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Respostas para as perguntas que surgem entre a primeira e a última página e outras notas de rodapé sobre livros fundamentais – e outros nem tanto. Por Pâmela Carbonari
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Por que Machado de Assis é o maior escritor brasileiro

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Atualizado em 4 set 2024, 15h14 - Publicado em 21 jun 2017, 20h49

“Em 1839, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu de uma família simples no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, Brasil. Ele era neto de escravos libertos, em um país onde a escravidão não foi totalmente abolida mesmo 49 anos depois. Machado enfrentou muitos desafios por ser mestiço no século 19, dentre eles acesso limitado à educação formal. Mas nada disso o impediu de estudar literatura. Ao trabalhar como tipógrafo, ele experimentou poemas, romances, romances e peças de teatro. ”

Assim descreveu o Google numa homenagem à Machado de Assis em 2017, na época de seu 178º aniversário. Nas ilustrações do artista brasileiro Pedro Vergani, o precursor do realismo no país aparece cercado por elementos que remetem à sua vida no Rio de Janeiro e às cenas icônicas de suas obras-primas, como as batatas de Quincas Borba e Bentinho e Capitu, de Dom Casmurro. Veja:

Doodle | Blog Por que Machado de Assis é o maior escritor brasileiro
(Google/Reprodução)

O doodle (nome dado a essas efemérides celebradas na página inicial do Google) foi elogiado nas redes sociais sobretudo por ter representado o autor negro como de fato Machado era e não com a pele clareada, como costuma ser retratado.

São muitos os motivos que fazem de Machado o gênio das letras no Brasil. Ao contrário da maioria dos grandes escritores do país, Joaquim Maria Machado de Assis é de origem humilde, era neto de escravos alforriados, cresceu no Morro. Se quase dois séculos depois pessoas negras ainda têm menos acesso à educação, a primeira metade do século 19 estava longe de ser um período de igualdade racial. Machado estudou em escola pública, não frequentou a universidade – o que fez Joaquim virar Machado de Assis foi sua grande ambição intelectual.

Autodidata, ele aprendeu francês quando trabalhou em uma padaria e, posteriormente, enquanto tipógrafo teve contato com poesias, romances e outros tipos de literatura. Aos 16 anos já participava de um grupo de escritores e, na mesma época, publicou seu primeiro poema, Um Anjo.

Depois disso, Machado explorou quase todos os gêneros literários e se a versatilidade impressiona, a quantidade de material produzido também: escreveu nove romances, 200 contos, mais de 600 crônicas, diversas peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos. Sem contar que trabalhou como tipógrafo, revisor, funcionário público e colaborou para revistas e jornais do Rio de Janeiro. O carioca assistiu ao fim do Império e o surgimento da República – e isso não passa despercebido na sua obra. Vale notar os reflexos dessa mudança política tanto em seu trabalho como escritor quanto jornalista.

Assim que completou 40 anos, suas crises de epilepsia pioraram e ele quase perdeu a visão, mas foi nesse período que seus escritos ganharam ainda mais força: Machado foi fundamental para a transição do romantismo para o realismo no país, tendo Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) como marco inaugural.

No entanto, falar de sua obra-prima apenas como um primeiro passo para um movimento literário seria reducionista, para não dizer burro. A começar pela dedicatória provocativa do livro escrito em primeira pessoa por um narrador-defunto: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.

O romance racional em que um morto escracha a decadência da burguesia, seus vícios, mesquinharias e frustrações é o ponto alto de Machado de Assis como Machado de Assis. A partir de Memórias Póstumas, ele se consagrou como um profundo conhecedor da psique humana, explorando as hipocrisias e vaidades de seus personagens em narrativas irônicas onde o pessimismo se veste de bom-humor sem perder a profundidade e a oportunidade de alfinetar a política e a sociedade da época.

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Não à toa, esse é seu livro mais reconhecido fora do país. Para a crítica Susan Sontag, Machado é o melhor escritor da América Latina, superando o argentino Borges; o poeta Beat Allen Ginsberg o descreveu como outro Kafka; Philip Roth o comparou ao dramaturgo Samuel Beckett e Harold Bloom foi ainda mais longe dizendo que Machado é o maior escritor negro de todos os tempos.

Apesar de Memórias Póstumas ter aberto as portas para o realismo no país, ser um hino literário do niilismo e de Quincas Borba também ser uma obra de destaque, muitos leitores brasileiros são mais apegados ao hino da desconfiança, Dom Casmurro (1899). O público nacional se envolveu tanto mais nos olhos de Capitu que nas batatas humanitistas de Quincas Borba que existe um boato de que o ciúme da obra tenha pinceladas autobiográficas: alguns dizem que o filho do também escritor José de Alencar foi fruto da traição de sua esposa com Machado de Assis.

A história, assim como a de Capitu e Escobar, amigo de Bentinho, nunca foi confirmada. Entre a publicação desses dois grandes livros, Machado participou da fundação da Academia Brasileira de Letras e, dado o reconhecimento que tinha entre seus colegas, foi o primeiro presidente da ABL.

Em 69 anos, o Bruxo do Cosme Velho conseguiu abordar uma pluralidade de assuntos tão densa e diversa quanto os gêneros que trabalhou. Caçoou dos jogos políticos e do cinismo dos mais abastados, expôs as fraquezas, os arrependimentos e as ilusões humanas com a mesma concisão com que tratou temas universais como o amor, a ganância e o ciúme. Morreu na primavera de 1908 cercado de amigos e, dali em diante, tornou-se ainda mais imortal. Difícil não concordar com Harold Bloom.

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