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Alergia a rádio. Isso existe?

Por Fabio Marton AMC/Divulgação Quem tem acompanhado a série Better Call Saul conhece as esquisitices do irmão do advogado titular. Chuck McGill vive numa casa sem eletricidade, não aceita ficar a dez metros de um celular e vive embrulhado num cobertor de papel alumínio. Tudo porque ele teria “alergia a eletricidade”, como disse Jimmy-que-ainda-não-é-Saul num […]

Por Redação Super
Atualizado em 4 set 2024, 09h18 - Publicado em 9 mar 2015, 19h00

Por Fabio Marton

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AMC/Divulgação

Quem tem acompanhado a série Better Call Saul conhece as esquisitices do irmão do advogado titular. Chuck McGill vive numa casa sem eletricidade, não aceita ficar a dez metros de um celular e vive embrulhado num cobertor de papel alumínio. Tudo porque ele teria “alergia a eletricidade”, como disse Jimmy-que-ainda-não-é-Saul num dos episódios. Ou “hipersensitividade eletromagnética”, segundo o próprio Chuck.

Muita gente diz que estar perto de uma antena emissora, aparelho de celular ou mesmo motor elétrico causa coceiras, dor de cabeça, náuseas e ardor na pele. Para os cientistas, isso vem só da cabeça – é uma doença real, mas psicossomática: a mente agindo sobre o corpo. Estudos citados pela Organização Mundial de Saúde mostraram que os pacientes não conseguem diferenciar quando estão ou não na presença de ondas de rádio.

Em frequências abaixo de micro-ondas, o rádio não tem efeito nenhum sobre o corpo humano. Somos “transparentes” às emissões – as ondas nos atravessam sem causar efeitos. Enfim, pode dizer para sua tia parar de encaminhar aquele e-mail de 1997, dizendo que celular – que é só um “radiofone” glorificado – causa câncer.

A razão pela qual os cientistas juram de pés juntos que o rádio é inofensivo tema a ver com a física das emissões eletromagnéticas. Pode ir buscar o cafezinho, que a explicação vai ser comprida. Mas tem uma surpresa no final…

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O rádio é um tipo de radiação eletromagnética. Isso quer dizer que é uma emissão de fótons que se comporta como uma onda – a ainda algo misteriosa dualidade partícula-onda.

Se palavra “fótons” acendeu uma velha sinapse em seu cérebro, lá das lições de física do segundo grau, e o fez pensar na luz, você está certo. Luz é outro tipo de radiação eletromagnética. Assim como a radiações ionizantes, que também são chamadas simplesmente de “radiação”. Nesse grupo, estão o extremo ultravioleta, os raios X e os raios gama, em ordem de potência. Na vida real, raios gama não transformam as pessoas no Hulk. Transformam em cadáveres.

A diferença entre essas emissões é o comprimento da onda, ou frequência. O rádio tem ondas muito mais longas que a luz ou a radiação ionizante. Uma onda longa é uma onda fraquinha. Imagine que você joga uma pedrinha numa poça e o efeito que isso causa na água. Depois, imagine se, nessa mesma água, você rodasse uma hélice, como a de um barco. A hélice exige muito mais energia e produz ondas bem mais curtas, né? É meio por aí. Quanto mais curta a onda, mais energia nos fótons. Abaixo, os tipos de radiação eletromagnética e seus comprimentos de onda:

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As ondas que chamamos de “rádio” são medidas entre centímetros a até quilômetros. Os fótons calminhos do rádio nãoestão numa frequência ressonante com os átomos e moléculas em seu corpo, atravessando sem causar efeito. Micro-ondas, como o nome sugere, são ondas curtas, milimétricas, mas ainda maiores que as da luz ou infravermelho. Elas também atravessam você, mas são capazes fazer girar as moléculas de água e aquecê-las. O metal reflete micro-ondas. Tanto que, antes de servirem para criar aparelhos quem fazem pipoca, as ondas desse tipo foram usadas no radar.

A luz tem ondas ainda mais curtas. Nessa frequência, os fótons não são capazes de atravessar você e acabam parte refletidos, parte absorvidos – por isso o Sol e holofotes esquentam a pele. Quando chegamos ao ultravioleta, raios x e raios gama, a energia é tão grande que os fótons se tornam novamente capazes de penetrar no corpo humano, bagunçar os átomos e causar estragos no DNA das células.

Outro fator importante para decidir o que faz ou não mal é a potência de uma emissão eletromagnética. Potência é a quantidade de fótons emitida. Essa é a diferença entre uma lâmpada de 60 watts, que cria a meia-luz sexy do abajur cor de carne e a luz de uma bomba atômica, que derrete a pele das pessoas. O rádio teria que ter uma potência monstruosa para começar a ter efeito. “Se a frequência não é ressonante com um processo no corpo que tem a mesma energia, então passa direto”, afirma o professor Christiano de Matos, do MACKGRAPHE, o centro de pesquisas avançadas em grafeno e nanomateriais da Universidade Mackenzie. “O processo de absorção acontece fóton a fóton. A energia de cada fóton individual tem que ser ou não ressonante com um processo biológico”. Por isso, ninguém nunca provou que emissões de rádio de ondas longas possam causar danos.

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Mas o professor Matos faz uma ressalva: “mesmo que uma radiação tenha uma frequência não ressonante com processos biológicos, uma porcentagem baixa de fótons pode ser absorvida. Se o número de fótons incidentes for muito muito grande, então isso significa que muitos fótons serão também absorvidos. Agora, se isso causará ou não algum mal, eu não sei dizer”. Por via das dúvidas, é melhor não montar uma casa da árvore numa antena de TV aberta.

Ainda que a ciência não aceite que rádio possa causar qualquer dano ao corpo humano, os sintomas da “hipersensitividade eletromagnética” são reais. E infernais, porque estamos imersos num mar de ondas de rádio. Celular, TV, Wi-Fi, estações de rádio, fios de postes e mesmo motores elétricos, tudo isso emite radiação eletromagnética de ondas longas. Mas, hoje, não tem para onde fugir.

Ou melhor, tem. Nos Estados Unidos, existe a Zona Nacional de Silêncio de Rádio. Situada entre três estados, é uma região onde rádio é proibido. Celulares não funcionam, ninguém pode ter Wi-Fi. Televisão, só por satélite ou cabo, e só existe uma estação de rádio, de baixa potência. As minúsculas cidades desse lugar “medieval” atraem gente que acredita ter hipersensibilidade eletromagnética. E cientistas, por incrível que pareça.

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A razão do silêncio é o Observatório Nacional de Radioastronomia, que abriga o maior radiotelescópio do mundo, o Green Bank Telescope, uma parabólica com 100 metros de diâmetro. Como as ondas vindas do espaço são extremamente fracas, qualquer emissão local poderia atrapalhar o trabalho dos astrônomos. A Zona Nacional de Silêncio de Rádio foi criada para proteger o observatório em 1958, dois anos após sua inauguração.

 

Imagens: Wikimedia Commons

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