80 dinossauros diferentes, basicamente, os titanossauros de Uberaba.

No galpão há ossos imensos. Nem todos com as modestas proporções do nosso estauricossauro, de apenas 1, 20 metro de comprimento. Alguns têm tamanhos impressionantes como duas pélvis de dois titanossauros, cada uma com 1 metro de largura e um fêmur com 1,20 metro de comprimento. Além desses, há colunas vertebrais, dentes, falanges de membros inferiores e superiores e até ovos.

Além de empoeiradas, as preciosidades do DNPM não estão arrumadas, como num museu. Os ossos maiores estão nas mesas e jogados em cima dos armários. O abandono começou no governo Collor, em 1990, quando os três preparadores de fósseis do laboratório foram aposentados. Não houve mais concurso público e, por isso, Almeida Campos está sozinho. Dos sete paleontólogos do DNPM, só ele se ocupa dos dinossauros.

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Apesar do quadro pouco animador, ao menos os ossos menores estão classificados e dispostos em gavetas. Todo esse material está aguardando a criação do Museu das Ciências da Terra. Um dia ele vai exibir, como se deve, a imensa coleção dos fósseis brasileiros que o público desconhece. Lugar já tem. É uma ampla casa ao lado do prédio principal da Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), no Rio de Janeiro, onde também está o DNPM.

O futuro museu poderá fazer uma boa dupla com o Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, em Peirópolis, a 20 quilômetros de Uberaba. Ali funcionam um laboratório e um museu com 300 fósseis encontrados na região a partir de 1945, durante obras na Estrada de Ferro Mogiana. Só há um problema: os ossos não formam um esqueleto inteiro, pois falta o crânio. Esse é o sonho dos caçadores de dinossauros brasileiros, uma minúscula categoria que pode ser contada nos dedos de uma mão. Mas o clima desértico que predominou durante quase 100 milhões de anos nesse pedaço do Hemisfério Sul não ajudou a preservação dos crânios, com ossos muito finos e frágeis que se esfacelam com facilidade.

E, sem crânio, é difícil classificar um dinossauro. Mesmo assim, os pesquisadores brasileiros não desistem. Cada fóssil descoberto no Hemisfério Sul, seja de dinossauro ou não, é comemorado pelos cientistas de todo o mundo. É que isso ajuda a entender melhor o Gondwana, o supercontinente que, há 180 milhões de anos, reunia a América do Sul, a África, a Antártida e a Austrália, uma parte do mundo pré-histórico praticamente desconhecida.

Além da escassez de recursos, os pesquisadores têm de enfrentar um inimigo traiçoeiro, o comércio ilegal de fósseis, que está arrasando com a Chapada do Araripe, um dos principais sítios paleontólogicos brasileiros. Fora isso, há muito trabalho a fazer. “Temos fósseis aos montes, muita coisa ainda para ser descoberta e muito material inédito esperando para ser estudado”, diz o paleontólogo Bertini. Em sua sala, as paredes foram recobertas por desenhos de tiranossauros, brontossauros e um quadro com o nome Pink Floyd. O conhecido conjunto musical da década de 70, um dos preferidos do pesquisador, não destoa na decoração. É, de certa forma, um dinossauro. Do rock.

 

Para saber mais:

A charada dos dinossauros (SUPER número 3, ano 1)

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A volta dos dinossauros (SUPER número 12, ano 3)

A nova face dos dinossauros  (SUPER número 7, ano 7)

 

 

Histórias de uma conservação nem tão conservadora assim:

Sala de espera

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Um fêmurde 1,20 m aguarda entre outros ossos em uma das salas da casa. Espera-se que, um dia, o local se transforme no Museu das Ciências da Terra. Hoje, nada está aberto ao público. Nem organizado

 

Engavetados

Organizadas, só as gavetas. Vértebras de caudas, falanges de membros superiores e inferiores e arcos hemais (parecidos com estilingues) já estão classificados

 

Três ovos de ouro

São os únicos no Brasil. Os menores podem ter sido de ceratópsios. O maior, de titanossauro, era usado como bola de bocha, em 1945, por operários da região de Uberaba

 

Poeira do tempo

Enquanto se aguarda um lugar adequado para exibir os restos dos lagartões nacionais, muitos ossos permanecem abandonados em cima de armários velhos, cobertos de pó. Alguns foram encontrados em 1947

Diógenes de Almeida Campos, Reinaldo José Bertini, Sérgio Alex de Azevedo, Ismar Carvalho de Souza e Alex Kellner

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