Você poderia fazer tudo o que deseja mas acha que não vai ter tempo para realizar. Afinal, o tempo seria infinito. Você poderia ser advogado, depois pescador, astronauta e estilista. Poderia namorar muitas mulheres (ou homens. Ou os dois) e viajar com eles pelo mundo. Além disso, você não viveria a angústia de saber que todos que ama morrerão um dia.
De fato, em um primeiro momento, a perspectiva de ser imortal parece muito boa. Acontece que a morte está muito mais presente na nossa vida do que imaginamos. “Nós nos organizamos para a morte. A partir dos 4 anos, a criança já sabe que vai morrer um dia. Sabemos que vamos perder pessoas e situações e que devemos nos preparar para isso”, diz Maria Júlia Kovács, professora de psicologia da morte da USP.
A morte está ligada à religião, à criatividade humana e à reprodução da espécie. “A vida seria um presente infinito, sem noção de futuro”, diz o físico Marcelo Gleiser, autor do livro O Fim da Terra e do Céu: o Apocalipse na Ciência e na Religião. Para ele, é o tempo finito que nos dá a necessidade de buscar algo que vá além do nosso tempo. A imortalidade, portanto, levaria todos à estagnação intelectual e cultural.
Se você acha que viver para sempre é assunto só para a imaginação, saiba que a ciência anda se preocupando com isso. Alguns pesquisadores vêem a velhice como um processo de degradação celular, a senescência, uma doença que poderia ser curada. Avanços na biotecnologia também podem levar à preservação do corpo por meio da clonagem. É possível que, no futuro, tenhamos uma espécie de “corpo reserva”, pelo qual trocaríamos nosso corpo jà envelhecido. Nossa consciência seria transferida como um conjunto de informações digitais – como se transferem arquivos em CD hoje em dia. Num mundo sem envelhecimento ou doenças, a única maneira de morrer seria por traumas – acidentes de carro ou tiros, por exemplo. Continua achando que seria bom? Acompanhe algumas das conseqüências que viriam por aí.
Infinitos fragmentos
A vida seria uma sucessão interminável de eventos pouco emocionantes
Arquivo de dados
“O cérebro, como um computador, tem memória finita. Depois de mais ou menos 70 anos, ele começa a ficar bem menos eficiente”, diz o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, da Duke University (EUA). Assim, teríamos que usar fotografias ou vídeos para arquivar todas as nossas lembranças
Descanso merecido
O trabalho seria para sempre. Se parássemos, não haveria sistema de previdência que arcasse com tantos aposentados. O mais provável é que tirássemos férias longas entre uma carreira e outra
Cabe mais um?
Para evitar a superpopulação, teríamos que controlar os nascimentos. Alguém teria que desistir da vida para outro nascer. Isso não seria um problema, já que a vontade de ter filhos está ligada à necessidade de perpetuar a espécie. Imortais, é bem possível que o instinto maternal fosse por água abaixo
Homens sem fé
“Uma das bases da religião é a relação com a morte”, diz o psiquiatra Paulo Dalgalarrondo, da Unicamp. “Sem ela, os homens se afastariam das religiões”. A moral religiosa seria substituída por leis humanas, e as igrejas virariam museus, com valor apenas histórico
Cultura estagnada
Não haveria a ânsia existencial de criar. “O motor criativo está ligado à consciência de morte”, diz o físico Marcelo Gleiser. Além disso, as mesmas pessoas, com as mesmas idéias, estariam para sempre na terra. Se chegássemos à imortalidade em 1989, por exemplo, estaríamos dançando lambada até hoje
Câmara de suicídio
Sem memória, filhos, religião ou cultura, o tédio tomaria conta da existência. “Muitas pessoas apelariam para o suicídio, quando batesse o cansaço de viver”, afirma Marcelo Gleiser