Os nativos americanos passaram alguma doença aos europeus no primeiro contato?
Já que os europeus passaram varíola, sarampo e influenza aos indígenas, o contrário não poderia ter acontecido?
Não há registros históricos, biológicos ou epidemiológicos de que isso tenha acontecido. Todo o fluxo conhecido de doenças ocorreu no sentido inverso – da Europa, Ásia ou África para a América (1).
A única possível exceção é a sífilis, mas isso ainda é tema de debate entre pesquisadores. Uma hipótese sugere que uma forma de Treponema pallidum (causadora da sífilis) teria surgido na América e levada para a Europa nas viagens de retorno de Cristóvão Colombo, adaptando-se e originando a sífilis venérea moderna (2).
Em 2014, no entanto, foram encontrados esqueletos com sinais de infecção por treponematoses em Londres. Alguns deles eram anteriores à ida de Colombo à América, o que coloca a teoria em xeque (3). Assim, a origem exata da sífilis permanece incerta. Mesmo que a hipótese se confirme, a doença não teria impacto comparável ao das epidemias que devastaram o continente americano.
Impacto das doenças para o continente americano
As doenças trazidas pelos colonizadores – varíola, sarampo, influenza, tifo e coqueluche, entre outras – tiveram efeitos devastadores sobre populações que nunca haviam sido expostas aos vírus e bactérias do outro lado o oceano.
Sem imunidade prévia e já submetidos a condições extremas de violência, fome e desorganização social, muitos grupos indígenas foram dizimados. Estimativas variam conforme a região, mas estudos indicam que entre 50% e 90% dos habitantes originais das Américas morreram nas primeiras gerações após 1492.
Durante muito tempo, a catástrofe demográfica que se seguiu ao contato foi explicada de modo puramente biológico: os indígenas seriam “imunologicamente virgens”, e portanto indefesos diante das doenças. Hoje, pesquisadores consideram essa explicação insuficiente (4). O colapso populacional foi também um produto direto da violência colonial – guerras, escravidão, deslocamentos forçados, perda de territórios e fome criaram o ambiente ideal para a disseminação e letalidade das epidemias. As doenças não agiram isoladamente: elas prosperaram sobre uma base social e política deliberadamente destruída.
Doenças como arma biológica
Há ainda registros históricos de que, em determinados momentos, doenças foram usadas de forma intencional como instrumentos de extermínio. Um dos casos mais conhecidos é o de 1763, na região de Fort Pitt, atual Pensilvânia (EUA) (5). Naquele ano, durante a Rebelião de Pontiac, oficiais britânicos manifestaram por escrito a intenção de espalhar varíola entre povos indígenas. Correspondências entre o general Jeffrey Amherst e o coronel Henry Bouquet mostram que ambos discutiram a ideia de usar cobertores contaminados como arma.
Em Fort Pitt, registros indicam que o comerciante William Trent e o comandante local Simeon Ecuyer chegaram a entregar mantas provenientes do hospital de varíola a dois emissários Delaware, anotando o feito em diários e livros de contabilidade. Pesquisas posteriores, porém, mostram que não há evidência de que a tentativa tenha causado qualquer infecção. A varíola já circulava entre indígenas e colonos antes do episódio – e os próprios nativos que receberam as mantas voltaram ao forte semanas depois, sem sinais da doença.
Fontes: (1) Earth system impacts of the European arrival and Great Dying in the Americas after 1492; (2) Ancient genomes reveal a deep history of Treponema pallidum in the Americas; (3) Evidence of skeletal treponematosis from the medieval burial ground of St. Mary Spital, London, and implications for the origins of the disease in Europe; (4) livro “Além dos Germes: Despovoamento Nativo na América do Norte; (5) The British, the Indians, and Smallpox: What Actually Happened at Fort Pitt in 1763?.
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