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Alguém já viu um alvará?

A tragédia em Santa Maria, que matou 239 pessoas em uma boate, abriu os olhos do País para a segurança em casas noturnas. O caso também chamou a atenção para um assunto delicado: a emissão de alvarás de funcionamento para estabelecimentos comerciais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 2 jun 2013, 22h00

André Barcinski*

Durante quase dez anos, trabalhei com eventos e casas noturnas. Não conheço a burocracia em Santa Maria, mas conheço muito bem a de São Paulo, e garanto: é impossível uma pessoa entrar na prefeitura e conseguir um alvará sem usar os serviços de um batalhão de advogados, técnicos, engenheiros e despachantes. E, mesmo se usar, a chance de conseguir é mínima.

Duvida? Então procure na internet uma matéria recente do Jornal Nacional sobre alvarás em São Paulo. Segundo o “JN”, a cidade de São Paulo tem um total de 17 mil bares e casas noturnas. Desses, Apenas 315, ou 1,8% do total, têm alvará. Qual a explicação? Será que apenas 1,8% dos empresários que trabalham com a noite em São Paulo são honestos? É mais simples que isso: ninguém tem alvará porque a prefeitura não os emite. E a prefeitura não os emite porque, assim, os comerciantes ficam ilegais e, portanto, podem ser fechados a qualquer momento. Esse sistema kafkiano foi criado com um único propósito: incentivar a corrupção para liberação de casas sem alvará.

Abrir um estabelecimento é um caminho duro: começa com a dificuldade de achar um espaço para seu bar ou boate. Depois, você procura um engenheiro de segurança para fazer a planta do local respeitando as normas de segurança – saídas de emergência, tratamento acústico à prova de fogo, extintores, portas corta-fogo etc. Depois de alguns meses – quem sabe, anos – de obras, seu lugar está pronto, tinindo de novo, e você, cheio de entusiasmo, dá entrada no pedido de alvará, já calculando a data de inauguração da casa levando em conta que a prefeitura tem de 30 a 90 dias para responder a seu pedido.

É aí que começa a Via Crúcis: vão-se os 90 dias, depois 120, depois 150, e nada de a prefeitura responder. Conheço casos em que uma boate abriu, funcionou durante sete anos e fechou, sem receber a resposta da prefeitura. Muitos empresários recorrem a liminares: terminado o prazo de 90 dias, você entra com uma liminar na Justiça, anexando laudos de engenheiros para provar que cumpriu as normas de segurança. Muitas casas funcionam assim. Outras, infelizmente, pagam fiscais para não serem fechadas. Mas não são apenas os comércios particulares que estão ilegais: a grande maioria dos prédios públicos de São Paulo também não tem alvará. O prefeito de Sorocaba foi corajoso ao revelar que sua prefeitura não só não tem alvará, como sequer conta com brigada de incêndio.

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Como disse, trabalhei na noite por quase dez anos. Larguei por não suportar mais a burocracia e a tensão de não saber se seríamos lacrados. Nesse tempo, vi casos impressionantes: conheci um alto funcionário da prefeitura que lia a coluna social dos jornais para saber das aberturas de novas casas noturnas e ia ao local, poucas horas antes da inauguração, só para fechá-la e achacar os donos. “Meu filho, se você não quiser ser fechado, é só não aparecer na coluna social”, dizia. Conheci fiscais apelidados de “Até Que Enfim é Sexta-Feira”, por seus hábitos de sempre aparecerem nas casas às sextas, depois do horário comercial, quando ninguém seria capaz de achar um advogado para obter uma liminar. Conheci um dono de boate que disse: “Alvará é coisa de otário. Pega o dinheiro que você vai gastar em obras, deixa 20% num cofre e guarda para pagar o fiscal quando ele aparecer. Fiscal feliz não enche o saco.”

É preciso deixar uma coisa bem clara: não existem mocinhos e bandidos nessa história. Nem todo dono de bar é honesto e nem todo fiscal é corrupto. Mas, se o sistema de emissão de alvarás e fiscalização fosse simples e transparente, seria fácil detectar qualquer ato ilegal. Quem sabe, assim, tragédias como a de Santa Maria não se repetissem?

*André Barcinski é crítico de cinema e música da Folha de S. Paulo e autor do Guia da Culinária Ogra.

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