Capturas excêntricas
Saiba como jogar o fanorona, jogo típico da ilha de Madagascar, que tem as regras de capturas mais curiosas.
Luiz Dal Monte Neto
Em muitos jogos de tabuleiro existem as jogadas de captura, ou tomada, em que uma ou mais peças são eliminadas por ação de uma ou mais peças adversárias. Tais jogadas podem se revestir de características muito peculiares, dependendo do jogo ou até mesmo da variante de um mesmo jogo. “Comer” uma peça do oponente , como se diz popularmente, é com freqüência associado a pular sobre ela, como acontece no jogo de damas, ou ocupar o lugar dela, como ocorre no xadrez. Contudo, as formas de captura são muito mais variadas que isso e justificariam um longo estudo.
Apenas como exemplo, talvez o leitor se interesse em conhecer um dos jogos que apresentam regras de captura mais curiosas – o fanorona – , um passatempo típico da ilha de Madagascar. Inventado por volta de 1680, ele tem cedentes inclui um parente ilustre – o popular jogo de damas. Do alquerque ele tomou emprestado o tabuleiro, que foi multiplicado por dois, e as peças, que tiveram a quantidade aumentada.
A figura 1 mostra o tabuleiro de fanorona, com as peças dispostas na posição inicial – vinte duas para cada lado. Freqüentemente, ele é traçado sobre pedras plantas, ou simplesmente sobre o chão, o que não impede que se possa desenhar um em cartolina ou madeira, ou mesmo, para os mais habilidosos, modelá-lo em diversos materiais. As peças são brancas e pretas, ou claras e escuras, podendo ser improvisadas de muitas formas. Para um primeiro contato, o leitor pode jogar sobre a própria figura 1, usando grãos ou pequenos botões.
As letras e números não fazem parte do layout, mas são úteis para quando se desejar anotar ou reproduzir partidas. Observe o leitor que as peças não se colocam sobre as casas, mas sobre as intersecções das linhas. O ponto central (e3), inicialmente, é o único desocupado. As peças movem-se através das linhas – indo da intersecção onde, para outra adjacente e vaga. Valem movimentos horizontais, verticais e diagonais, para a frente ou para trás. Começa quem joga com as peças claras e depois cada um lance por vez, alternadamente. O objetivo é liquidar com todas as peças do adversário.
À medida que uma peça se move para uma intersecção e o ponto ou pontos imediatamente seguintes estão ocupados por peças inimigas, estas são removidas definitivamente do jogo. Para serem capturadas, é preciso que elas estejam alinhadas numa cadeia ininterrupta, na mesma linha de movimentação da peça que captura. Assim, por exemplo, a figura 2 mostra uma posição em que a peça negra toma uma branca (não toma as duas, pois há um espaço vago entre a primeira e a segunda). Já na figura 3, a peça branca toma três negras. Esse jeito bizarro de tomar peças é conhecido como captura por aproximação. Mas a coisa não pára aí.
Quando, ao se mover, uma peça se afasta da outra, ou outras, do adversário, situadas na mesma linha do movimento, ela também as captura. Nas figuras 4 e 5 vemos dois bons exemplos. No primeiro, são capturadas duas peças brancas; no segundo, uma negra. Estas são chamadas capturadas por afastamento. È freqüente ocorrerem movimentos em que há possibilidade simultânea de captura por aproximação e por afastamento. Nesses casos, o jogador deve escolher uma das alternativas. As capturadas são compulsórias, mas nas posições em que haja várias tomadas possíveis a escolha é livre.
Podem existir também capturas em série numa só jogada: após fazer uma captura, desde que mude de linha. Na primeira jogada de ambos os jogadores, porém, não valem capturas em série. Na figura 6, depois de a peça negra capturar duas brancas por aproximação, muda de linha e segue capturado outra, desta vez por afastamento.
Originalmente, o fanorona possuía um importante papel ritual, relacionado a práticas divinatórias. Há testemunhos de que, em 1895, quando as tropas francesas tomaram de assalto a capital de Madagascar, a população e a própria rainha, Ranavalona III, estavam mais preocupadas com o resultado de uma partida entre especialistas do que com a estratégica de defesa. Acreditavam que o resultado do jogo apontaria o caminho para a vitória melhor que qualquer chefe militar. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. A ilha foi dominada pelos franceses, a monarquia foi abolida e Ranavalona III passou o resto da vida no exílio.
Luiz Dal Monte é arquiteto e designer de jogos e brinquedos.