Slow Journalism – Jornalismo digital focado mais na relevância que na audiência
Pedro Burgos, criador do site Oene
De quando comecei a minha carreira como repórter até chegar a editor do site da Superinteressante (entre 2006 e 2013), o jornalismo digital brasileiro procurava sua linguagem 2.0. Havia muita influência dos blogs mais bem-humorados e das redes sociais no jornalismo “sério” e quem mandava no negócio, inicialmente, era a taxa de cliques. A matéria recebeu muitos cliques? Deixa ela na home! A matéira está pouco clicada? Tira ela e põe outra. Textos curtos, muitas fotos, piadas, uma “pegada leve” eram as armas dos jornalistas para agradar seus leitores. Com a influência crescente das redes sociais o “engajamento” ganhou importância. Engajamento, nesse caso, era a quantidade de interações (comentários, curtidas, compartilhamentos) dos leitores com o post/matéria. As técnicas agora incluíam lançar perguntas aos leitores, fazer enquetes, estimular os comentários – que ganhavam importância na notícia, quase ganhando status de informação quando se lia algum portal.
Apesar de correr atrás das metas que eu deveria bater para os sites que administrava (além da Super, também tinha o Guia do Estudante, a Mundo Estranho e a Recreio), eu ficava pensando se aquelas métricas e objetivos faziam alguma sentido. Ter objetivos é fundamental para se chegar a alguma lugar, mas aonde o jornalismo estava chegando com “aqueles” objetivos? E meus sites nem eram focados em notícias quentes, então podíamos nos preocupar um pouco mais com qualidade e inovação, apesar das equipes pequenas. O pouco tempo que trabalhei num portal, me mostrou que lá as leis são diferentes: quanto maior a audiência, maior os cliques nos anúncios e a receita dos portais. A diferença entre determinados portais jornalísticos e sites de humor e fofoca às vezes não parecia muito clara.
No meio de 2013 fui convidado para assistir o ISOJ, no Texas. Em uma das discussões começou-se a falar de jornalismo “fair trade”. Fair trade é um movimento que busca melhores condições de produção em paíes de terceiro mundo. Ele garante um selo para produtos como café ou cacau que são produzidos sem trabalho escravo, por exemplo. O consumidor aceita pagar um preço um pouco mais alto para consumir “diamantes sem sangue”. A ideia de fazer jornalismo independente e investigativo no terceiro mundo, sem usar estagiários que ganham apenas condução ou frilas que não recebem em tapinhas nas costas, parecia interessante.Aquele debate ficou na minha cabeça quando resolvi tirar um ano sabático e sair do meu emprego. Eu queria criar um site jornalístico para investigar a felicidade e a insatisfação com o modelo de vida atual que minha geração parecia sentir. Queria poder pesquisar e entrevistar pessoas sobre um assunto que fosse relevante (pelo menos para mim e, esperançosamente, para outras pessoas). Não importava se as pessoas fossem ler, comentar ou curtir. Eu queria fazer textos com mais alma e menos “estratégia”. Um raciocínio muito parecido com o que o pessoal da Contente explicitou no primeiro post do seu blog. Quando crei o Glück Project com a jornalista Karin Hueck não imaginava que essa “sinceridade” fosse render tanta repercussão no seu primeiro post. Com o textinho “Vale a pena largar tudo em busca da felicidade?” eu finalmente consegui emplacar o “viral” que meus chefes tanto pediam pra “criar” nos empregos pelos quais eu havia passado. E, desde então, nós passamos a investir num modelo de apenas um post por semana mais longo e pensado. A ideia é tentar provocar reflexões a cada texto escrito. É tentar analisar as coisa com calma e não escrever com sangue na caneta. De ódio o mundo já está cheio. Chamamos isso de “slow journalism”. E temos visto outros sites por aí fazendo coisas parecidas. Um que você não pode deixar de conhecer é o Oene, que procura filtrar todo ruído da internet e apresentar textos trabalhados e mais longos sobre alguns “trendig topics”. E o Oene não tem comentários de leitores. Não que a interatividade não seja importante, mas matérias jornalísticas não deve ser espaço para brigas, fanatismo e ofensas pessoais. Lembra como a internet funcionava antigamente? Existia um espaço para fatos apurados e de interesse público (as notícias) e um espaço para o debate do público (os fóruns)?
Luiza Voll e Dani Arrais da Contente, as criadoras do projeto Instamission
Acho que essa é uma nova forma de encarar a internet que pode vingar (ou não, como diria Caê). Talvez não como tendência para todo jornalismo digital que será feito por aqui, mas como um dos ingredientes das fórmulas que portais, sites e blogs vão utilizar. Me parece que o Brasil Post tem apostado nisso, com os colunistas que convidou para sua estreia. Obviamente ninguém vai abrir mão da necessidade de coberturas quentes e da rapidez para dar notícias relevantes de política, polícia e esportes. Eu espero, sinceramente, que haja espaço na web para se escrever (e ser pago por isso) jornalismo de boa qualidade, com textos com apuração e reflexão que se diferenciem da comóditie que viraram as notinhas, galerias e memes.