A pirataria venceu
Não se iluda com a condenação do Pirate Bay. A indústria do entretenimento percebeu que não adianta combater a troca ilegal de músicas e vídeos na Internet. E já aposta numa estratégia radical: liberar tudo
Bruno Garattoni
Você já baixou alguma coisa pirata da internet? Pode confessar… você não é o único. No Brasil, 45% das pessoas com internet em casa têm o hábito de roubar músicas, filmes, softwares e programas de TV. Se você é um deles, talvez já tenha sabido da notícia: os criadores do Pirate Bay, o mais famoso site de downloads piratas, finalmente levaram a pior. Depois de passar os últimos anos desafiando a lei e fundar até um partido político, eles foram multados em US$ 3,6 milhões e condenados pela Justiça da Suécia, onde moram, a um ano de cadeia. No dia seguinte, os estúdios de Hollywood e as multinacionais da música festejaram a vitória como o início de uma nova era: a guerra contra a pirataria na internet, que se arrasta há quase 10 anos, finalmente começou a ser ganha. E a farra dos downloads começou a acabar. Certo? Errado. Na verdade, aconteceu o contrário. A pirataria está maior e mais forte do que antes – tão mais forte que a indústria do entretenimento resolveu mudar de estratégia e abraçar uma proposta radical: quer parar de vender as músicas e liberar os downloads na internet. E existe uma avalanche de motivos para isso.
O Pirate Bay, por exemplo, não só não saiu do ar como sua audiência cresceu 10%. E a condenação, da qual os piratas estão recorrendo em liberdade, foi uma verdadeira bênção – pois colocou a pirataria no centro das discussões e deu um baita empurrão ao Partido Pirata (Piratpartiet). O partido, que em 2006 tentou e não conseguiu eleger um representante, agora é o 2o mais popular entre os jovens da Suécia e tem 5,1% das intenções de voto – o que em tese é suficiente para garantir uma vaga no Parlamento Europeu, que será escolhido no dia 7 de junho. Se eleitos, os piratas vão lutar para mudar as leis que regulam a troca de arquivos na internet. E há um consenso cada vez maior, entre juristas e autoridades de todo o mundo, de que elas realmente precisam ser revistas. Pois, do jeito que são hoje, transformam qualquer um em criminoso – até mesmo o presidente dos EUA. Ao visitar a rainha Elizabeth 2a, em abril, Obama deu a ela um iPod carregado com 40 músicas (eram trilhas de musicais americanos, como Cabaret). Só que a legislação atual não só proíbe a cópia de cds para a memória do iPod como também impede que as músicas baixadas legalmente da internet (em sites como o Apple iTunes Store) sejam redistribuídas a outras pessoas. Tecnicamente, o presente que Obama deu para a rainha é ilegal.
Absurdo, não? É por isso que, mesmo depois de processar 50 mil internautas, a indústria do entretenimento não consegue frear a pirataria. Está tentando criminalizar práticas que já se tornaram corriqueiras. “Cada vez mais a conduta normal está sendo reconhecida como ilegal. Isso desmoraliza a lei, porque as pessoas se veem como criminosas e começam a se acostumar à ideia”, diz Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Stanford, em seu livro Remix (ainda sem tradução em português). As autoridades já perceberam isso. E começaram a mudar de postura.
Baixado não é roubado
Na China, onde 99% da música é pirata, o governo acaba de instituir uma lei que anistia os provedores de internet – que não serão responsabilizados pelo que seus usuários baixarem ou deixarem de baixar. A União Europeia rejeitou um projeto para cortar a internet de quem faz downloads ilegais. Autoridades alemãs decidiram que só vão julgar, em eventuais processos, quem tiver baixado mais de 3 mil músicas ou 200 filmes (o resto será ignorado). A Associação Brasileira de Direito Autoral já afirmou que não vai perseguir judicialmente os fãs de downloads. E, nos EUA, a Justiça abriu um precedente histórico: derrubou o principal argumento de estúdios e gravadoras, e reconheceu que um download ilegal não equivale a uma venda perdida (pois quem está baixando um filme ou música de graça não iria, necessariamente, aceitar pagar por aquele produto).
Isso significa que, para a Justiça, roubar um arquivo digital não é mesma coisa que roubar um objeto físico, como uma laranja ou um carro. É um delito menor. Péssima notícia para a indústria do entretenimento, que sentiu o baque – e bem antes que as fábricas de automóveis tivessem de ser socorridas pelo governo dos EUA, já tinha ido pedir uma ajudinha a ele.
No fim de 2008, com a pirataria dizimando o setor (que já é 30% menor do que na década passada), a multinacional Warner criou um plano de salvação: legalizar a pirataria. Todo mundo poderia baixar e compartilhar o que quisesse, da maneira que bem entendesse. Em compensação, seria criado um imposto sobre os downloads. Cada usuário de conexão de banda larga seria obrigado a pagar US$ 5 mensais. Parece um bom negócio para você? Para as gravadoras, seria bom até demais: daria uma arrecadação, só nos EUA, de US$ 20 bilhões por ano – o dobro do que a indústria da música fatura hoje. O valor foi considerado alto, a crise chegou e a ideia não foi adiante.
Até que o Google resolveu pagar a conta. Ele fez acordos com as gravadoras e vai lançar um serviço em que será possível baixar, de graça e sem restrição, um acervo com 1,1 milhão de músicas. Tudo custeado pelo Google, cujo objetivo é ganhar audiência e vender publicidade com isso – uma pesquisa revelou que na China, país onde o serviço vai estrear (e um dos poucos onde o Google não é líder), 84% das pessoas buscam sites de mp3 pirata. Se o próprio Google fornecer as músicas, vai virar o preferido dos chineses. “Agora nós oferecemos um serviço integrado, com todas as peças”, afirma Kai-Fu Lee, diretor do site na China.
O Google não tem planos, ao menos por enquanto, de estender a boca-livre a outros países. Mas outras empresas já abraçaram a ideia. Cansados de lutar contra os downloads ilegais, vários canais de TV por assinatura começaram a exibir sua programação de graça na internet. E, ao comprar um modelo de celular da Nokia, você ganha o direito de baixar quantas músicas quiser – de um acervo com 3,6 milhões de faixas mantido pela empresa, que subsidia tudo pagando uma taxa de R$ 135 às gravadoras (e recupera o dinheiro na venda do aparelho).
Essa é a tendência. O entretenimento está deixando de ser um produto pago para se transformar em serviço gratuito – cujo propósito é apenas estimular a venda e o uso de outros produtos e serviços. Pode parecer um final triste. Mas, para uma coisa que já tinha perdido o valor comercial, é uma grande volta por cima.
Veja como a pirataria dominou a Internet
R$ 60
É o que custaria encher um iPod só com músicas baixadas legalmente.
842
É quantos mp3 roubados as pessoas guardam, em média, na memória dos seus iPods.
11
É o número de brasileiros que têm o hábito de baixar arquivos piratas.
50%
É a porcentagem do tráfego da internet correspondente ao vai-e-vem de conteúdo ilegal.
8,2
É o número de arquivos já distribuídos pelo Mininova, o maior dos sites de conteúdo ilegal. Isso equivale a 5,5 mp3 ou vídeos piratas para cada usuário da internet.