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Por Bruno Vaiano
Um cara que se perdeu na Wikipedia – e nunca mais encontrou a saída – desenterra curiosidades por trás do noticiário de ciência. Editor da Super, 2021 AAAS | EurekAlert! International Science Reporter Fellow. Três vezes vencedor do prêmio IMPA de Jornalismo.
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Conheça a linha Wallace, a fronteira invisível que divide dois mundos

Uma faixa de mar de 30 km que passa pelo meio do arquipélago da Indonésia separa bruscamente o ecossistema asiático dos animais diferentões da fauna australiana. A explicação está na deriva continental.

Por Bruno Vaiano
Atualizado em 22 Maio 2023, 14h58 - Publicado em 17 Maio 2023, 15h52

A Indonésia tem 280 milhões de habitantes – mais que o Brasil –, distribuídos por 17 mil ilhas de todos os tamanhos. O arquipélago é lar de 700 línguas, 1.300 grupos étnicos e uma biodiversidade de pôr inveja até na Amazônia. Trata-se do segundo país com mais espécies endêmicas do mundo, ou seja: espécies que só existem lá. 36% dos 1.531 pássaros que habitam o território indonésio são exclusivamente indonésios, bem como 39% dos 515 mamíferos. 

Duas das ilhas mais icônicas da Indonésia são Bornéu e Sulawesi (ou Celebes) – respectivamente a terceira e quarta maiores do país, em área. Você pode vê-las no mapa acima. Entre elas, existe um trecho estreito de oceano, com 120 km de largura. Mais ao sul do mapa, na mesma direção, as minúsculas ilhas de Bali (a oeste) e Lombok (a leste) se separam por um canal de só 30 km. 

Ao longo desses dois estreitos, passa uma linha imaginária chamada de linha de Wallace. A oeste dela, do lado de Bornéu, a fauna é tipicamente asiática. Há elefantes, tigres, rinocerontes, orangotangos… Isso para ficar só nos bichões clichê, é claro: pássaros, anfíbios e até insetos também são típicos da Ásia, ainda que olhos destreinados não consigam identificá-los. Muitas dessas espécies, claro, estão em risco de extinção e não ocupam mais suas extensões de terra originais. 

A leste da linha Wallace, do lado de Celebes, há uma mudança brutal no ecossistema: passam a imperar espécies diferentonas da Oceania, como os marsupiais, o dragão-de-Komodo, a cacatua-branca, a babirussa (um tipo de porco com chifres compridos) e macaquinhos de olhos esbugalhados do gênero Tarsius. As diferenças entre a biologia dos dois lados são maiores que as diferenças entre a fauna da Inglaterra e do Japão.

Quem notou a existência dessa barreira – e acabou lhe batizando – foi o naturalista Alfred Russel Wallace, mais famoso por ter descoberto a seleção natural por conta própria, à revelia do trabalho de Darwin (a Super tem um texto só sobre ele, leia aqui para saber a fofoca completa). Wallace não é muito famoso no Brasil, onde é citado meramente como co-autor de Darwin. Mas, na Indonésia, o cara é um personagem do currículo escolar. 

A resposta para o enigma da linha está na deriva continental – o movimento das placas tectônicas (ou, para ser mais preciso, litosféricas), que arrastam os continentes para lá e para cá. 

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A Austrália, a ilha de Nova Guiné e algumas ilhas menores ao redor estão todas apoiadas sobre a mesma plataforma continental – um trecho de leito marinho mais raso que é a continuação do continente embaixo da água. Por causa disso, a Austrália e as ilhas ao seu redor são consideradas pelos geólogos, tecnicamente, um continente, chamado Sahul. Importante: a Nova Zelândia, por incrível que pareça, não faz parte do Sahul. Ela tem sua própria plataforma continental, separada da Austrália por mar aberto. 

Há 18 mil anos, durante a era glacial mais recente, o nível do mar caiu, e a plataforma continental ficou exposta. A Austrália, a Nova Guiné e várias ilhas próximas se conectaram por terra, formando uma grande massa contígua. 

O Sahul passou a existir como um continente de fato, cujas praias, hoje, estão a mais de 100 metros de profundidade. Isso permitiu que os bichinhos e plantas exóticas da Austrália avançassem no mapa rumo ao norte e tomassem conta das ilhas que hoje formam a porção leste do arquipélago da Indonésia (isto é, a porção à direita do mapa).

A parte oeste da Indonésia, porém, permaneceu isolada desse fenômeno, porque ela está apoiada em outra plataforma continental, a Sunda, que corresponde à região hoje chamada de Sudeste Asiático: Malásia, Vietnã, Laos etc. Por mais baixo que o nível do mar tenha ficado, não foi o suficiente para conectar as terras da Sunda às terras do Sahul. 

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Sahul e Sunda ficam em placas litosféricas diferentes, que só se aproximaram muito recentemente considerando o tempo geológico: algo entre 20 e 25 milhões de anos atrás. Ou seja: o conjunto de ilhas que hoje forma um país só, no passado, era parte de dois continentes diferentes e distantes. O que permitiu a evolução de animais e plantas alienígenas uns aos outros.

(Por fim, um adendo: existem algumas ilhas indonésias, a meio caminho entre Sahul e Sunda, que não pertencem a nenhuma das plataformas continentais: foram criadas por eventos pontuais de vulcanismo e outras forças tectônicas. Essas ilhas, que formam um domínio biogeográfico conhecido hoje como Wallacea, acabaram ocupadas majoritariamente por espécies australianas, e é por isso que a linha Wallace deixa a Wallacea do lado australiano. Existem outras linhas, que especificam um pouco melhor as separações por lá.) 

A linha Wallace explica muita coisa que deixava os nerds de geografia coçando a cabeça no colégio: a Oceania é mesmo um continente? A Austrália é uma ilha ou um continente? Quem decide onde termina a Ásia e começa a Oceania? Divisões políticas são diferentes de divisões biogeográficas. A Indonésia é um país asiático e se estende até a ilha de Nova Guiné, motivo pelo qual, nos mapas, a Ásia normalmente termina ali. Mas a vida e as rochas nos contam outra história, em que um único país pode amalgamar pedaços de terra que, um dia, estiveram muito, muito distantes.

Para não falar na Nova Zelândia, que tem seu próprio continente, majoritariamente submerso. Mas isso é outra história, para outro texto.  

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