Valeu, Bourdain
O chef e apresentador de TV Anthony Bourdain foi encontrado morto em um quarto de hotel em Kaysersberg, na França, nesta sexta-feira.
Meu blog não é sobre comida nem sobre personalidades. Mas acho que posso me dar ao luxo, nesse caso.
Anthony Bourdain bebia todas. Fumava todas. E já tinha a hora de parar definida: “todo dia eu jogo ‘Keith Richards’ no Google. Se ele ainda estiver vivo, meus planos para a saúde estão dando certo”. De tão fã dos Stones, declarou que seu jantar perfeito seria comer salsicha, purê de batata e ervilhas (o lendário bangers and mash) com o guitarrista. Isso vindo de alguém que já jantou até com o Obama.
Quando eu era moleque, a coisa mais importante do mundo era a opinião dos outros. Principalmente quando os outros em questão eram gringos (ah, a síndrome de vira-lata…) O dia em que Bourdain botou os pés na Zona Norte de São Paulo, em 2012, meu coração parou. Ele andou debaixo do viaduto do metrô em Santana, onde eu peguei ônibus centenas de vezes. Foi ao Mocotó, o maior orgulho da Vila Medeiros. A equipe dele chegou até a filmar o lendário bar do Luís Fernandes, no Mandaqui – que pena que não chegou a se sentar lá para comer!
Filmou o programa em dois dias, mas fez questão de uma passagem relâmpago pelo Mercadão para comer o lendário sanduíche de mortadela paulistano – para o qual cada crítico nariz empinado, vivo ou morto, torceu o nariz. Ele é uma aberração, de fato. Um caça-turista de meio quilo. Mas em 2007, da primeira vez que passou por São Paulo, Bourdain se limitou a dizer que, de tão bom, queria andar por aí com uma foto do dito cujo na carteira. Quem somos nós para julgar a comida (e as estratégias de marketing) dos outros, afinal?
Bourdain entendia isso melhor do que ninguém. Ele era escrachado. Às vezes fazia o tipo dr. House, resmungão charmoso. Mas nunca foi indelicado. Respeitou cada prato que comeu – até carne de foca crua, no Alasca. Entendia a comida como parte indispensável da cultura de um país, e tinha uma sensibilidade de dar inveja para o mundo à parte que há dentro de cada fronteira. Quando eu era moleque, eu também tendia a achar que o mundo girava em torno do meu umbigo, mas ele esfregou na minha cara que não: há 7 bilhões de pessoas por aí que ignoram solenemente a minha existência – e têm existências muito mais fascinantes que a minha.
Valeu, Bourdain, por sempre preferir a comida de rua. Se tem um vira-lata em volta, deve ser bom – cachorro não é bobo.