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Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Paixão é cocaína. Amor é Rivotril

Se está longe, dói. De verdade, como se você tivesse apanhado. Se chega perto, vira o melhor analgésico do mundo. Entenda a química dos relacionamentos.

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Atualizado em 22 set 2023, 17h09 - Publicado em 3 Maio 2013, 15h53

Bate de uma hora para a outra. Você está mais feliz do que uma criança numa piscina de algodão-doce. As preocupações sumiram. O resto do mundo evaporou. E ela é tudo o que importa. Se está longe, dói. De verdade, como se você tivesse apanhado. Mas se ela chega perto vira o melhor analgésico do mundo. Parabéns: você está apaixonado. Caiu na armadilha mais sofisticada da natureza.

Sim, porque a paixão é um instinto. Um tão automático e irracional quanto o que faz as formigas viverem numa sociedade industrial comunista sem terem lido Marx ou um joão-de-barro construir uma casa sem ter feito faculdade de engenharia civil.

O processo que desencadeia esse instinto começa com descargas de dopamina – a mesma substância que a cocaína ativa no cérebro. Essas descargas, do ponto de vista científico, existem por um único motivo: fazer você produzir filhos.

Claro que tudo isso acontece sem que você tenha a menor consciência. Ninguém pensa em crianças no momento em que se apaixona. Muito pelo contrário. Mas a real é que não somos diferentes de uma formiga ou de um joão-de-barro: fazemos o que os instintos mandam. E a razão última de todos os instintos que envolvem o amor é produzir filhos, passar os genes adiante, de preferência na companhia dos melhores genes disponíveis no mercado.

Pense numa balada. A coisa é basicamente um pregão da bolsa de genes. Todo mundo procura pelos melhores pacotes genéticos do lugar e negocia possibilidades de fusão – geralmente com os mais bonitos. Beleza. Por que a beleza, em última instância, é um indício visível de saúde. E seu cérebro move você em direção a esses pacotes aparentemente mais saudáveis, já que a possibilidade de eles gerarem filhos melhores é mais alta.

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Inteligência também conta. Se alguém te faz rir numa conversa de 30 segundos, esse alguém não é burro. E tem uma chance razoável de te dar filhos mais espertos do que você teria se se reproduzisse por brotamento. Ponto para o pacote genético do sujeito.

De novo: vamos atrás das “possibilidades de fusão” com outros pacotes genéticos pelo prazer que a fusão proporciona – seja na cama, seja indo viajar para a Europa com alguém especial. Mas o prazer só existe como recompensa pelo verdadeiro trabalho, que é produzir crianças.

Os orgasmos são descargas de dopamina que recompensam você pela tarefa de tentar fundir seus genes com os de alguém. E os instintos que criam os orgasmos são cegos: não fazem a menor ideia se o dono do cérebro está usando camisinha. Ou se ele é homossexual. Ou se ele planejou não ter filhos por que acha criança um saco.

Bom, a piscina de algodão doce que se abre quando você está só passeando com alguém especial também é dopamina, só que numa dose mais leve e contínua. Mas não existe descarga de dopamina grátis. Os efeitos colaterais de estar apaixonado são basicamente os mesmos da cocaína: insônia, agonia, taquicardia.

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Quando Pixinguinha cantou que o coração dele “não sei por quê/bate feliz/quando te vê”, estava involuntariamente narrando os efeitos da dopamina sobre o batimento cardíaco. Bon Jovi também, quando canta que o heart dele beats like a drum em “Born to be my baby”. Morrissey faz uma descrição mais dramática. E mostra bem o quanto um mero passeio de carro sob a euforia dopamínica pode ser eletrizante para o cérebro do apaixonado:

If a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
It’s such a heavenly way to die

(Se um ônibus de dois andares
Bater na gente
Morrer ao seu lado
É um jeito tão paradisíaco de morrer)

Mas a paixão não é imortal, posto que é droga. E posto que é droga, causa dependência química – as dores físicas que os apaixonados sentem quando são rejeitados têm um paralelo nas crises de abstinência. I need you, I need you, I neeeeeed you!, confirma John Lennon em “Michelle”*, do Rubber Soul.

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Paul McCartney, mesmo mais pragmático que o ex-companheiro de banda, mostra que até a expectativa de passar por essa crise de abstinência pode ser insuportável. E fazer com que você não enxergue a realidade crua quando ela não te favorece. Em “For no One”, do Revolver:

And yet you don’t believe herWhen she says her love is deadYou think she needs you

(E ainda assim você não acredita nela
Quando ela diz que o amor dela morreu
Você pensa que ela precisa de você)

Essa montanha-russa química é demais para qualquer organismo. Por isso mesmo a paixão só é infinita enquanto dura. E, segundo a maior parte das pesquisas científicas, dura só 3 anos – na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença. E o que a faz a coisa evaporar é, surpresa, um relacionamento saudável.

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Quem destrói os hormônios da paixão são justamente outras substâncias que o corpo libera durante os orgasmos: a ocitocina (nas mulheres) e a vasopresina (nos homens). Essas são drogas mais leves. Ansiolíticos. Transformam o oceano revolto que é uma paixão num mar de tranquilidade.

Se a relação continuar bem, essas substâncias vão fortalecendo os laços entre o casal. E serão o gatilho para outro instinto: o de virar mãe e pai – as mulheres, por exemplo, têm esses mesmos hormônios ativados durante a amamentação. Assim elas relacionam a paz da ocitocina, do ansiolítico, à ideia de cuidar da criança. Paixão é cocaína. Amor é Rivotril.

E pode ser eterno, como mostram os albatrozes e alguns casais de humanos. Ou não. Sempre existe a possibilidade de que um dos dois pule fora para recomeçar esse jogo todo com outro pacote de genes. Afinal, paixão vicia. E nem todo mundo usa com moderação.

*Quem canta “Michelle” é o Paul. Mas quem compôs a parte gritada foi o John.

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