Bichos corruptos
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Quando um macaco não consegue o que quer, ele paga propina para ver se o negócio sai. Um chimpanzé típico não costuma ter muito acesso a grandes contratos com estatais. Como não tem dinheiro, ele só quer amar. Tendo sexo na vida, então, está tudo bem, o resto ele vai levando. Mas isso não torna a vida deles mais fácil que a nossa. Pelo menos não a dos machos. É que as fêmeas de chimpanzé têm o mesmo problema das de outras espécies: só dão bola mesmo para os mais fortes e bonitos. Mas os macacos feinhos deram um jeito de contornar isso. Como? Pagando propina.
Quando um chimpanzé volta de uma caçada bem-sucedida, nem pensa duas vezes: já chama alguma gatinha para um churrasco, ainda que um churrasco cru, e a dois – talvez o equivalente símio a convidar uma moça para jantar no japonês. E aí vê se rola alguma coisa depois.
Geralmente rola. O suborno dá tão certo lá na África subsaariana, a casa deles, quanto costumava dar na Avenida República do Chile número 65, a sede da Petrobras. As fêmeas agradecem a refeição com sexo. Não é exatamente um toma-lá-dá-cá. A macaca não vai para a moita com o cara na hora só porque ele pagou o jantar dela. Mas no longo prazo, como dezenas de pesquisadores já observaram, é diferente: elas acabam colocando os doadores de carne em seu rol de amantes, como a Petrobras colocava os propineiros em seu rol de fornecedores.
Outro bicho que apela para a corrupção nem é bicho. É a orquídea. Qualquer flor, na verdade, é um instrumento de dissimulação. As cores fortes e os perfumes marcantes são ferramentas para atrair insetos, e outros animais, de modo que eles carreguem o pólen delas para outras plantas. Do ponto de vista de um vegetal, ter o pólen transferido para outro indivíduo é exatamente o que para um homem significa ter seu sêmen transferido para outro indivíduo – ou indivídua. Significa sexo. E qualquer planta que se preze também não mede esforços para ter sexo. Na maior parte dos casos, a relação entre a planta e seu vetor sexual, o polinizador, é um jogo em que os dois lados ganham. A flor fornece néctar para a abelha, por exemplo, e a abelha carrega o pólen da flor para outro indivíduo fotossintético. Mas nem tudo são flores no reino vegetal, porque tem quem burle essa regra para se dar bem. E é aí que entra a orquídea. Um gênero específico de orquídea, completamente desprovido de caráter: a Bulbophyllum. Ela não produz néctar, então não atrai a atenção das abelhas. O negócio dela é com outro inseto: a mosca varejeira.
Varejeira gosta de carniça, você sabe. Então a flor simplesmente finge que é um cadáver. Sério. As pétalas
dela têm o mesmo matiz daquele abajur da música do Ritchie: cor de carne. E exalam cheiro de coisa podre. As varejeiras, então, pousam lá e se ferram: não acham carniça nenhuma. Mas aí, quando as moscas vão embora frustradas, já fizeram o que a flor queria: o pólen da danada já está preso no corpo das moscas, a ponto de bala para sair e fecundar outra orquídea. No fim das contas, uma relação que deveria beneficiar as duas partes acaba favorecendo só a planta. A mosca só paga de otária. Sempre. “E a prefeitura não faz nada!”, diria um Datena do mundo das moscas. Pois é. Aquele cidadão que dizia “as árvores somos nozes” estava mais certo do que parecia. Mas talvez não haja forma de vida mais sórdida que uma espécie de gazela, a Gazella thomsonii. Falemos um pouco mais dessa sacripanta ungulada.
Além de ter um dos chifres mais bonitos da África, esta espécie de gazela aqui em cima vive em bandos de centenas de indivíduos (segundo a PM, milhares; pelo Datafolha, dezenas). E ela tem um hábito particular: quando uma gazela avista um predador, lá longe, começa a saltar bem alto, usando as quatro patas para lançar-se ao ar.
Num primeiro momento, a maior parte dos pesquisadores interpretou a acrobacia como um modo de sinalizar o perigo para o resto do bando. Mais do que um gesto de altruísmo, seria um de heroísmo: o salto atrairia a visão do predador, que geralmente é um guepardo. O guepardo é a Lamborghini da savana: faz de zero a 100 km/h em 3 segundos (mais do que qualquer outro animal – e do que a maioria das Lamborghinis, até). Bom, atrair a atenção de uma máquina dessas é suicídio. A gazela que salta para avisar as outras coloca a vida em jogo. Então devia era ser canonizada, certo?
Talvez não. Para Amotz Zahavi, um zoólogo da Universidade de Tel Aviv, esse comportamento não tem nada de nobre. O israelense concluiu que a gazela pensa igual aquele cara da piada do tigre:
Dois sujeitos estão fazendo trilha e dão de cara com um tigre. Um pega a mochila, tira um par de tênis de corrida, e começa a calçar. O outro zomba: “Não adianta. Você não vai correr mais do que um tigre”. “Não mesmo”, ele responde. “Mas vou correr mais do que você.” É exatamente o que se passa na cabeça da gazela saltitante, pelo menos segundo a teoria de Zahavi. Os pulos não são para chamar a atenção do bando, mas para dar um aviso ao predador. É que os guepardos não são nada chegados em gastar gasolina à toa. Sempre preferem correr atrás das gazelas mais frágeis, lerdas, até para não exaurir o tanque a cada caçada. Ao dar saltos ornamentais na cara do predador, então, a gazela dá uma exibição de força e agilidade. É um aviso. Uma advertência do tipo: “Escolhe outra gazela aí porque, se você vier atrás de mim, vou dar trabalho”. Uma atitude lúcida. Só que tão heroica quanto a do cara da piada do tigre.
Mas, ei: existe heroísmo entre os animais, sim. Um desses benfeitores, imagine você, é o morcego-vampiro, que passa o dia dormindo e, à noite, sai para chupar sangue, geralmente de algum mamífero grande. Parece uma vida mansa. Mas não. Primeiro, porque nem todo dia dá para achar uma presa. E, se um deles passar 70 horas sem comer, morre.
Isso de a morte estar sempre à espreita uma hora fez baixar um Jean-Jacques Rousseau na morcegada. É que eles desenvolveram um contrato social: hoje os morcegos doam uma parte do sangue que conseguem na caçada para os companheiros que não tiveram a mesma sorte naquele dia.
Mas não falta quem tente burlar essa lei. Até porque doar comida ali não é uma atitude trivial. O morcego tem que vomitar um pouco do sangue que bebeu na caçada, na boca do beneficiário. É um processo que demanda tempo e energia. Mau negócio para indivíduos que não podem passar três dias sem comer.
A melhor estratégia do ponto de vista individual, então, é trapacear: nunca dar almoço grátis para os parceiros. Só receber, sempre que voltar para a caverna com os dentes abanando. Logo, todo bando de morcegos- vampiros tem seus aproveitadores.
Mas esse comportamento trapaceiro só vale a pena quando a grande maioria dos indivíduos é honesta. Se a corrupção vira norma, começa a faltar doador no mercado. E nenhum morcego jamais vai ganhar comida quando falhar na caça. Como a espécie dos chupadores de sangue é frágil, porque aguenta pouco tempo sem comer, o bando todo se trumbica. Foi mais ou menos o que aconteceu com outro bando de chupins: os empreiteiros que fraudavam licitações da Petrobras. No começo, só sete empresas participavam das trapaças. Depois, 16, 17, 18… No fim já eram 23. A corrupção virou regra. Julio de Almeida Camargo, um dos empresários-delatores da Lava Jato, explica: “Havia uma regra do jogo: se o senhor não pagasse propina, não obteria contratos com a Petrobras”. Ou seja: era tanto esquema que o próprio esquema canibalizou o esquema.
Mas os morcegos-vampiros levam uma vantagem sobre o Homo sapiens: os caras têm um esquema eficiente para punir seus corruptos. “Eles não dão alimento para qualquer um. Os morcegos selecionam, ao longo do tempo, os parceiros mais confiáveis para fazer suas doações”, diz o biólogo Gerald Wilkinson, da Universidade de Maryland, que descobriu esse comportamento e estuda o assunto há 30 anos.
Isso significa que só recebe comida quem doa comida. Os trapaceiros, que nunca doam nada, jamais ganham a confiança de ninguém. Com a reputação manchada, então, tendem a morrer de fome. Desse jeito, quem fica a um passo da extinção não é a sociedade dos morcegos, é o próprio comportamento corrupto. Fica a dica 😉