Vivian Pellizari estuda microrganismos extremófilos na Antártica
Algumas bactérias degradam poluentes, enquanto outras produzem moléculas anti-congelantes. A #MulherCientista dessa semana foi pioneira nas pesquisas sobre a vida microscópica antártica.
O que é que o Rio Pinheiros e o gelo da Antártica têm em comum? Com certeza não é a cor, e muito menos o cheiro. Os dois ambientes abrigam bactérias degradadoras de PCBs: compostos tóxicos e mutagênicos que eram usados dentro de resistores e geradores de energia.
Outra característica em comum entre os ambientes é que os dois foram campos de trabalho de Vivian Pellizari. Durante o doutorado, a bióloga coletou amostras do Rio Pinheiros, em São Paulo, e no estuário de Santos para procurar as tais bactérias degradadoras de PCBs. Isso é importante por motivos óbvios: conhecendo esses micro-organismos, é possível usá-los para transformar o composto químico em compostos inofensivos ou menos tóxicos
O início da carreira da bióloga foi marcado por uma revolução nas técnicas de biologia molecular. Pellizari descobriu quais genes bacterianos eram responsáveis pela degradação do PCB nas bactérias brasileiras. Com essa informação, foi possível identificar outros microrganismos que possuem genes semelhantes, e usá-los para montar biorreatores que favorecem a biodegradação de resíduos contendo PCBs.
Após o doutorado, Pellizari queria continuar trabalhando com os biodegradadores de PCBs. Ela começou uma parceria com o professor Rolf Weber, que fazia a análise química da degradação do poluente. Ele trabalhava no Instituto de Oceanografia da USP e conduzia pesquisas na Antártica. Ambos tinham interesse em saber se existiam bactérias degradadoras em um ambiente tão frio e inóspito quanto o Polo Sul.
A resposta é sim. Não são os mesmos microrganismos encontrados no Rio Pinheiros, mas o estudo genético permitiu encontrar aquela mesma “família” de genes nas bactérias antárticas.
Em paralelo à pesquisa com os degradadores de PCBs, Pellizari ainda estudou os microrganismos que degradam hidrocarbonetos, compostos que vêm do petróleo e usados como combustível na estação de pesquisa brasileira na Antártica, o que pode contaminar o ambiente em caso de acidentes.
As bactérias degradadoras foram só o início da carreira da bióloga na Antártica. Após estudar aplicações práticas dos microrganismos, ela quis entender como eles se adaptam para viver em um ambiente tão extremo: existe vida microbiana no solo congelado, no fundo do mar, lagos subglaciais e até em vulcões.
A ilha Deception, por exemplo, é um vulcão submerso ativo. “Lá existem desde geleiras até o solo exposto a 100ºC. Vimos como os microrganismos são diversos e modulam sua sobrevivência aos diferentes tipos de estresse, seja pelas temperaturas altas e baixas ou nas condições de dessecação do gelo”, diz a pesquisadora.
Esses extremófilos conseguem reparar danos no DNA, produzir moléculas anti-congelantes, entre outras estratégias de sobrevivência. Junto com sua equipe, a bióloga fez a reconstrução dos genomas desses microrganismos para compreender suas características metabólicas e determinar onde eles se inserem na linha evolutiva. Na Ilha Deception, eles encontraram uma arqueia do gênero Pyrodictium pela primeira vez na Antártica. O gênero só havia sido descrito em fontes termais no oceano profundo.
A diversidade e resiliência dos microrganismos não eram conhecidas até pouco tempo. Pellizari foi pioneira nos estudos de microbiologia antártica no Brasil. “Nunca esqueço de quando fui na estação de pesquisa antártica e me falaram: ‘Não tem microrganismo aqui. Eu já joguei uma maçã no lago e não teve decomposição”, conta ela.
Mesmo que eles não sejam capazes de decompor maçãs em temperaturas baixas, há microrganismos de sobra na Antártica. Recentemente, Pellizari usou sequenciamento para determinar como eles se dispersam e colonizam diferentes regiões da Antártica. Ela analisa a trajetória de massas de ar e compara a informação genética de diferentes micróbios: do mar, da Ilha Deception, dos solos próximos da estação de pesquisa e do gelo acumulado no interior do continente antártico. Microrganismos como as arqueias, por exemplo, podem ter sido dispersos pelo vento da península para o interior do continente antártico. No interior do gelo, podem ser encontrados microrganismos de origens desconhecidas.
Todas essas pesquisas têm sido feitas em conjunto com outros colegas microbiologistas e muitos pós-graduandos que ela orientou ao longo dos últimos 20 anos. Agora, o objetivo da pesquisadora é sistematizar esses dados e compará-los para observar possíveis mudanças causadas pelo aquecimento global e aumento de temperaturas da Antártica. Hoje, Pellizari é professora do Instituto Oceanográfico da USP.