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Qual é a música mais lenta que existe?

Ela dura 639 anos (sim você leu direito). Na prática, porém, há um limite psicológico para a distância máxima entre duas notas.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h40 - Publicado em 9 mar 2018, 19h11

Caso você esteja interessado em uma resposta rápida para a pergunta do título – o que seria irônico –, a peça mais lenta já composta é Organ²/ASLSP, uma das pirações célebres da lenda pós-modernista John Cage. Ela começou a ser tocada em 2001, no órgão de uma pequena igreja em Halberstadt, na Alemanha, e a performance vai até 2640 – ou seja, terá 639 anos de duração. Caso um meteoro ou uma guerra atômica não destruam o planeta antes, é claro.

A partitura tem oito páginas, e a principal instrução é tocá-la tão devagar quanto possível. Sem especificar o quão devagar é devagar o suficiente. O valor de 639 anos foi escolhido pelos músicos responsáveis pela peripécia simplesmente porque essa era a idade do órgão utilizado na época em que a performance começou – e pareceu justo homenageá-lo já que o instrumento será usado para isso por quase um milênio. Segundo a BBC, o primeiro acorde durou um ano e meio. A próxima mudança está programada para setembro de 2020.

(Caso você queira ouvir como fica a peça se ela for tocada tão rápido quanto possível, eu tenho uma boa e uma má notícia: a boa é que alguém já fez isso no YouTube, em menos de um minuto. A má é que o resultado é uma maçaroca cacofônica. É nisso que dá desrespeitar a partitura).

Não se preocupe: ninguém precisa ficar lá segurando as teclas. John Cage, como todo bom pós-modernista, levou a música de volta para o estado roots: organizar sons no tempo. Não há diferença nenhuma entre passar seis minutos ou seis séculos fazendo isso. Pelo menos na teoria.

Na prática, há. Quando o intervalo entre duas notas de uma composição passa de um determinado limite, nosso cérebro não consegue interpretar essas duas notas como parte de algo contínuo.

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Parece filosofia de boteco, mas é uma questão importante: o que é o presente? Afinal, conforme você lê esta frase, a anterior já está em algum ponto do passado, ainda que muito recente – e a próxima já está no futuro, ainda que seja um futuro muito próximo. Na prática, o presente é algo sem duração. Para usar uma analogia espacial, é um ponto sem dimensões que divide a sua percepção da realidade em antes e depois.

Não se preocupe se não deu para entender nada do parágrafo anterior. É claro que é meio difícil imaginar o presente como algo sem duração. Para isso existe o conceito de presente de percepção. Uma determinada duração em que você interpreta dois fatos consecutivos (como duas notas) como se ambos estivessem no presente. Para seu cérebro conseguir conectar os sons que compõe uma música, o próximo som tem que aparecer rápido o suficiente para o anterior não deixar de ser uma sensação e se tornar uma memória. Se você precisar se lembrar da nota anterior, você não vai ter a sensação de está ouvindo música.

O músico e pesquisador Stephen Hart Lehman já fez o favor de calcular qual é o limite inferior da percepção musical – essa foi sua tese de doutorado. Ele concluiu que notas com duração de dois segundos (ou, para usar o padrão adotado por músicos, 30 bpm) estão na fronteira da compreensão. Bata a mão na mesa, conte dois segundos, bata de novo. É esse o pulso. Qualquer coisa mais lenta do que isso seria, em suas palavras, “lenta demais para ser útil”.

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Ou seja: a música mais lenta do mundo de fato é a de John Cage, que pode ser tão lenta quanto o intérprete quiser. Mas a música mais lenta que você ainda consegue ouvir como música é algo assim – pobre baterista:

(Como sempre, agradeço o músico Adam Neely pela inspiração para o post. O canal dele talvez seja o mais interessante de todo a categoria “música” do YouTube)

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