Paula Soares
Não, você não sairia pegando nota de R$ 100 por aí. Dinheiro tem de ser escasso para ter valor, ou ninguém o usaria como moeda de troca. Por isso, o governo não permitiria que nascesse dinheiro no quintal de qualquer um – controlaria ele mesmo toda a plantação. Quer dizer, mais ou menos. O governo estaria nas mãos da natureza. Teríamos safras boas e safras ruins de dinheiro, de acordo com o clima. Mas depender da natureza não seria algo tão estranho assim para a economia. Afinal, dinheiro já deu em árvore: maias e astecas usavam cacau como moeda. Bastaria que os governos se adaptassem, estocando notas e restringindo o total em circulação, para reduzir o risco de crises. E nós, com menos papel-moeda na carteira, usaríamos cartão de crédito para tudo.
O papel-moeda que usamos é composto de linho e algodão. Por isso, a árvore de dinheiro só poderia ser um híbrido entre a Linum usitatissimum L. (a planta do linho) e a Gossypium L. (o algodoeiro). O governo seria o dono de todas as mudas, mas teria um certo trabalho para evitar que espertinhos roubassem sementes e iniciassem cultivos clandestinos. Seria preciso se prevenir até contra animais que, inocentemente, poderiam carregar as sementes.
A questão do solo seria decisiva para a geopolítica. Países que tivessem as regiões ideais para o cultivo do dinheiro teriam tanto poder quanto hoje têm exportadores de petróleo. China e Índia, maiores produtores de algodão, sairíam em vantagem. Países que não tivessem extensão de terra suficiente para cultivo precisariam arrendar terrenos de vizinhos. Surgiriam acordos e alianças internacionais. E até guerras pelo domínio de terra propícia ao plantio.
Tá verde, mas tá maduro
Com dinheiro nascendo no pé, até passarinho poderia gerar crises na economia
Oásis no deserto
O local ideal de cultivo da árvore combinaria duas características: clima propício (para aumentar o rendimento da safra) e distância de áreas populosas (para reduzir os riscos de contrabando). Um deserto seria uma boa escolha, já que o clima seco favorece a cultura de algodão. Bastaria que o governo recorresse a técnicas de irrigação, como as usadas no deserto de Negev, em Israel.
Teje preso, passarinho
Além de ladrões, o governo teria outro inimigo: a natureza. O vento poderia espalhar as sementes fora da área oficial, o que obrigaria as autoridades a manter um perímetro mínimo de segurança ao redor da plantação. E as árvores teriam de estar protegidas por grades ou estufas. Seria o jeito de evitar que passarinhos e outros animais pegassem sementes e as carregassem por aí.
Ministério dos biólogos
O Ministério da Moeda cuidaria da produção e proteção do dinheiro. Formado por biólogos e engenheiros agrônomos, o ministério garantiria o equilíbrio entre notas e moedas mais e menos valiosas por manipulação genética. Também criaria condições para que a safra fosse sempre boa. E administraria as forças dedicadas a coibir contrabando e falsificação.
A safra quebra, a economia não
A árvore de dinheiro levaria aproximadamente 90 dias para dar notas, por ser um híbrido entre as plantas de algodão e linho. Mas a economia não pode esperar uma safra, porque precisa de dinheiro constantemente. O jeito seria estocar. Só uma parte do dinheiro colhido poderia ir para as ruas e entrar em circulação.
Mais falso que nota de 3
Dinheiro falso seria dinheiro transgênico. Só daria para fazer no quintal de casa se você montasse um laboratório com tecnologia pra isso. Para combater a falsificação, o Ministério da Moeda imprimiria número de série nas notas (como é feito hoje). E usaria testes genéticos em casos relevantes, como pedidos da polícia.
Põe na conta
Com pouco papel-moeda circulando, dependeríamos de cartões de crédito e débito. A maioria das compras seria registrada virtualmente, o que dificultaria a vida de sonegadores. Subornos também minguariam. Estaríamos mais expostos a roubos virtuais. E ninguém sairia por aí dando R$ 1 como esmola. Pior para os mendigos, que morreriam de fome.
Fontes Bráulio Borges, economista-chefe da LCA; Carlos Hotta, especialista em ciência das plantas; Jack Weatherford, antropólogo e autor de A História do Dinheiro; Luccas Longo, especialista em recursos florestais; Márcia Pedroza, professora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da PUC-SP; Mirela Scarabel, economista da LCA; Tábata Bergonci, especialista em fisiologia e bioquímica de plantas.