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Existe alguma rotatória de mão inglesa no Brasil?

Por incrível que pareça, sim. Ela fica no Rio de Janeiro. E nem engenheiros de tráfego acreditam na existência da dita-cuja.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 5 set 2024, 09h11 - Publicado em 23 jan 2020, 16h43

Existe. E, curiosamente, a mais famosa delas – e, talvez, única – está na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Piada pronta.

Primeiro, vale um breve resumo sobre o que significa dirigir do jeito inglês. Na Inglaterra e em 74 outros países (a maioria de colonização britânica), o lado do volante é o direito – não o esquerdo, como acontece no Brasil – e o motorista troca de marcha com a mão esquerda. Essas mudanças fazem as leis de trânsito serem diferentes. O tráfego de veículos, por exemplo, muda por completo: carros que vêm na direção oposta vêm sempre da direita. A ultrapassagem, sendo assim, também é feita na destra. E o mais importante, pelo menos neste momento: em ruas de mão inglesa, as rotatórias são contornadas no sentido horário.

Dito isso, você está apto a saber que, em alguns contextos, é possível inverter a mão de uma rua para descomplicar o trânsito. “O principal motivo de se adotar a mão inglesa é o de permitir conversões que não seriam viáveis na circulação comum”, explica o engenheiro de tráfego João Cucci Neto.

É exatamente este o caso de um pedaço do bairro Jardim Amália, em Volta Redonda, que falamos lá em cima. Tornar mão inglesa parte da Rua Cel. Camilo de Assis Pereira – mais precisamente o trecho entre a Praça Dona Santinha até a Rua Senador Alfredo Ellis, que tem 252 metros –, diminuiu o congestionamento e acabou com o número de acidentes de trânsito. O lance é que a tal praça contava com uma pequena rotatória – que teve de virar mão inglesa também.

É o que conta Renato de Almeida, gerente de projetos da STMU (Secretaria Municipal de Transportes e Mobilidade Urbana) de Volta Redonda. Antes da mudança, o problema era o volume de veículos. Para entrar em uma travessa, motoristas precisavam cruzar o sentido oposto da via – interrompendo o trânsito. Isso, nos horários de pico, atrapalhava até mesmo uma rodovia próxima. Em vez de instalar um semáforo, uma solução mais cara e trabalhosa, a ideia foi mudar o sentido de tráfego. Oficialmente, a mudança vale desde novembro de 2018.

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“No começo teve muita resistência [por parte dos motoristas e moradores]. No final da praça tem duas ruas, que fazem ligação com ele. Essas duas ruas a gente, inicialmente, também alterou para manter o fluxo. Aí teve bastante resistência dos comerciantes. Isso nos fez desfazer a alteração”, conta Almeida. “Mas zeramos o problema dos acidentes. E o pessoal, agora, se adaptou. Levou um pouco de tempo, o que é natural”.

Vale mencionar que a medida, sobretudo no que diz respeito às rotatórias, não costuma ser recomendada como solução de trânsito por especialistas. “A adoção de mão inglesa deve ser cercada de muitas precauções, porque ela traz um problema intrínseco à segurança dos pedestres”, diz Cucci. “O motivo é óbvio: nós, os pedestres, naturalmente olhamos as brechas para travessia seguindo a lógica da circulação de veículos no país. Uma solução que altera a expectativa dos usuários (tráfego vindo da esquerda ao invés da direita) gera um perigo latente de mal entendimento”.

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Em bom português: se você olha para um lado e o carro vem do outro, sua chance de virar panqueca aumenta.

Capitais como Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Natal, por exemplo, adotaram essa estratégia em certos trechos de sua malha urbana. “Não é recomendável adotá-la em muitas vias ou grandes trechos, pois isto confunde os usuários da via e age em favor do risco e maior insegurança”, completa Archimedes A. Raia Jr, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Há exemplos dessa solução, também, em cidades do interior, como São Bernardo (SP), Londrina (PR), Ipatinga (MG), Aparecida (SP), Encantado (RS), Rio Preto (SP), Várzea Paulista (SP), Feira de Santana (BA) e Campina Grande do Sul (PR). Mas o campeão parece ser o estado de Santa Catarina: além da capital, Florianópolis, cidades catarinenses como Blumenau, Timbó, Balneário Camboriú, São Francisco do Sul, Itapema, São José , Salete e Brusque também contam com trechos de mão inglesa.

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O Brasil possui, inclusive, uma travessia entre países onde há mudança no sentido de tráfego. Ela acontece entre as cidades de Bonfim (onde os carros são guiados do jeito francês), no estado de Roraima, e a pequena Lethem, na Guiana – que adota a mão inglesa.

Mas como surgiu esse jeito de dirigir?

Na Inglaterra medieval, os cavaleiros empunhavam as espadas com a mão direita e se mantinham à esquerda para atacar possíveis oponentes com mais facilidade. Por influência deles, condutores de carroças adotaram a mão esquerda. A mão inglesa seria ainda a norma na maioria dos países se não fosse o canhoto Napoleão Bonaparte, que determinou que os cavalos fossem guiados à direita em seus domínios. No Brasil, a mão esquerda se popularizou por conta das montadoras de automóveis americanas.

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Adotar o sentido de dirigir contrário ao dos colonizadores era uma forma de resistência, que foi incorporada também pelos países onde os possantes foram importados. O resto é história.

Fontes: Renato de Almeida gerente de projetos da STMU (Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana) de Volta Redonda; João Cucci, engenheiro de tráfego, Archimedes A. Raia Jr, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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