Luiz Barco
Na introdução do livro de Richard S. Wurman Ansiedade da Informação (Cultura Editores Associados, 1991), o economista John Naisbitt tece algumas críticas saborosas aos excessos do preciosismo numérico, que muitas vezes mais atrapalham do que favorecem o entendimento de certas questões. De acordo com ele, depois de uma apresentação riquíssima em dados, em geral, o pobre ouvinte não consegue lembrar-se de uma só das palavras proferidas pelo conferencista. E ainda pode esquecer onde estacionou o carro.
Talvez devêssemos reanalisar os manuais destinados às escolas brasileiras sob a ótica de Wurman. Ele nos lembra que “aprender é lembrar-se daquilo que interessa”. Portanto, se houver interesse, os números e as fórmulas serão memorizados sem problemas. Isso porque eles passam a ter um sentido.
Nesta coluna, tenho tentado abordar dessa maneira a Matemática: alimentando interesses. E tenho conseguido resultados, como mostram as cartas e mensagens via Internet que venho recebendo.
Por falar nesses contatos com os leitores, acabo de me lembrar que prometi voltar a uma conversa iniciada na edição passada. Para quem não leu ou precisa refrescar a memória, nós estávamos falando dos movimentos da Terra. Destacamos dois deles. Um é o de rotação, que o planeta executa em torno do seu próprio eixo, como você vê abaixo:
O outro movimento é o de translação, que a Terra realiza numa órbita elíptica, da qual o Sol ocupa um dos focos. Assim:
Com base nessas informações, propus imaginar que alguém, quem sabe um ET, postado em algum ponto do Universo fora da órbita da Terra, esteja observando você. Sua sensação é a de estar parado, mas para o observador você executa um movimento mais ou menos assim:
O que eu perguntei foi o seguinte: em relação a esse observador, levando em conta os dois movimentos, nós “andamos” mais rapidamente à noite ou durante o dia? Alguns leitores devem ter pensado que se tratava de uma brincadeira. Mas observe a ilustração:
Repare que na metade da Terra na qual é noite um ponto se move a uma velocidade que resulta da soma do deslocamento relativo à translação com o que resulta do giro do planeta (rotação). Um ponto situado no hemisfério iluminado pelo Sol desloca-se a uma velocidade que equivale ao movimento relativo à translação diminuído da componente relativa ao giro (que ali vai em sentido contrário).
Assim, para o observador externo, nós nos movemos ao redor do Sol mais depressa à noite do que durante o dia. No volume 1 de seu livro Física Recreativa (Editorial Mir, Moscou, 1975), o divulgador científico Yakov Perelman calcula que a diferença entre essas velocidades seja da ordem de 1 quilômetro por segundo para dois pontos situados no equador. No ponto onde é meia-noite, somam-se os 30 quilômetros por segundo da translação aos 500 metros por segundo da rotação. No ponto onde é meio-dia, subtraímos os 500 metros por segundo da rotação dos 30 quilômetros por segundo relativos à translação.
Assim, aproveitemos a noite, quando estamos mais velozes, para embarcar nas estrelas e com a nossa imaginação encontrar um modo mais lúdico e feliz de viver.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo