Como não ser interrompida no trabalho
Estratégias psicológicas para expressar suas ideias sem que seus colegas se intrometam.
No mês passado, um vídeo da ministra Cármen Lúcia falando sobre “manterrupting” viralizou. A presidente do Supremo Tribunal Federal repreendeu o colega Ricardo Lewandowski por interromper a também ministra Rosa Weber. Cármen Lúcia quebrou o protocolo jurídico para criticar a desigualdade de gênero no STF e citou um estudo da Northwestern University que analisou a interrupção dos homens na fala das magistradas na Suprema Corte dos Estados Unidos ao longo de 15 anos – “em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros”, disse ela. Sobre a situação no Direito brasileiro, Cármen Lúcia completou: “não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”.
Mesmo que você não trabalhe em um tribunal, é provável que já tenha sido interrompida – quando não calada – por um colega homem, muitas vezes para dizer exatamente aquilo que você estava falando. Interromper uma mulher ou se apropriar da fala dela são faltas de respeito tão corriqueiras que ganharam nome, os chamados manterrupting (a interrupção) e mansplaining (quando ele usa a interrupção para explicar algo que a mulher já sabe).
Como nem todas as funcionárias têm uma colega com a presença de espírito da ministra Cármen Lúcia, explicamos aqui algumas estratégias psicológicas para lidar com intrometidos:
Valide a interrupção
Por mais desrespeitosa que a seja a intromissão, algumas vezes ela acontece pelo simples fato de que o outro está interessado no que está sendo dito. Então, aproveite a oportunidade para validar esse entusiasmo: “Fico feliz em saber que você gostou da ideia, mas antes vou completar a questão, aí você me diz se concorda”. Se mesmo assim a interrupção continuar ou for frequente, chame a pessoa para uma conversa e abra o jogo: “Quando você não me deixa falar ou expõe a minha ideia por mim, eu me sinto desvalorizada. Dá a impressão de que você não confia no meu trabalho”. Dê o toque imediatamente depois da reunião. Lavar a roupa suja é chato, mas pode ser útil para que pessoa perceba esse comportamento e o seu incômodo.
Jogue a responsabilidade para o outro
O pior tipo de interruptor é aquele que corta a sua fala por falta de controle emocional. Parece um caso perdido se expressar diante de alguém que fica na defensiva rebatendo suas ideias antes de você terminar, mas existem algumas saídas – ufa!
Comece deixando claro que ele cortou a sua vez “Eu vou terminar o meu raciocínio e depois a gente conversa sobre o que te preocupa, pode ser?”. Se essa sacudida elegante não funcionar, deixe-o falar um pouco e jogue a responsabilidade para ele: “Entendi, Fulano. Você está preocupado com isso, isso e aquilo. Mas o que você propõe? ”. Assim que você der a palavra, escute, faça as perguntas necessárias para entender o ponto do outro e volte ao seu. Por exemplo: “A sua preocupação é que não há material em estoque o bastante. A minha é que se não agirmos vamos perder uma grande venda. Como podemos fechar a venda mesmo com pouco estoque? ”.
Colocar os pontos do outro no seu discurso faz com ele preste mais atenção no que você está dizendo e, assim que ele sentir que você dá importância para as prioridades dele, vai se mostrar mais aberto às suas. Engajar o interlocutor e se envolver nas demandas dele (mesmo que só da boca pra fora) é uma maneira de transformar um monólogo em um diálogo.
Não baixe a guarda
Até agora as técnicas se basearam em tato e sutileza, mas daqui pra frente as estratégias mudam. Se você tentou as dicas acima e nada deu certo, entre na guerra que o interruptor propôs.
Lembra do mantra da peixinha Dory, de Procurando Nemo? Pois bem, continue a falar, falar, falar. E dificulte as coisas: baixe um pouco o volume da sua voz para que a intromissão afete a compreensão dos outros colegas, mantenha contato visual com o homem em questão, com pessoas poderosas ou que te deem apoio na sala. Deixe bem claro o quão importante é o que você está dizendo, e isso se aplica à escolha das palavras, ao tom e à linguagem corporal: “Eu estou falando da ação mais importante do ano para a empresa. Temos a obrigação de seguir com esta venda”. E siga falando.
Caso o intrometido se cale, volte ao seu discurso normal. Mesmo que não funcione, não é uma tragédia completa: cabe às outras pessoas da reunião ou da sala julgarem quem estava sendo inconveniente.
Outra dica bélica que pode ser de grande valia: motive seus aliados. Ok, seu colega intrometido não deixa você expor a sua ideia, mas se você sabe que mais gente concorda com o seu ponto, instigue seus amigos a se juntarem a você. “Tenho certeza que esta é principal ação do ano. Você não acha, Fulana? ”. Quando puder, faça isso com antecedência. Por exemplo: se você tiver uma reunião com um notório interruptor, converse com seus aliados antes. “Quando eu mencionar esta ação, você pode falar sobre aquela outra que foi parecida com essa e deu certo? ”. União faz a força – e, com sorte, pode calar o colega desrespeitoso e garantir que você seja ouvida.
Não faça pouco caso
Não conseguir se expressar porque alguém não para de te interromper é humilhante, sexista e desmotivador. Então, deixe claro o quanto isso é desconfortável. Muitas pessoas tendem a responder situações como essa com palavras amenizadoras e uma linguagem corporal relaxada, mas, apesar dessa postura até ter algum sucesso como estratégia de convencimento, em situações de mansplainning e manterrupting não vale a pena. Além de causar frustrações e passar a impressão de que você é passiva e que não é firme nas suas convicções, dá licença para que a falta de respeito se repita em outras oportunidades e com outras mulheres.