A evolução em jogo
Um passatempo com palavras que lembra o desenvolvimento e a transformação das espécies.
Luiz Barco
Dia desses recebi em casa a visita de um colega dos bons tempos do colégio. Como sempre acontece nessas ocasiões, falamos dos nossos sonhos de adolescentes e da importância que certos professores tiveram na construção e até na realização de alguns deles. Lembramos em especial do professor Victor Eisenmann, para nós o “Charutinho”, que, em meio a vigorosas baforadas, falava com entusiasmo sobre o seu time favorito e sobre a importância da matemática. O realce quase mágico que ele dava aos aspectos lúdicos da disciplina encantava-nos. Mesmo aqueles que abominavam tudo que tivesse qualquer referência a números respeitavam e queriam bem ao homem escondido no professor.
Foi em uma das aulas do Charutinho que eu ouvi falar pela primeira vez do reverendo Charles L. Dodgson (1832-1898). Embora não possa ser considerado um grande matemático, Dodgson imortalizou-se com o pseudônimo de Lewis Carrol, sob o qual escreveu, entre outras obras, Alice no País das Maravilhas.
Não são poucos os livros de brincadeiras matemáticas que exibem um curioso problema criado por Lewis Carrol – segundo consta, no Natal de 1877 – para distrair duas meninas que não tinham nada para fazer. O nome dado à brincadeira foi
cadeia de palavras. A idéia básica é transformar um vocábulo, como “ódio”, em outro, com o mesmo numero de letras, como “amor”. Isso deve ser feito trocando-se uma única letra de cada vez e passando-se sempre por palavras dicionarizadas, isto é, com significado conhecido. Claro que o vencedor será aquele que descobrir a cadeia com o menor número de passos. Veja o resultado de nosso exemplo:
ódio – adio – adir – amir – amor.
Confesso que usei uma variação do problema original, pois tomei a liberdade de usar “adio”, que é o verbo adiar conjugado na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, e eu não havia proposto o uso de verbos flexionados. Bem como “amir”, palavra de cuja existência eu apenas desconfiava. Só tive certeza quando folheei o dicionário e lá estava: amir, forma erudita de emir.
Imagine uma escola que incentive jogos como esse. Os alunos certamente iriam enriquecer o próprio vocabulário. De acordo com o matemático Martin Gardner, o evolucionista John Maynard Smith, no seu ensaio As Limitações da Evolução Molecular, mostra que há uma surpreendente semelhança entre esse jogo e o processo pelo qual uma espécie evolui para outra. Procure pensar na molécula helicoidal do DNA como numa palavra na qual os genes seriam as letras. Seria uma palavra
gigante, com um número bem grande de letras. As mutações simples corresponderiam às passagens do jogo das palavras. Ou seja, houve um longo caminho entre o “símio” e o “homem” e a natureza gastou para isso vários dicionários e diversas línguas.
Esse raciocínio meio maluco nos leva a algumas perguntas. Quem estaria jogando esse belo jogo?
E como ele irá terminar? Claro, as respostas são difíceis de encontrar. Pensando nisso, resolvi criar para os leitores desta coluna um problema difícil mas bem mais ameno que o da evolução. Por mais erudito que você seja, sugiro que pegue um bom dicionário. Acredite, vai precisar dele. Depois, treine um pouco o jogo das palavras, começando com vocábulos curtos. Tente primeiro transformar
“mau” em “bom” ou “mal” em “bem”. Ou, quem sabe, prefira construir um desafio mais interessante ainda, passando de “mal” para “mau”, depois de “mau” para “bom” e, finalmente, de “bom” para “bem”.
Quando estiver afiado, encare a nossa proposição: transforme a palavra “homem” em “feliz”. Mas faça isso homenageando a nossa revista. Antes de chegar ao “feliz”, dê um jeito de incluir uma passagem por “super”. Bom divertimento.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo