Fábio Freitas
Se o Twitter revolucionou o consumo e a produção de informação, também potencializou a proliferação de mentiras na internet. Tuitando freneticamente as revoltas no mundo árabe, o americano Andy Carvin, chefe de mídias sociais da National Public Radio, virou um caçador de boatos. Com a ajuda de sua rede de seguidores, ele ajudou a desmascarar a blogueira lésbica da Síria, uma das maiores pegadinhas da internet em 2011. A blogueira era, na verdade, um americano barbudo que vivia confortavelmente na Escócia.
Carvin aciona seus seguidores para investigar rumores, numa espécie de jornalismo colaborativo que, nesse caso, costuma funcionar. A revista Time chamou a prática de “novo novo novo jornalismo”. Seguir seus tuítes passa a impressão de estar a toda hora no meio do furacão, seja na Líbia, no Egito ou, mais recentemente, na Inglaterra. Carvin falou à SUPER de casos que ajudou a desmascarar e o desafio de separar informação de conversa fiada. Confira a íntegra da entrevista que saiu na edição de setembro da revista.
Você diz que o Twitter permite um jornalismo em tempo real. Mas, se alguém não ficar conectado o tempo todo para acompanhar o desenrolar dos fatos, como pode identificar informação confiável?
Sempre haverá outras fontes de notícias capturando os fatos que acontecem depois. Meu interesse é a experimentação com a cobertura em tempo real via Twitter, porque ela trouxe a chance de interagir diretamente com as pessoas envolvidas nos fatos. Seja em tempo real ou posteriormente, é preciso ser um consumidor inteligente de notícias. A cobertura em tempo real tem mais chance de conter erros. Mas você também pode questioná-la em tempo real.
O que você leva em conta para seguir alguém no Twitter?
Eu normalmente procuro fontes que conheço e em que confio. Começo a notar quem são as pessoas em quem elas confiam, quem seguem, retuítam, a quem respondem. Com o tempo, consigo ter uma ideia do tipo de relação que as pessoas estabelecem. Você começa a notar se elas são confiáveis simplesmente pelas informações que elas são capazes de fornecer.
Fale de alguns rumores que você ajudou a desmascarar.
Em março, circulava uma notícia na imprensa árabe dizendo que Israel tinha fornecido armas a Muamar Kadhafi, ditador da Líbia. A “prova” era uma foto de um morteiro com uma Estrela de Davi. Eu desafiei meus seguidores no Twitter a investigar o símbolo, e eles conseguiram descobrir que a estrela de seis pontas era na verdade um símbolo internacional para um dispositivo de fogos usados para iluminar o céu.
Em junho, havia notícias de que uma blogueira conhecida como “garota gay em Damasco” tinha sido sequestrada. Comecei a perguntar sobre ela a meus contatos na Síria. Eles não a conheciam. Então, envolvi meus seguidores no Twitter. Logo, mais gente começou a investigar o passado dela. Em uma semana, um americano que morava na Escócia confessou ter inventado toda a história.
A quem você pediu ajuda no caso da garota de Damasco?
Eu conheço pessoas das comunidades LGBT de Damasco e países vizinhos. Ninguém tinha ouvido falar dela ou a encontrado. Falei com veículos da imprensa que supostamente a tinham entrevistado pessoalmente ou por telefone, e eles reconheceram que só conversaram por e-mail. Até a namorada virtual dela admitiu que elas se relacionavam só via texto. Assim que relatei isso, o caso começou a ser desvendado, com gente rastreando a história dela na internet, que durou 5 anos, falando com quem tinha interagido com ela. Depois, foi descoberta uma ligação dela com uma casa na Geórgia (EUA) – que pertencia ao americano que vivia na Escócia.
Que tipo de prejuízo uma mentira circulando na internet pode causar e quem sofre com isso?
O caso da garota gay de Damasco é um grande exemplo, porque debilitou muitos blogueiros de fato da região. De repente, pessoas começaram a questionar se eles eram reais. Um deles me contou que tinha medo de que, caso fosse preso, as pessoas perdessem tempo investigando-o, em vez de lutar pela liberdade dele. Essa história também foi péssima para os manifestantes sírios, pois a TV estatal do país pôde retratá-la como prova de que a internet estava sendo usada para falar mal do governo.
É possível fazer uma estimativa da porcentagem de fatos e boatos postados todo dia pelas pessoas que você segue no Twitter?
Não tenho ideia. Muito do que vejo são registros – vídeos, áudios, fotos. Quase 100% são reais, mas às vezes falta contexto, como quando e onde foram feitos. É aí que peço a meus seguidores para ouvir áudios procurando sotaques, identificar locais de referência, e por aí vai. Alguns tentam descobrir até data e horário, com base na posição do Sol. É incrível como eles escavam esses detalhes. Claro que todo dia há boatos – tal cidade capturada, tal pessoa morta. Mas às vezes são verdadeiros, como quando o presidente do Iêmen quase foi morto, ou o assassinato do comandante dos rebeldes na Líbia. Alguns boatos reaparecem, como sobre o ataque cardíaco do ex-ditador egípcio, Hosni Mubarak. Com o tempo, você começa a identificar o que é uma possibilidade razoável e o que é conversa fiada.
A imprensa frequentemente também é vítima de pegadinhas, como a da garota gay em Damasco, e faz interpretações falsas, como conectando os recentes ataques na Noruega a terroristas islâmicos. Por que ocorrem esses erros?
São casos bem diferentes. O da garota de Damasco foi um hoax (fraude) perpetrado na mídia e no público. A pessoa que criou a personagem fez um grande esforço para fazer a mídia sentir que ela era real, chegando até a planejar entrevistas para serem feitas pessoalmente, mas cancelando-as no último minuto por “medo de ser presa”. Alguns veículos de comunicação muito bons acharam que ela era real, e suas entrevistas com ela perpetuaram a história e lhe deram credibilidade. Com a Noruega, foram analistas do noticiário e especialistas tirando conclusões precipitadas, antes que houvesse qualquer evidência que as sustentassem.