Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Supernovas

Por redação Super Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog não é mais atualizado. Mas fique à vontade para ler o conteúdo por aqui!
Continua após publicidade

Sem Darwin, não existiria .mp3

Para deixar um arquivo de música mais de dez vezes menor que o original, é preciso saber exatamente onde remover bits. A resposta está na seleção natural.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h37 - Publicado em 24 Maio 2018, 15h23

O alemão Eberhard Zwicker, morto em 1990, foi um dos últimos e mais obscuros cientistas loucos. Ao longo de uma década, submeteu seu pupilo Dieter Seitzer a uma rotina peculiar: todo dia, após o almoço, eles jogavam uma hora de pingue-pongue. Entre um saque e outro, o gênio fazia o aluno ouvir suas últimas descobertas em um campo de pesquisa obscuro, que ficava em uma encruzilhada distante entre a biologia, a psicologia e a física: a psicoacústica.

Zwicker morreu praticamente anônimo: seu artigo na Wikipedia em inglês tem quatro linhas. A versão alemã da enciclopédia lhe dedicou meia dúzia de parágrafos – nada notável. Ele se formou em física e em engenharia elétrica e se tornou professor da Universidade Técnica de Munique em 1967. A psicoacústica, seu xodó, trabalhava em torno de uma típica constatação darwinista: o ouvido humano não é um microfone perfeitamente calibrado, que trata todas as frequências em pé de igualdade. Na verdade, ele é um órgão adaptativo, moldado pela seleção natural para facilitar tarefas úteis para a sobrevivência de nossos antepassados – como compreender a linguagem e detectar a aproximação de predadores.

O resumo aí em cima foi baseado no trabalho do jornalista Stephen Witt, autor do livro Como a música ficou grátis – uma história incrível sobre os fundadores da pirataria na internet. Mas o que, afinal, os 200 mil anos de história dos tímpanos do Homo sapiens tem a ver com a explosão do formato .mp3 e da música ilegal?

Simples: uma música em .mp3 ocupa menos de um décimo do espaço de uma música salva em um CD. Isso significa que ela tem dez vezes menos bits – em outras palavras, que a mesma sequência de sons precisa ser salva usando dez vezes menos informação. Esses bits a menos precisam ser tirados de algum lugar – mais precisamente, de um lugar em que eles não façam falta. Como saber onde eles não fazem falta? A resposta estava no trabalho de Zwicker – mais precisamente, em um calhamaço alemão impenetrável intitulado Das Ohr als Nachrichtenempfänger (em português, “O ouvido como receptor de mensagens”).

Zwicker sacou algumas coisas essenciais sobre a maneira como o cérebro processa o mundo dos sons. Uma é que ele dedica boa parte da atenção às frequências que estão dentro do alcance da voz humana. Sem surpresas: o ouvido, na pré-história, era usado principalmente para compreender a fala de outras pessoas. Não valia a pena desperdiçar muitos neurônios para pegar as nuances do canto agudo dos pássaros ou da vibração grave de um abalo sísmico.

Isso tem uma consequência importante: se você dedicar menos bits aos extremos da gravação – os sons mais graves e mais agudos –, seu ouvido não vai notar que a qualidade caiu. Só o mais criterioso dos audiófilos vai perceber que há menos informação sonora ali. Essa é uma das frentes de atuação do .mp3: cortar pelas beiradas.

Outra coisa que seu cérebro faz é ignorar sons discretos que vêm um pouco antes e um pouco depois de algum evento sonoro muito intenso. Na música, isso significa que você pode tirar muitos bits dos outros instrumentos quando o baterista, por exemplo, dá uma cacetada no prato. Não importa: naquele momento, a única coisa que interessa é o prato. O resto fica ofuscado. Graças a essa manipulação de dados inteligente – as duas técnicas acima são só exemplos, mas há muitas outras maneiras de economizar bits –, só fãs de música muito exigentes são capazes de perceber a diferença de qualidade entre uma gravação original, de CD ou LP, e uma compactada em .mp3.

Zwicker era um teórico: foi seu aluno e adversário no pingue-pongue, Seitzer, que viu o potencial prático dos estudos evolutivos da audição. Depois que Seitzer já havia superado seu mestre e alcançado um cargo acadêmico razoável, ele pegou um de seus alunos – um CDF inacreditável chamado Karlheinz Brandenburg – e botou o gênio para transformar as descobertas sobre ouvido em um algoritmo que se aplicasse a qualquer música. Um conjunto de operações matemáticas capaz de comprimir qualquer som em um espaço dez vezes menor do que ele ocupava originalmente. Assim nasceu o .mp3.

Continua após a publicidade

Truques adicionais entraram em campo neste ponto, é claro, como algo chamado “algoritmo de Huffman”, que os mais interessados podem entender aqui. Não dá para entrar em detalhes legais em um texto de blog tão curto – as décadas de experimentos com cobaias que Brandenburg organizou até chegar ao código perfeito, à compactação mais imperceptível.

Mas a moral da história, aqui, é sentir na pele o quanto a ciência se aplica ao cotidiano. Da mesma maneira que seu celular resolve equações de Einstein para calcular sua posição geográfica com o GPS (entenda melhor aqui), a indústria musical do século 21 não existiria se não fosse a semente plantada por Charles Darwin: tudo no seu corpo é da maneira que é por um motivo. E conhecendo melhor esses motivos, podemos encontrar soluções para muitas questões do presente.

Para saber mais

Como a música ficou grátis
Witt Stephen, Intrínseca, 2015

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.