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Como os fãs salvaram a Lego

No início do século, a empresa estava afundada em uma crise. Mas graças à mistura de redes sociais, produção colaborativa e criatividade de seus consumidores, escapou – e hoje faz mais sucesso do que nunca.

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 jan 2023, 22h12 - Publicado em 6 out 2011, 22h00

Em fevereiro de 2011, colecionadores japoneses de Lego foram surpreendidos com um lançamento exclusivo no país. Era uma réplica do Shinkai 6500, submarino tripulado que chega a 6,5 mil metros de profundidade para estudar o fundo do mar. Com 413 peças, o submarino, com produção limitada de 10 mil unidades, é um marco nos 79 anos de história da Lego. Pela primeira vez, a concepção do brinquedo não saiu dos portões da sede da empresa, na pequena Billund, cidade de cerca de 10 mil habitantes no sul da Dinamarca. Não. O Shinkai 6500 é fruto do engajamento e da criatividade dos fãs da Lego.

Tudo começou no Cuusoo.com, site colaborativo que reúne, divulga e vende ideias de novos produtos a empresas como Nissan e Sony. Funciona assim: os usuários entram com as sugestões, que são submetidas a votação pelos membros. O Cuusoo apresenta as ideias mais votadas aos parceiros, que decidem se as lançam em escala industrial, pagando uma porcentagem do lucro ao criador. Foi o que aconteceu com o Shinkai. O projeto do usuário conhecido apenas como @guy ganhou o apoio de 10 mil membros. A Lego abraçou a causa e lançou seu primeiro produto oficial criado por um fã.

O submarino é o novo passo de um caminho que a empresa vem traçando há 13 anos. Ao abrir a porta para a inventividade dos fãs, a Lego se recriou. E chegou a um patamar de lucro e relevância em que nunca havia estado.

O hacker e o robô

A empresa ia mal entre o final dos anos 1990 e o início do século. Parques, jogos, roupas e produtos licenciados consumiram investimentos e não davam o retorno esperado – em 2004, a Lego anunciou prejuízo recorde de cerca de R$ 370 milhões. Para se salvar, fez uma série de mudanças na estrutura e fortaleceu o elo com os consumidores, legião de 300 milhões de pessoas em 130 países. Para isso, usou o que tinha que usar. A internet.

Em 1998, a Lego lançou o Mindstorms, projeto desenvolvido com o MIT que consistia em um robô formado por peças tradicionais, sensores e motores. Ou seja, um Lego programado por computador que se mexe e é sensível a toque, cor e som. Um sonho de consumo. Mas havia quem achava que podia melhorar. Em 3 semanas no mercado, mil hackers vasculharam o código do Mindstorms. Até que um deles conseguiu quebrá-lo. O trabalho de 7 engenheiros do MIT estava nas mãos de estudantes.

“Fiz aquilo porque parecia um bom desafio”, resume Kekoa Proudfoot, que na época publicou na internet como fez tudo. A reação da Lego surpreendeu. Em vez de ir à Justiça, decidiu aprender com os hackers – e implementar as melhorias que eles apresentaram. “Nunca tive contato com a Lego até que um dia os encontrei no MIT. Eles ficaram surpresos com tamanho interesse adulto no Mindstorms”, diz Kekoa. Hoje, o brinquedo é o mais caro da Lego (cerca de R$ 2 mil). E um dos mais desejados. Há livros, tutoriais de programação, torneios e sites dedicados ao Mindstorms. Tudo com o apoio da empresa.

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Os fãs do tijolo

O episódio dos hackers foi emblemático. “Até então, a Lego achava que só falava com criança”, diz Wagner Cavalli, 45 anos, embaixador do fórum LUG Brasil. LUG é a sigla para “grupo de usuários de Lego”, em inglês. Embaixador é aquele eleito pelo grupo para ser a ponte com a matriz. Ouvir esses consumidores é da política da Lego. São 70 LUGs mundo afora, cujos embaixadores têm informações exclusivas e contato direto com a área de mídias sociais da empresa. Eles não são funcionários nem ganham nada por isso. É trabalho de fã. Wagner, cabelos quase grisalhos, diz que pagou pelos Legos que tem: “Só fechados são uns 200”.

Esses consumidores são conhecidos como afols (“adultos fãs de Lego”, em inglês) e sua diversão é fazer MOCs (outra sigla: “minha própria criação”). Ou seja, fã que é fã extrapola o manual de instruções. “Vendemos matéria-prima, não brinquedo montado”, diz Robério Esteves, porta-voz da Lego no Brasil. Para estimular o desafio, desde 2005 existe o Design by Me, serviço da empresa em que você cria seu próprio Lego. Basta baixar um programa e projetar o que quiser. Faça o design da caixa e encomende seu Lego, entregue em casa (o serviço ainda não existe no Brasil).

Das feiras aos museus

Além de criar, é preciso mostrar. Marcus Webel, 38 anos e 150 mil peças, foi 2 vezes à Dinamarca para o Lego Fan Weekend, encontro onde há leilão de peças e exposição de MOCs. Assim como ele, milhares de afols fazem essa máquina criativa girar: fãs organizam 100 eventos por ano no mundo, que reuniram no ano passado 2,6 milhões de pessoas. Na internet, são 860 mil vídeos no YouTube e um grande fluxo no próprio site da marca. Lá, é possível trocar fotos e comprar MOCs uns dos outros. A Lego não revela números, mas na época do lançamento do Design by Me ela falava em 300 mil usuários.

Enquanto uns expõem em feiras, outros estão em museus. São artistas que vivem de esculpir em Lego, como o americano Nathan Sawaya. “Aos 10 anos, pedi um cão a meu pai. Não ganhei, então fiz um de Lego”, diz. Nathan é um dos 11 artistas reconhecidos pela empresa como profissionais de Lego. Eles não têm salário, mas a Lego ajuda a divulgar suas obras, que chegam às dezenas de milhares de dólares.

Isso tudo repercutiu na empresa. Segundo uma pesquisa no Reino Unido, Lego é o brinquedo mais popular da história (toma essa, Barbie!). A crise é passado e o faturamento bate recorde todo ano. Em 2010, foi de cerca de R$ 4,8 bilhões. O gerente de mídias sociais da marca, Peter Espersen, reconhece: “A Lego deve muito aos fãs”. Ao dar espaço à criatividade do público, ela conseguiu algo pouco provável para um brinquedo de montar: multiplicar o que já era quase infinito.

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Origem

Até o nome da marca é montado. Lego é contração do dinamarquês leg godt (“brincar bem”). Ela nasceu em 1932 fazendo brinquedos de madeira. O plástico viria nos anos 50.

Fãs

A Lego parecia estar diferente para os fãs. “As peças vinham cada vez mais pré-montadas”, lembra Wagner Cavalli, do fórum LUG Brasil.

Concorrência

A situação no fim dos anos 1990 era ruim para toda a indústria de brinquedos tradicionais. Videogames e canais infantis na TV ocupavam cada vez mais tempo na rotina das crianças.

Crise

Parques temáticos (as Legolands), jogos eletrônicos, roupas e outros setores não davam o lucro esperado. A Lego precisou terceirizar áreas para sair da pior.

Distância

Ocupada com roupas, jogos etc., ela ficou longe da origem: brinquedo de montar. Até o clássico balde de peças deixou de ser fabricado. Ele voltaria às lojas em 2005.

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Fóruns

Os 65 mil membros dos LUGs, fóruns reconhecidos pela Lego, fazem feiras que reuniram, só em 2010, 2,6 milhões de pessoas. E não tem mágica. Fã consome: na única loja oficial no Brasil, cada cliente gasta em média R$ 5 mil.

Games

Após bem-sucedidas adaptações para videogame de séries como Star Wars, a empresa lançou em 2010 o jogo multiplayer online Lego Universe. A violência é de desenho infantil, para tranquilizar os pais.

Customizado

Quer ser arquiteto de Lego? O programa Lego Digital Designer permite isso. Projete um hospital, por exemplo, faça o design da caixa e compartilhe a criação no próprio site da marca.

Lego 2.0

O submarino Shinkai 6500 é o passo seguinte ao Digital Designer. Criado e divulgado por fãs de Lego, foi lançado em escala industrial em 2011. A produção colaborativa chegou à tradicional Lego.

Brainstorm

Quando hackers roubaram e compartilharam o código do robô Mindstorms, a Lego aprendeu com eles. Implementou melhorias e de quebra descobriu o potencial criativo de seus fãs adultos.

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